22 Mai 2021
"Compreender hoje que 'fazer penitência' é uma experiência que amadurece na experiência batismal/eucarística, que encontra no IV sacramento o remédio para uma 'patologia' da vida cristã, é um grande desafio com o qual a tradição redescobre aquela palavra forte com que S. Tomás dizia que o sacramento da penitência diz respeito à vida cristã não 'em si', mas 'de modo acidental'. A palavra de Deus que perdoa é igual em todas as formas do sacramento. O que muda é como é considerada a 'resposta' que os sujeitos e as comunidades podem dar a esse dom inesgotável de misericórdia", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 20-05-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Todas as emergências graves, todas as alterações profundas da relação consigo mesmo e com os outros, nos obrigam a trilhar caminhos insólitos e revelam muitos pensamentos secretos do coração. Este também foi o caso da relação entre a condição de pandemia e o sacramento da penitência. Os últimos posts que foram publicados neste blog (aqui e aqui) atestam como, entre as dobras das respostas rápidas a situações imprevisíveis, não só fizemos recurso a formas de sacramento que não conhecíamos, mas também descobrimos algo novo: o que pensamos sobre o sacramento e suas modalidades de celebração deve ser examinado e reconsiderado.
Nos discursos que produzimos a esse respeito, a expressão "terceira forma" do sacramento apareceu com frequência. Expressão esta, que se baseia na própria estrutura do livro ritual do sacramento, que prevê precisamente uma "terceira forma", depois de uma "primeira" e uma "segunda". A primeira é aquela "individual", a segunda é a mesma, mas em um contexto comunitário; a terceira é comunitária e geral na absolvição, mas subordinada a estritas condições de "necessidade".
A oportunidade que nos oferece o protocolo da pandemia permitiu-nos olhar para a realidade de outra perspectiva, focando o nosso olhar no essencial. Por isso, nos levou de volta aos ditames do Concílio, que pedia uma "reforma" considerando a "natureza" e o "efeito" do sacramento (SC 72). Mas qual é a natureza e o efeito do sacramento? Para responder às perguntas sobre a "terceira forma", é necessário analisar mais a fundo a "forma fundamental" do sacramento da penitência. Tentarei fazê-lo em quatro etapas: primeiro, procurando a "razão de ser" do quarto sacramento; depois, investigando sua estrutura histórica; posteriormente colocando em tensão a "sistemática teológica" e a "sistemática jurídica"; finalmente relendo o que aconteceu no ano passado como sugestão para a retomada da "terceira forma" em uma direção diferente daquela prevista no Ritual e no Código.
Por trás das várias formas com as quais hoje é possível celebrar o sacramento da penitência, há uma longa história, no centro da qual, no entanto, persiste uma forte ideia, que se traduziu em formas diferentes, mas que, de certa forma, sempre permaneceu a mesma. Essa ideia é a justificação teológica do sacramento, vamos dizer, a sua "natureza", que também determina o seu "efeito". Podemos exprimir assim: a iniciação cristã, que consiste no batismo, na confirmação e na eucaristia, conduz os fiéis à comunhão com Deus em Cristo. Esse "estado de graça" pode ser ameaçado tanto pelo pecado quanto pela doença. Para isso existem dois sacramentos "de cura", que intervêm para restaurar a condição de comunhão. O sacramento da peniatência é, portanto, o "procedimento especial" com o qual os fiéis recuperam a resposta ao dom do perdão, que Deus renova incansavelmente, com um processo específico de elaboração do coração, da palavra e da ação. Toda redução do sacramento a uma de suas partes tende a esquecer sua "forma fundamental", que é uma forma complexa, articulada no corpo e no tempo do sujeito penitente e do sujeito eclesial.
Na forma “doutrinal" com que o sacramento nos foi entregue, essa complexidade é claramente atestada. O ato do ministro (absolvição) se encontra com os atos do peniteante (contrição, confissão, penitência) e somente a partir da síntese desses quatro níveis de ação e consideração se realiza a natureza e o efeito do sacramento. Historicamente, isso aconteceu de formas bastante diferenciadas. Existem mais de três "formas" na história.
No início, desde que tal procedimento afoi estruturado, a forma "comunitária" era a única e previa tempos e espaços muito articulados. Depois, não sem dificuldades e discussões, nasceu ao lado daquela uma forma “individual” que conviveu por muito tempo com a anterior. Depois a forma comunitária desapareceu, mas a individual manteve sua articulação temporal consistente e sua estrutura exigente. Até que, na história que se seguiu ao Concílio de Trento, também a forma individual se encaminhou para uma estilização cada vez maior, tornando-se espacial e temporalmente pontual. Um único lugar e poucos minutos são a "forma do sacramento". De certo ponto de vista, isso assumiu sua figura mais típica na descrição canônica do sacramento.
Se a "forma fundamental" do sacramento é o "processo" pelo qual a Igreja se preocupa para que o anúncio do perdão de Deus possa despertar nos corações, bocas e corpos dos fiéis uma resposta da liberdade ao renovado dom da graça, é evidente que o aspecto "específico" do sacramento não reside no dom da graça, que o IV sacramento tem em comum com os três primeiros sacramentos, mas no procedimento de recuperação do sujeito que a graça permite e que a liberdade reestrutura. O esquecimento deste processo, que é uma correlação entre dom e trabalho, é muito claro na forma como a normativa canônica descreve o sacramento. Tento me explicar melhor.
Quando se fala de "sacramento da penitência" no cân. 960, valoriza-se uma leitura simplificada - e em alguns aspectos simplista - daquilo que o Concílio de Trento denomina "batismo laborioso": a confissão e a absolvição, no texto do Código, parecem suficientes para a realização do perdão de Deus. Na realidade o sacramento, em sua longa história, sempre foi vital apenas quando conservou e guardou sua "forma fundamental", ou seja, todos os três atos do pecador-arrependido: isto é, além da confissão, a contrição e a penitência, que, simplificando, são o doloroso amadurecimento do arrependimento interior e o doloroso exercício da mudança exterior. Essas dimensões nunca são pontuais e não se deixam reduzir a "atos formais" ou a "autocertificações". Esse fenômeno formaliza o sacramento em sua forma fundamental, isto é, em sua "natureza" e em seu "efeito". Natureza e efeito não são "negados", mas "formalizados".
Se, à luz da experiência do ano passado, observarmos a tradição, descobrimos que a III forma não é simplesmente uma "infração à norma" que exige a associação de confissão individual e absolvição, mas uma forma diferente de correlacionar o percurso penitencial ao perdão de Deus. Desse ponto de vista a novidade é que, sem negar os limites estruturais da III forma, que inevitavelmente remete a "percursos pessoais de palavra, de coração e de corpo", que podem e devem ser elaborados em outros tempos e em outros espaços, agora ficam mais claros os limites estruturais da I forma, sua ausência de respiro espacial e temporal, sua formalização e abstração do caminho da tradição. Com efeito, desde que redescobrimos a Iniciação Cristã, e a tornamos um projeto eclesial global, a partir do Concílio Vaticano II, era inevitável que a "forma tridentina" do sacramento sofresse uma substancial releitura.
Compreender hoje que “fazer penitência” é uma experiência que amadurece na experiência batismal/eucarística, que encontra no IV sacramento o remédio para uma “patologia” da vida cristã, é um grande desafio com o qual a tradição redescobre aquela palavra forte com que S. Tomás dizia que o sacramento da penitência diz respeito à vida cristã não "em si", mas "de modo acidental". A palavra de Deus que perdoa é igual em todas as formas do sacramento. O que muda é como é considerada a "resposta" que os sujeitos e as comunidades podem dar a esse dom inesgotável de misericórdia.
Sobre essa resposta é importante, é legítimo esperar muito mais do que o que o Código prevê. É por isso que um debate teológico e pastoral sobre a III forma e a "forma fundamental" do sacramento é tão precioso. Redescobrir com urgência a diferença entre o sacramento da penitência e a virtude da penitência, e redescobrir o primado da segunda sobre a primeira, é uma tarefa que nos foi confiada pela indicação conciliar de dar nova voz à "natureza" e ao "efeito" do sacramento. A "paz" no conflito de interpretações sobre a III forma só é possível reconsiderando a I forma e sua adequação: um desequilíbrio "judicial" sobre a absolvição e uma consideração fraca do complexo de "atos do penitente" leva a encontrar, também graças à pandemia, uma nova pertinência ao "fazer penitência" das assembleias penitenciais. Não para "universalizar o perdão", mas para "personalizar o percurso" pelo qual a vida redescobre a comunhão com Deus, no coração, na boca e no corpo.
Ainda hoje, mesmo depois e ainda dentro da pandemia, sabemos que não há alternativa ao caminho pessoal de reabilitação dos fiéis. Mas agora sabemos que a "forma normal" do sacramento não é menos isenta de problemas do que a III forma. E que os recursos para reavivar, perante o "dom da graça", o gosto pelo "trabalho sobre si" - na oração, na conversão e na ação - talvez se encontrem mais em comum do que na solidão. E isso não é pouca coisa. Que fazer penitência não diz respeito principalmente aos indivíduos perante o ministro, mas a um caminho comum de cuidado para o coração, a palavra e o corpo, é uma descoberta que paradoxalmente renasce precisamente num tempo de "suspensão comunitária". A história nunca deixa de nos surpreender, fazendo-nos redescobrir o tato eclesial justamente quando é proibido nos tocar!
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A terceira forma da penitência: um debate. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU