26 Março 2021
A denúncia foi realizada pelo presidente do Cimi, Dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), durante a 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 25-03-2021.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) se dirigiu à 46ª sessão ordinária do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas na última sexta-feira (19) para denunciar o governo brasileiro pela publicação da Resolução 04/2021, que estabelece “critérios de heteroidentificação” para avaliar a autodeclaração de identidade dos povos indígenas no Brasil.
A denúncia foi realizada pelo presidente do Cimi, dom Roque Paloschi, arcebispo de Porto Velho (RO), que também alertou: “ao tentar trazer para si o direito de declarar quem é ou não indígena, Bolsonaro também está decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas, que são direitos constitucionalmente garantidos”.
Em face da Declaração de Durban, o Cimi se dirigiu ao Conselho para denunciar o Estado brasileiro e o governo de Jair Bolsonaro por promover a discriminação dos indígenas brasileiros e pedir a revogação imediata da Resolução 04. “Solicitamos o apoio deste Conselho”, apela o religioso.
A Resolução nº 04 foi publicada pela Fundação Nacional do Índio (Funai) em 22 de janeiro deste ano. Desde então, tem recebido duras críticas de organizações indígenas, indigenistas e da sociedade civil por violar dispositivos da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como, contrariar definições do Supremo Tribunal Federal (STF).
Criada sob o argumento de “padronizar e dar segurança jurídica” ao processo de autodeclaração indígena, a Resolução 04 traz o verniz de ser uma forma de “proteger a identidade indígena e evitar fraudes na obtenção de benefícios sociais voltados a essa população”. Na prática cria mais dificuldades ao reconhecimento e identificação das pessoas enquanto indígenas, na medida em que o governo sequer apresentou números ou casos de fraudes.
Dada a gravidade do ato administrativo, a assessoria jurídica do Cimi produziu uma nota técnica sobre a Resolução nº 4. Segundo análise da equipe, “essa normativa consolida o racismo institucional contra os povos indígenas ao propor critérios sobre uma auto-identificação que é, por direito, subjetiva, não se reduzindo aos estereótipos ou características fenotípicas, além de buscar cristalizar e segregar as identidades ditas ‘pré-colombianas’”.
Na mesma semana em que o Cimi levou a denúncia ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o ministro do STF Roberto Barroso suspendeu a Resolução. A decisão ocorreu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 709. A ação foi proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), partidos políticos e organizações da sociedade civil e entidades científicas, que por meio dela cobram medidas de combate à pandemia da covid-19 entre os povos indígenas. Barroso é o relator da ADPF.
As contribuições a este item do Conselho de Direitos Humanos têm por objetivo acompanhar a implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban. O documento nasce com o objetivo de listar diretrizes que possam orientar e amparar políticas públicas de combate ao racismo. A declaração é fruto da III Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, realizada em setembro de 2001, pela ONU, em Durban, na África do Sul.
A Declaração e Programa de Ação de Durban tem sido um instrumento de combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância em todo o mundo. No Brasil tem sido fundamental na criação de políticas públicas, na definição de critérios de autodeclaração de cor/raça e na aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, promulgado em 2010.
A Declaração também dedica um de seus artigos, o 39º, aos povos indígenas. Nele reconhece que os indígenas têm sido vítimas de discriminação e “afirma que eles são livres e iguais em dignidade e direitos e não devem sofrer qualquer tipo de discriminação baseada, particularmente, em sua origem e identidade indígena”. Ainda argumenta se fazer necessário medidas constantes para superar a persistência do racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerâncias que os afetam.
Esta foi a última incidência organizada pelo Cimi na 46ª sessão ordinária do Conselho, com início no dia 22 de fevereiro e término nesta terça-feira (23). As sessões ocorreram por videoconferência. Ao longo desses 30 dias, organizações indigenistas e indígenas realizaram sete incidências entre eventos paralelos, diálogos interativos e debates gerais.
A situação dos povos indígenas no Brasil no decorrer da pandemia do novo coronavírus foi denunciada pelo assessor jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena e o pelo padre Dário Bossi, representando diversas entidades eclesiais.
O grave quadro ambiental envolvendo as populações indígenas, o registro no aumento das invasões e exploração indevida dos territórios, bem como a paralisação das demarcações e o desmonte das políticas públicas ambientais, foi reportado por Luís Ventura Fernandez, que atua pelo Cimi na Amazônia. As fragilidades do programa brasileiro de proteção de defensores têm apresentado, foram denunciadas pela jovem indígena Sthefany Tupinambá, sobrinha do Cacique Babau. Ela destacou o quanto essas fragilidades colocam em risco a vida e a luta dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil.
As atrocidades cometidas contra os indígenas Chiquitano na fronteira entre Brasil e Bolívia foram reportadas à ONU pela terceira vez. Tamanha a gravidade do conflito na região, as lideranças não puderam realizar a denúncia sob risco de morte. Paulo Lugon, representante do Cimi na Europa, emprestou sua voz a estas vítimas.
Com o objetivo de analisar os impactos das agendas fundamentalistas na vida das mulheres, povos originários e comunidades tradicionais, organizações religiosas e de direitos humanos do Brasil propuseram um “Evento Paralelo” para dialogar sobre “Intolerância Religiosa no Brasil: Direitos Humanos, Novos Fundamentalismos e Exclusão”.
“As fragilidades do programa brasileiro de proteção de defensores têm colocado em risco a vida e a luta dos povos indígenas e comunidades tradicionais no Brasil”
Confira o discurso de Dom Roque:
Senhora presidenta
Preocupados com a implementação da Declaração de Durban, nos dirigimos a esse Conselho para denunciar o Estado brasileiro, pela publicação da Resolução 04/2021, que promove a discriminação dos povos indígenas no Brasil.
A Resolução do Governo brasileiro define “critérios de heteroidentificação” dos povos indígenas no Brasil, o que é totalmente contrário ao princípio de autodeclaração consagrado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O Governo Bolsonaro tenta trazer para si o direito de declarar quem é, ou não é indígena no Brasil, uma atitude autoritária e totalmente repudiada. Ao decidir quem é ou não é indígena, o governo também estaria decidindo quem será ou não beneficiário das políticas públicas, que são direitos constitucionalmente garantidos.
O governo de Bolsonaro está promovendo a discriminação dos indígenas brasileiros.
Pedimos ao Governo brasileiro que revogue imediatamente esta Resolução e solicitamos o apoio deste Conselho.
Muito obrigado!
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“O governo de Bolsonaro está promovendo a discriminação dos indígenas brasileiros”, denuncia Dom Roque Paloschi na ONU - Instituto Humanitas Unisinos - IHU