27 Janeiro 2021
“Todos os habitats humanos foram, são e serão vulneráveis. Dito isso, é óbvio que as características da atual urbanização mundial dão a essa vulnerabilidade um aspecto muito dramático”, escreve Michel Lussault, professor de Estudos Urbanos na École Normale Supérieure de Lyon e pesquisador do laboratório sobre meio ambiente, cidades e sociedades UMR 5600, promovido pelo CNRS.
“A pandemia da Covid 19 é agora, sem dúvida, um desastre desse tipo, que tem a característica de ter evidenciado tanto a vulnerabilidade do sistema urbano como um todo, como de cada cidade que o integra”, avalia.
O artigo é publicado por Clarín-Revista Ñ, 22-01-2021. A tradução é do Cepat.
Era necessária uma pandemia para que se entendessem esses alertas? Não deveria ter sido assim! Mas é óbvio que a pandemia, ao colocar o mundo inteiro sob pressão, demonstrou a fragilidade de nossa morada terrestre. Foram necessárias apenas algumas semanas para que todas as atividades que se apresentavam como poderosas fossem canceladas.
Os aeroportos mais importantes, os centros comerciais mais imponentes, os centros turísticos mais prestigiosos, as cidades mais animadas... todos tiveram que fechar às pressas. Nos casos em que os governos foram lentos e não quiseram levar em conta a necessidade de controlar a pandemia, o custo humano foi terrível e a economia não conseguiu continuar funcionando normalmente.
Nos Estados Unidos, como no Brasil, o número de vítimas é impressionante e, por tudo isso, a recessão é grave. Na China, o crescimento econômico em 2020 é o menor desde a morte de Mao Tsé-Tung. Portanto, o que me impressiona não é tanto a escala do impacto da pandemia, mas o fato de que as autoridades demoraram a entender o que estava acontecendo.
É claro que os governos, em geral, não puderam prever por uma razão simples: não compreendem realmente a natureza sistêmica da globalização. Esta crise sanitária mostra que os estados “à moda antiga” são incapazes de compreender a evolução do mundo contemporâneo!
Nesse sentido, se a humanidade subestimou a magnitude das transformações ligadas à mudança global, foi pelo motivo que acabei de mencionar: a mudança global é uma mudança sistêmica e isso está perturbando nossas categorias clássicas de análise e ação. É uma transformação de todo o planeta, devido ao impacto das atividades humanas nos sistemas biofísicos. Este impacto é global (o planeta está mudando), mas também é, sincronicamente, ativo e observável em qualquer lugar do mundo.
Estamos experimentando um telescópio sem precedentes em escalas de espaço e tempo. O que é global é, ao mesmo tempo, multilocalizado (isso é o que chamo de caráter hiperescalar). Isso nos confronta com uma realidade totalmente desconcertante em termos de ação política.
Com efeito, os pactos políticos clássicos que conhecemos são sempre, em certo sentido, pactos "territoriais", que partem da seguinte ideia: se se atua aqui, em um dado espaço, e agora, em um presente determinado, serão obtidas as consequências desta ação aqui mesmo e, se não imediatamente, ao menos dentro de um tempo razoável, após o presente da ação.
O Antropoceno (esta é a palavra que uso para nosso mundo que enfrenta as mudanças globais e a crise de habitabilidade) desfaz isso completamente. E nós sabemos disso. Se todos nós agíssemos hoje, aqui em Buenos Aires, para descarbonizar todas as nossas atividades totalmente e sem demora, as consequências não seriam observáveis aqui e precisamente após esta decisão, mas talvez seriam observáveis de outra forma, em outro lugar e em algumas décadas, no melhor dos casos. Já não existem vínculos territoriais e cronológicos claros entre o que se empreende e o que causa.
Não sei se após a Covid, haverá uma mudança de atitude a esse respeito. Não sei. Às vezes, é possível ser otimista e pensar que a consciência dos desafios que as mudanças globais nos representam se acelerará com esta pandemia. Sabemos, por exemplo, que provavelmente está relacionada ao fato de que, devido à destruição dos ecossistemas, os humanos estão e estarão cada vez mais expostos a patógenos que cruzam as barreiras das espécies.
A Covid-19 confirma os avisos da OMS e de muitos especialistas: quando destruímos ecossistemas, colocamos em risco nossa própria capacidade de habitar este planeta. Portanto, digo a mim mesmo que, diante da demonstração irrefreável desse perigo da atual pandemia, vamos reagir!
Mas, em outros momentos, temos a impressão de que prevalecem os imperativos de dar continuidade à corrida econômica, baseada na maximização dos lucros, na exploração sistemática (inclusive a pilhagem) dos recursos, no questionamento dos direitos sociais.
Penso que a chave será a capacidade das sociedades civis em participar dessa aspiração de mudança. Devemos inventar novas formas de vida no mundo, mais sóbrias na extração de recursos vivos e minerais, mas também mais equitativas em questões sociais. A vida no mundo deve ser mais justa do ponto de vista ambiental, mas também social, político e cultural.
Nesse sentido, por exemplo, parece muito importante destacar as abordagens do ecofeminismo, que buscam propor uma habitação humana da terra que se emancipa do modelo patriarcal dominante. O mesmo é verdade para as chamadas abordagens "descoloniais", que propõem se afastar das visões ocidentais da globalização. Em todos os casos, essas abordagens lançam as bases para uma possível renovação democrática e ética, que parece indispensável.
Finalmente, no que diz respeito à noção de Antropoceno, considero que se tornou cada vez mais importante na última década mais ou menos. Criada na virada do século, a palavra foi usada pela primeira vez por cientistas e agora também está surgindo como um termo importante no debate político e até cultural.
Chama-me a atenção, por exemplo, que os artistas tenham se apoderado do Antropoceno e estejam criando obras que questionam frontalmente a questão da habitabilidade. Os artistas não fazem rodeios, como dizem na França, vão direto ao assunto e questionam se ainda poderemos habitar a terra de maneira digna. Também costumam buscar traçar as perspectivas de ação, para não se conformar com criações que veem o risco de colapso.
Por exemplo, durante uma viagem à Argentina, descobri o artista Jorge Caterbetti e me chamou a atenção o poder de seu questionamento, e o recebemos em Lyon, em janeiro de 2020, para apresentar sua obra. Também estou muito atento aos movimentos juvenis que estão se mobilizando para exigir que governos e empresas tomem medidas reais contra a mudança global. Isso indica que esse tema antropoceno encontra seu lugar em parte da cultura popular dos jovens do mundo.
Também é preciso acolher com satisfação a ação de um número crescente de organizações não governamentais que buscam desenvolver novas formas de intervenção. É verdade que há muito a ser feito!
Quando vemos como certos governos e empresas continuam negando o óbvio e aspiram perpetuar tanto a lógica injusta de exploração dos recursos do planeta, como os princípios econômicos desiguais, só podemos esperar que novos atores surjam para aplicar uma política antropocêntrica que faça da Terra um bem comum mundial.
Portanto, se me perguntam se a vulnerabilidade é o nosso destino, eu respondo que sim, penso que não devemos nos enganar e admitir que a vulnerabilidade é a nossa condição, se assim posso dizer. Todos os habitats humanos foram, são e serão vulneráveis. Dito isso, é óbvio que as características da atual urbanização mundial dão a essa vulnerabilidade um aspecto muito dramático.
A pandemia da Covid 19 é agora, sem dúvida, um desastre desse tipo, que tem a característica de ter evidenciado tanto a vulnerabilidade do sistema urbano como um todo, como de cada cidade que o integra. Não podemos mais olhar para o outro lado, devemos agir, não para tentar alcançar a impossível invulnerabilidade das cidades, mas para construir sociedades resilientes, capazes de superar as crises sem deixar para trás os habitantes mais frágeis.
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A pandemia e a fragilidade de nossa morada terrestre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU