30 Abril 2021
"A Igreja está novamente precisando de reforma e arrependimento, de crescimento e graça. Ela está sendo chamada nesta era a abraçar toda a Igreja, ao invés de simplesmente um segmento dela. Isso implica que a Igreja também, assim como a sociedade, deve ir além do clericalismo, do sexismo e do institucionalismo, sem falar da ênfase na organização, muitas vezes às custas das pessoas que se identificam e dependem dela".
A opinião é de Joan Chittister, irmã beneditina estadunidense da comunidade de Erie, na Pensilvânia, e ex-presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR).
O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 29-04-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ao longo dos anos, começamos a descobrir algumas diferenças entre Jesus e a Igreja: Jesus tem credibilidade.
A reputação da Igreja, por outro lado, oscila. O papado, a própria pedra angular da Igreja, é uma história pouco conhecida, porque muitos dos primeiros papas eram moralmente decrépitos. A própria instituição oscilou entre a preservação da fé e a acumulação de poder. O chamado da Igreja a proteger a fé deteriorou até chegar às Cruzadas, em vez da unidade universal. A evangelização tornou-se mais um jogo de competição denominacional do que uma acolhida indiscriminada aos “outros” ecumênicos.
Até que finalmente a renovação da Igreja foi inundada por paramentos, clericalismo e riqueza. A eminência da Igreja tornou-se mais arquitetônica, mais institucional do que sonora, óbvia e universalmente compassiva. Pelo menos foi assim que os católicos divorciados a viram então. Foi assim que os católicos em casamentos mistos a viram. Foi assim que as mulheres espancadas a quem eles diziam para serem mais obedientes aos seus maridos a viram. E certamente foi assim que as pessoas LGBT que buscam o amor verdadeiro e os sacramentos de que precisam para se manter mesmo agora.
No entanto, foi também a Igreja que salvou a si mesma continuamente. A Igreja recuou do nepotismo – o controle da Igreja pelas dinastias familiares. A Igreja enfrentou uma longa, longa luta para fazer isso, mas, no fim, conseguiu se livrar do poder secular em um mundo monárquico que veio a engolfá-la na simonia e na venda de cargos, pastorados e mercenarismo religioso.
E mais, a Igreja buscou o desenvolvimento de ideias muito além dos níveis errantes da piedade desorientada ou da magia confundida com sacramentalismo. A Igreja triunfante formou gerações de fiéis que buscavam levar uma vida espiritual e uma vida humanamente realizada. E, de era em era, a Igreja deu ao mundo modelos de santidade que mantinham Jesus vivo em nosso meio.
É aquela Igreja que se arrependeu dos seus pecados ao longo dos séculos e se converteu de era em era.
Mas agora estamos de volta exatamente a este ponto: a Igreja está novamente precisando de reforma e arrependimento, de crescimento e graça. Ela está sendo chamada nesta era a abraçar toda a Igreja, ao invés de simplesmente um segmento dela. Isso implica que a Igreja também, assim como a sociedade, deve ir além do clericalismo, do sexismo e do institucionalismo, sem falar da ênfase na organização, muitas vezes às custas das pessoas que se identificam e dependem dela.
Dadas essas preocupações e abertura real para um novo tipo de inclusão, parece que a Igreja pode estar bem prestes a se tornar Igreja em vez de instituição. Pode ser. A razão disso, com ênfase, é a sinodalidade.
Prática da Igreja consagrada pelo tempo, a sinodalidade surgiu em uma nova forma depois do Concílio Vaticano II. Em vez de ser meramente a consideração conjunta do papa e dos bispos sobre temas, questões e assuntos importantes, a convergência dos sínodos diocesanos veio à tona. As dioceses em todos os lugares foram encorajadas a reunir autoridades episcopais, clérigos e leigos para discutirem questões importantes de administração e de desenvolvimento teológico “sinodalmente”, como um corpo.
Agora em sua infância, tal modelo raro de operação na Igreja romana está se tornando rapidamente um novo sinal de esperança e de desespero.
A esperança é de que esse entendimento comum da necessidade e dos tipos de mudança na Igreja local fortaleça os laços entre clérigos e leigos em todos os níveis. Mais do que isso, sínodos desse tipo podem ser o começo da ação de trazer à tona problemas genuínos juntos e encontrar abordagens novas e possíveis para resolvê-los.
O desespero reside no fato de que a forma de identificar os participantes leigos de um sínodo e o grau da sua colaboração ainda não foi determinada. Criar expectativas que depois são frustradas ou ignoradas só piora as relações na comunidade eclesial.
A Igreja Católica na Austrália é um dos casos atuais em questão. Tendo finalmente concordado em organizar o primeiro sínodo episcopal-leigo em 84 anos – desde 1937 – após a exposição dos abusos sexuais infantis clericais, a questão agora é: “E então?”.
Primeiro, os leigos em todo o continente foram convidados a indicar quais conceitos ou questões eram mais importantes para que a Igreja abordasse neste momento. Mais de 17.400 respostas foram devolvidas à equipe de facilitadores do concílio em 2019. A mais comum de todas as respostas foi o apelo à “inclusão” dos leigos em relação a todos os temas – até mesmo a consideração da ordenação de mulheres. A mais definitiva de todas as respostas, e posteriormente publicada como “Getting Back on Mission” [De volta à missão], foi o livro de 335 páginas de um dos principais grupos de reforma australianos, o Catholics for Renewal.
Essas submissões, que foram agrupados por seis grupos de redação em várias categorias, passariam a fazer parte do instrumentum laboris, ou “documento de trabalho”, que formaria a pauta do Concílio Plenário. O que veio à tona foram 69 páginas de material que os respondentes leigos rotularam de “inúteis”.
Rotulado como “uma grande decepção” pela Catholics for Renewal, nenhuma palavra foi ouvida sobre questões importantes ou sobre o instrumentum laboris desde então. Caso contrário, os mais de 17.400 itens apresentados para consideração pelos leigos e ignorados pelo público podem muito bem se tornar mais o problema do que a solução.
Em segundo lugar, a maioria dos participantes leigos do sínodo foram identificados como empregados da Igreja e escolhidos pelos bispos. Não houve nenhuma explicação sobre os métodos de seleção ou sobre os critérios usados para identificar os membros leigos, mas de uma coisa os grupos de reforma estão certos: eles certamente não estão lá como “delegados” dos leigos como um todo.
O que acontecerá com esses dados, como eles serão usados, por quem serão discutidos e com que efeito para o futuro da diocese e o crescimento da Igreja, ninguém sabe no momento. Mas uma coisa é clara: quando você convida as pessoas para falarem com você sobre questões importantes em voz alta – e em público – é melhor que você tenha a intenção de lidar com elas. Caso contrário, o jogo pode terminar antes de começar.
Afinal, o placar está claro, ao que parece. Igreja: qualquer pontuação; Leigos: zero. E o futuro dessa instituição é mais turvo, mais sombrio e menos vívido do que nunca no que diz respeito aos seus membros.
Ou, dito de outra forma, você pode arriscar a pergunta: “Quais membros?”.
De onde eu me encontro, uma Igreja sinodal é o caminho certo para a inclusão, participação, transparência, responsabilidade e respeito pelas intuições, sabedoria e comprometimento dos leigos. Mas este sínodo, ao mesmo tempo, está oscilando novamente à beira de um abismo. Deixar de integrar uma população entusiasmada – suas preocupações, seus interesses e suas ideias – em uma Igreja comprometida com a sua resolução não é um passo claro da nova Igreja. Especialmente aquele passo motivado pelo escândalo dos abusos sexuais e do seu encobrimento.
Os monásticos do deserto contam a história do Abbá Arsênio, um homem erudito, que pediu conselhos a um camponês. “Por que você, que é tão erudito, pede um conselho a este camponês?” E Arsênio lhes respondeu: “Sim, eu sei bastante sobre latim e grego, mas não aprendi sequer o alfabeto deste camponês”.
A Igreja moderna precisa muito de um Abbá Arsênio que sabe escutar.
Fazer o contrário é confessar algum tipo de charada em que a Igreja finge se ocupar com as preocupações dos leigos – mas na verdade as ignora, onde as preocupações dos leigos são solicitadas, mas não tratadas publicamente, onde “o sacerdócio dos leigos” é teologizado, mas não incluído na fundação desta nova Igreja neste novo tempo.
E é aí que se encontra a diferença na vida cristã: Jesus era confiável.
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Os sínodos farão a diferença? Artigo de Joan Chittister - Instituto Humanitas Unisinos - IHU