15 Março 2021
Nestes meses, muito se falou de “preparação” (preparedness), sobre como evitar que nos encontremos despreparados na gestão futura de eventos dramáticos como a pandemia. A instituição de mecanismos duradouros de democracia deliberativa seria a demonstração de que a preparação não é apenas um fenômeno organizacional e gerencial, mas tem uma dimensão política e democrática.
A opinião é de Paolo Vineis e Paola Di Giulio, vice-presidentes do Conselho Superior de Saúde da Itália, e de Luca Savarino, membro da Comissão Nacional de Bioética, também da Itália.
O artigo foi publicado em Domani, 14-03-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O momento em que escrevemos é particularmente delicado. Estando ainda muito longe da imunidade de grupo (“de rebanho”), tornam-se necessários novos fechamentos para enfrentar uma “terceira onda”, sustentada pela variante B117.
A difusão exponencial da variante inglesa já era previsível em janeiro: o fato de não se levado em conta as previsões epidemiológicas nos obriga a agir novamente na emergência. Apesar da vacinação, o fim da pandemia está muito distante, e a política, portanto, é chamada a definir as decisões de médio a longo prazo.
A decisão de fechar as escolas – assim como outras decisões – é uma medida que não pode ser delegada aos técnicos, mas que requer um contrato social, até mesmo intergeracional. Tais medidas deveriam ser preparadas por uma discussão aberta sobre quais são os setores da sociedade aos quais atribuímos maior valor, e não demandadas ao parecer dos especialistas ou, pior ainda, a uma convulsionada consulta entre as empresas.
Agir na emergência leva inevitavelmente a fazer escolhas que não combinam de uma forma aparentemente motivada e compartilhada os diversos elementos em jogo: o sanitário (especialmente o impacto sobre as hospitalizações e as mortes), o econômico e o de valores.
Os fechamentos são por áreas (também em nível municipal) e por setores (a escola), mas não existem dados claros e exaustivos sobre o papel de cada setor da sociedade na contribuição para a transmissão. Mesmo sobre um tema delicado como os passaportes de vacinação, parece que não há sedes para uma discussão pública aprofundada. Em vez disso, pronuncia-se o Fiador para a Proteção de Dados Pessoais da Itália, como se mais uma vez a questão ética para os órgãos do Estado fosse apenas o sigilo das informações.
Já parece claro que a importância das questões levantadas pela Covid-19 e pela sua gestão requer a capacidade de iniciar uma discussão pública que vá além do recurso exclusivo aos instrumentos da democracia representativa (as eleições) ou do apelo a regulamentos e normativas.
Há anos que se discute a democracia deliberativa: esta consiste, acima de tudo, em dar valor ao processo de formação das decisões, mais do que na composição a posteriori de decisões já formadas. Em oposição àquela que parece ser a prática dominante hoje, ou seja, coletar a posteriori as opiniões e as vontades dos cidadãos por meio de pesquisas e eleições (incluindo os referendos), a democracia deliberativa os envolve desde o início no processo decisório. Esse movimento implica também a constatação de que as opiniões e as vontades dos cidadãos não se formam “espontaneamente”, mas sim por meio de condicionamentos de todos os tipos, muitos dos quais ocultos, que os cidadãos sofrem; as opiniões são, como tais, manipuláveis.
Em muitos países europeus, por exemplo a Inglaterra ou a França, exemplos de democracia deliberativa são frequentes. Um exemplo muito recente é o júri de 150 cidadãos instituído pelo primeiro-ministro francês, Philippe, para sugerir ao governo as medidas prioritárias para combater as mudanças climáticas. Os 150 foram sorteados, e a sua tarefa era “definir as medidas estruturais necessárias para conseguir, em um espírito de justiça social, reduzir as emissões de gases do efeito estufa em pelo menos 40% até 2030 em comparação com 1990”.
Não se tratou de uma sondagem de opinião, como muitas vezes ocorre (ou, pior ainda, um referendo sobre questões terrivelmente complexas), mas da instituição de um verdadeiro grupo de trabalho baseado em ciclos de consulta (“metodologia Delphi”), consistindo em um exame dos motivos de discordância e na avaliação de dados empíricos, até, possivelmente, se alcançar uma unanimidade.
O aspecto mais importante dessa metodologia é que ela é cíclica, ou seja, visa a explicitar o dissenso e abordá-lo, esclarecendo se este diz respeito aos valores, a um peso diferente atribuído aos próprios valores, ou se diz respeito aos fatos, ou a uma diversa interpretação dos fatos (naturalmente, nenhum método é perfeito; por exemplo, o Delphi tende a eliminar as posições minoritárias, e o minoritário às vezes coincide com a representação de uma minoria).
Esse método pode ser bom para as mudanças climáticas, mas não se aplica à Covid, que requer decisões muito mais rápidas, e que não pode ser ativado da noite para o dia, mas é acompanhado por uma mudança cultural. O que pedimos à política e que aqui propomos é deixar de pensar apenas nos prazos restritos da emergência em curso.
A gravidade da crise oferece a oportunidade para uma mudança radical: começar a pensar e a decidir sobre tempos mais longos, criando um sistema que permita envolver a população no exame de diversos cenários possíveis.
A decisões de cima para baixo e não compartilhadas criam necessariamente posições que levam a se colocar em primeiro plano, de modo antitético, os direitos de alguns em relação aos de outros. O que sugerimos é começar a pensar em lugares em que seja possível compartilhar as decisões sem impô-las como uma “necessidade técnica” (e sem confiar a formação das opiniões às mídias sociais e aos talk shows); fornecer informações confiáveis sobre como a epidemia se move e sobre quais setores contribuem mais para a disseminação do contágio; perguntar aos cidadãos qual peso se quer dar à escola, ao mundo da produção e às articulações da cultura (cinema, teatros) e do esporte.
Certamente não é simples. As informações deveriam ser fornecidas por fontes oficiais, e não pela mídia ou pelos talk shows, e explicadas a uma população que tradicionalmente não tem a cultura da interpretação dos dados. Mas se trata de uma mudança cultural que pode começar desde já.
Nesses meses, muito se falou de “preparação” (preparedness), sobre como evitar que nos encontremos despreparados na gestão futura de eventos dramáticos como a pandemia. A instituição de mecanismos duradouros de democracia deliberativa seria a demonstração de que a preparação não é apenas um fenômeno organizacional e gerencial, mas tem uma dimensão política e democrática.
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A democracia deliberativa é a verdadeira medida anti-Covid - Instituto Humanitas Unisinos - IHU