17 Dezembro 2020
"O que há de urgente no fato de fazer penitência dos cristãos? Não seria importante mostrar, para além das condições excepcionais de confissão/absolvição, que as 'privações' a que estamos destinados podem ser um caminho penitencial válido, para abrir os olhos às formas de presença de Deus e do próximo no caminho da nossa existência? Não há, aqui, ao lado da palavra autorizada do perdão, a exigência de evidenciar de que modo respondemos a essa palavra? Também precisaríamos não só de confissão/absolvição, mas, sobretudo, de 'penitência em forma geral'", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano e professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em artigo publicado por Come Se Non, 16-12-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No filme “Um fim de semana diferente” [“The Confirmation”, 2016] – agradeço de coração a Riccardo Fanciullacci pela indicação – toda a história da relação entre filho e pai (separado, alcoólatra e sem trabalho) é narrada em uma grande inclusão constituída pelo sacramento da penitência. Sim, no filme, o pretexto é a “crisma” (confirmation), mas o tema é a penitência!
O sacramento da confissão é vivido pelo menino no início como um rito vazio e forçado e, no fim, com a plenitude da experiência do pecado e da salvação, como sinal e causa de um verdadeiro “fazer penitência”. A vida entrou na consciência do menino e o “confirmou” nas relações fundamentais, com o pai, com a mãe, com os amigos, consigo mesmo.
O quadro do sacramento é o tridentino, alimentado muito mais pela tradição estadunidense do que pela europeia. De certa forma, vê-se uma forma de confissão, de vivência do confessionário e do ministro que nós vivíamos há talvez 50 anos. Mas se aprendem muitas coisas com essas cenas: os limites de um modelo eclesial, a possível relação do sacramento com a vida e a estrutura complexa do amadurecimento no fato de crer “fazendo penitência”.
Esse belo filme pode ficar em segundo plano e nos oferece o impulso para pensar sobre os desdobramentos que a pandemia está trazendo no âmbito desse sacramento, à luz de recentes pronunciamentos episcopais.
É totalmente razoável que a excepcionalidade dos tempos de “contágio” sugira aos pastores a possibilidade de recorrer à “terceira forma” do sacramento da penitência. Com mais razão isso pode ser aconselhável no momento em que se aproxima uma das duas datas (Natal e Páscoa) que atrai o maior número de penitentes ao longo do ano litúrgico.
O ritual põe à disposição a terceira forma para qualquer pastor. Mas a utilização está subordinada a uma avaliação que cabe ao bispo. Obviamente, tratando-se de um rito que intervém “em casos excepcionais”, a excepcionalidade nem sempre é previsível.
No caso específico, uma reflexão iniciada em março passado preparou o campo para decisões razoáveis, que passam a se colocar de modo harmonioso com as mais imediatas, em relação à Páscoa passada, que preferiram recorrer ao conceito de “votum sacramenti”, deslocando a dinâmica para o plano do “desejo da consciência do indivíduo”, impedido pela condição dos cuidados de saúde, em vez do plano de uma confissão/absolvição geral. Considerando-se a recepção desta nova orientação, gostaria de assinalar uma série de questões que poderiam ser consideradas nesse âmbito.
O modelo adotado durante o “confinamento duro” de março-maio recorria ao tema do “desejo de confissão”, do “votum sacramenti”. Hoje se pensa na “terceira forma” do sacramento, que tem outras vantagens, mas limites pelo menos igualmente graves, pois pressupõe alguma forma de “aglomeração”, embora não exija as formas da aproximação individual ao confessor individual. Por isso, porém, encontra a dificuldade das “grandes aglomerações”, embora distanciadas, no modelo da reunião eucarística.
Um segundo ponto a se considerar é o seguinte: se o “votum sacramenti” sofre o limite da falta de um interlocutor eclesial, a “terceira forma” do sacramento é um consistente e autorizado anúncio do perdão ao qual não corresponde necessariamente, porém, nem a elaboração da palavra pessoal nem o trabalho sobre a liberdade. E isso, deve-se reconhecer, não é um limite pequeno.
Por outro lado, na condição de sofrimento comunitário determinado pela pandemia, a força de uma palavra de reconciliação não pode ser subestimada. Porém, isso não justifica totalmente a existência de um sacramento que tem, como sua natureza específica, a reabilitação do sujeito à resposta a tal palavra. E é aqui que talvez seja necessário um pequeno suplemento de experiência e de criatividade. Precisamente por causa da especificidade da nossa condição, parece problemático levantar a hipótese daquilo que, com razão, a visão clássica pressupõe: isto é, que, uma vez terminado o regime de exceção, deve-se buscar recuperar aquilo que faltou na experiência “geral”: ou seja, a elaboração da penitência. Esse defeito, mesmo que precise ser repensado, permanece intacto mesmo nas condições atuais.
A lógica da “terceira forma” é pensada, em geral, para “necessidades pontuais”. Tanto é verdade que ela requer que, terminada a condição de necessidade, se busque reintegrar a confissão na sua plenitude. O que responde precisamente à “pontualidade” da necessidade. Em vez disso, quando a condição de necessidade se prolonga por tempos imprevisíveis, a adoção da “forma geral” apenas para o espaço temporal de 16 de dezembro a 6 de janeiro parece justificada mais pelo costume natalício à confissão do que pela real resposta à condição dos penitentes. Administra a demanda crescente do sacramento, mas o faz com um instrumento “comunitário”. Isso mantém um lado problemático, que é precisamente o destino “comunitário” do instrumento. Como disse, a forma ordinária tem o limite do “contato”, enquanto a extraordinária tem o limite da aglomeração.
Na realidade, é justo se perguntar: o que há de urgente em tudo isso, no fato de fazer penitência dos cristãos? Não seria igualmente importante mostrar, para além das condições excepcionais de confissão/absolvição, que as “privações” a que estamos destinados – sejam pequenas ou grandes – podem ser um caminho penitencial válido, para abrir os olhos às formas de presença de Deus e do próximo no caminho da nossa existência? Não há, aqui, ao lado da palavra autorizada do perdão, a exigência de evidenciar de que modo respondemos a essa palavra? Também precisaríamos não só de confissão/absolvição – que o formalismo canônico absolutiza de forma proporcional – mas, sobretudo, de “penitência em forma geral”. E talvez se trate, acima de tudo, de reconhecer a penitência que nos é pedida: reconhecendo as feridas deste tempo – feridas laborais, feridas relacionais, feridas espaciais, feridas temporais, feridas festivas, feridas espirituais – poderíamos realmente sair melhores. Se o sacramento anuncia o perdão e está a serviço da penitência, ele não serve principalmente para “não imputar as culpas”, mas para dar sentido aos esforços necessários. Encontro aqui um espaço precioso de discernimento episcopal, cristão e existencial, que está aquém e além dos decretos, embora necessários, sobre as formas da confissão e da absolvição.
É um fato digno de nota que o registro sobre o qual os bispos falam predominantemente, sobretudo neste momento delicado, é precisamente o dos decretos, redigidos com precisa atenção canônica e formal. Isso não vale para todos, mas para um certo número de “palavras episcopais”. Certamente são formas de exercício do poder de jurisdição, mas que, às vezes, parecem permanecer distantes do exercício da profecia. Acredito que há mais um espaço episcopal no qual é possível exercer uma palavra autorizada, diferente, não burocrática, não formal, que releia a experiência comum e a reconecte à presença da graça de Cristo, na forma das alegrias e das dores que hoje acompanham a vida de grande parte dos homens e das mulheres. A tradição penitencial é muito mais rica do que o válido exercício do sacramento. Ela conhece desde sempre variações possíveis e necessárias: oferecê-la apenas em termos de “poder de absolver” e de “condições de confissão” é trabalhar no terreno mais seguro, mas também no terreno menos poderoso e mais formal. O poder dos signos, neste caso, nem sempre corresponde à predisposição dos signos do poder.
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Confissão, comunidade e estado de exceção. Uma “penitência comum” na pandemia? Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU