19 Março 2021
O Papa Francisco convidou os sindicatos a serem proféticos, aceitando o desafio da inovação. Uma nova cultura na condição digital pode nascer e talvez esteja nascendo também entre aqueles que constroem o digital todos os dias.
A opinião é de Luca Peyron, presbítero da Diocese de Turim, Itália, coordenador do Serviço para o Apostolado Digital, professor de Teologia da Universidade Católica de Milão e de Espiritualidade da Inovação na Universidade de Turim e autor de “Incarnazione digitale” [Encarnação digital, em tradução livre] (Ed. Elledici, 2019).
O artigo foi publicado por Il Regno, 04-05-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entre os órgãos intermediários que parecem ter se ocultado um pouco na tendência geral à desintermediação, certamente estão os sindicatos.
Décadas atrás, eles eram um motor cultural eficaz e poderoso, não simplesmente de reivindicação e luta, mas também de pensamento e elaboração cultural. A variedade de siglas sindicais era uma representação eloquente disso: interesses comuns de fato, mas também abordagens significativamente diferentes.
O seu peso cultural, para além de uma certa narrativa partidária e talvez até partigiana, desapareceu objetivamente. Assim, falta aquela preciosa presença que o Compêndio de Doutrina Social da Igreja sintetiza no número 307: “Ao sindicato, além das funções defensivas e reivindicativas, competem tanto uma representação com o fim de colaborar na boa organização da vida econômica, quanto a educação da consciência social dos trabalhadores”.
E pensar que há uma grande necessidade de pensamento e de sindicato na transformação digital. Talvez algo esteja mudando e nos convide a mudar, precisamente na pátria das tecnologias emergentes, o Vale do Silício.
Lá, 225 empregados do Google criaram o Alphabet Workers Union, o primeiro sindicato dentro das grandes companhias globais das tecnologias da informação e comunicação (TICs). O que enfatizamos e saudamos favoravelmente é a promoção, justamente, de um pensamento social sobre os impactos das tecnologias digitais nas mãos de poucos epígonos.
“O nosso sindicato se empenha em proteger os trabalhadores da Alphabet, a nossa sociedade global e o nosso mundo. Promovemos a solidariedade, a democracia e a justiça social e econômica.”
Até aqui, afirmações alinhadas com a história sindical, mas, pouco depois, a surpresa: “Todos os aspectos do nosso trabalho devem ser transparentes, incluindo a liberdade de se recusar a trabalhar em projetos que não estejam alinhados com os nossos valores. Precisamos saber o impacto do nosso trabalho, seja sobre os trabalhadores da Alfabeto, seja sobre as nossas comunidades ou sobre o mundo”.
E ainda: “Priorizamos a sociedade e o ambiente em vez de maximizar os lucros a todo custo. Podemos fazer dinheiro sem fazer o mal”.
Para concluir: “Somos solidários com os trabalhadores e seus apoiadores de todo o mundo, que estão lutando para tornar os seus locais de trabalho mais justos e exigindo que a indústria da tecnologia se recuse a manter infraestruturas de opressão”.
O Papa Francisco convidou os sindicatos a serem proféticos, aceitando o desafio da inovação. “Os profetas são sentinelas, que vigiam no seu posto de observação. O sindicato também deve vigiar sobre os muros da cidade do trabalho, como sentinela que guarda e protege quem está dentro da cidade do trabalho, mas que também guarda e protege quem está fora. O sindicato não desempenha a sua função essencial de inovação social se vigiar apenas quem está dentro, se proteger apenas os direitos de quem já trabalha ou está aposentado. Isso deve ser feito, mas é a metade do trabalho de vocês. A vocação de vocês é também proteger quem ainda não têm direitos, os excluídos do trabalho, que também são excluídos dos direitos e da democracia.”
Uma nova cultura na condição digital pode nascer e talvez esteja nascendo também aqui, entre aqueles que constroem o digital todos os dias, e é justo, verdadeiro e profético que isso aconteça.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A transformação digital pede uma nova cultura sindical. Artigo de Luca Peyron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU