04 Janeiro 2021
Bolsonaro e a construção de um personagem.
Um dos equívocos que muitas pessoas têm cometido em relação a Bolsonaro é acreditar que ele seria tão tosco quanto aparenta. Outro é julgar que a divulgação de declarações ou gestos desastrados e grosseiros teria um efeito negativo sobre o seu eleitorado.
Hoje já se pode afirmar com alguma segurança que Bolsonaro é um personagem que foi construído seguindo um figurino da extrema-direita mundial, contando inclusive com assessoria externa. Trump e Boris Johnson tem aspectos bem semelhantes e Bolsonaro copia visivelmente o primeiro em relação a diversos aspectos.
O personagem Bolsonaro é um “cara do povo”, “sincero e honesto”, com um estilo propositadamente brusco, “mas que fala as verdades”. Ele atua no senso comum das camadas mais pobres e menos instruídas da população, divulgando mentiras e explicações absurdas que mantém sua popularidade em alta.
Sua aparência física é propositadamente desleixada para reforçar a imagem de “homem do povo”, com direito a alguns palavrões e piadas grosseiras.
A extrema-direita tem como projeto a destruição do Estado e suas instituições, ao menos da forma que as conhecemos. Ela investe contra os direitos civis e coletivos, contra a saúde e educação públicas, além de eliminar o papel do Estado na economia.
Toda a legislação que regula a atuação das empresas é suprimida, inclusive a trabalhista, ambiental e de proteção ao consumidor.
O Estado permanece forte apenas na área de segurança para reprimir os adversários políticos do regime e garantir a absoluta liberdade para as empresas e indivíduos mais ricos de explorar o restante da população.
Assim, esqueçam o combate cultural e a tentativa de ridicularizar Bolsonaro sob a ótica de uma classe média instruída. É exatamente este debate ideológico e estético que interessa a Bolsonaro. Ele é o cara simples, que se atira no mar em Praia Grande (uma praia popular no litoral paulista), em oposição ao “riquinho” Dória, que usa roupas chiques e vai para Miami.
O enfrentamento tem de se dar em relação aos resultados concretos da incompetência do seu governo.
"Comecei a entrevista à Caros Amigos, sob convite do mestre Milton Santos, afirmando que o governo tucano era "um genocídio programado". Não foi levada a sério a tese. O iceberg, com o mar apodrecido do fascismo no poder, mostra suas faces mais baixas. Eugenia, genocídio, etc. Ah,. ele não é MAIS tucano, mas Novo? Ética, no caso a hedionda, não se troca como as camisas. Ela, desde a infância, é impressa nas almas. É por tal motivo que Platão considera a educação essencial para a boa ética: é preciso que os pais, os professores, sejam como os bons tingidores de tecidos: imprimam o melhor no branco tecido das mentes. Caso contrário, mesmo com coloridos outros, que imitam o melhor, o pior ficará resistente. Platão compara o comportamento artificial que finge bons costumes ao corpo bronzeado dos que vão à praia. Após certo tempo, aparece a cor original, branca, leitosa, sem nenhum sinal de saúde. Quem aparenta ser justo, social e politicamente, usa cores artificiais. Que se desbotam. As cores do personagem caricato – e da caricata TV Cultura– são feias e desbotadas. Mas exibidas como a arrogância comprada nos botecos tucanos, como se fossem a mais alta sapiência." Veja aqui.
Puxe a corda.
Perfil do Bolsonarista mediano
O bolsonarista médio é aquele cara que com 12 anos de idade admirava o pai que lhe batia de cinto; dava porrada nos meninos de 9; fazia campeonato de macheza com amiguinho por quem era apaixonado; e xingava de veado o diretor da escola, quando era suspenso por mau comportamento.
Hoje, com 35 anos de idade, fica frustrado porque não pode bater no filho; odeia dar preferência pra velho na fila do supermercado; não consegue sair do armário; acha que toda mulher é vagabunda; e xinga de veado o guarda que o multa por não usar máscara.
Quando ele vê os valentões da família Bolsonaro tirando meleca, ficando com dinheiro dos assessores, xingando quem faz isolamento social e ridicularizando generais, sempre protegidos pelo papai (que também lhes descia o cinto), o cara logo conclui em êxtase: "Porra, sou eu!..."
Dupla notável! - postei esta foto em abril aqui no face: Margareth Pretti Dalcolmo, Edgar Morin e eu (a foto é de um ano antes). Na época, Morin falava sobre o início da pandemia e do confinamento na França. Estava com 98 anos. Hoje, aos 99 (faz 100 em julho), deu mais uma bela entrevista. Que privilégio ouvir esse sociólogo filósofo, lúcido como poucos, cheio de energia e memória. Falou do enfrentamento das crises -- a sanitária, claro, mas também a da democracia. Trechos abaixo.
Mas se posto de novo esta foto é para saudar outra pessoa notável: a médica Margareth Pretti Dalcolmo. Nestas trevas em que se enreda o país governado por um ensandecido, Margareth tem sido, com sua fala mansa, firme, competente e convincente, a luz/a lucidez que incansavelmente explica, alerta, previne, pesquisa, tudo o que se refere à epidemia da covid. Admirável cientista!
E admirável filósofo, que disse hoje, entre outras coisas:
- Surpreendi-me com a pandemia mas em minha vida estou habituado a ver chegar o inesperado. A chegada de Hitler foi inesperada para todos. O pacto germano-soviético foi inesperado e inacreditável. O início da guerra da Argélia foi inesperado. Eu só vivi pelo inesperado e pelo hábito com crises. Nesse sentido, estou vivendo uma crise nova, enorme, mas que tem todas as caraterísticas da crise. Isto é, de um lado suscita a imaginação criativa e, de outro, suscita medos e regressões mentais. Buscamos todos a salvação providencial, só que não sabemos como.
- É preciso aprender que na história o inesperado acontece, e acontecerá de novo. Pensamos viver certezas, com estatísticas, previsões, e com a ideia de que tudo era estável, quando já tudo começava a entrar em crise. Não nos demos conta. Precisamos aprender a viver com a incerteza, isto é, ter a coragem de enfrentar, de estar pronto para resistir às forças negativas.
- A crise nos torna mais loucos e mais sábios. Uma coisa e outra. Grande parte das pessoas perdem a cabeça e outras tornam-se mais lúcidas A crise favorece as forças mais contrárias. Desejo que sejam as forças criativas, as forças lúcidas e as que buscam um novo caminho, aquelas a se imporem, embora ainda sejam muito dispersas e fracas. Com razão podemos nos indignar mas não devemos nos trancar na indignação.
- Há algo que esquecemos: há vinte anos começou um processo de degradação no mundo. A crise da democracia não é apenas na América Latina, mas também nos países europeus. A dominação do lucro ilimitado que controla tudo está em todos os países. Idem a crise ecológica. O espírito deve enfrentar as crises para dominá-las e superá-las. Do contrário somos suas vítimas.
- Vemos hoje instalarem-se os elementos de um totalitarismo. Este, não tem mais nada a ver com o do século passado. Mas temos todos os meios de vigilância a partir de drones, de celulares, de reconhecimento facial. Existem todos os meios para surgir um totalitarismo de vigilância. O problema é impedir que esses elementos se reúnam para criar uma sociedade totalitária e invivível para nós.
- Às vésperas dos 100 anos, o que posso desejar? Eu desejo força, coragem e lucidez. Precisamos viver em pequenos oásis de vida e de fraternidade.
Com o caos à volta, o que posso desejar para 2021 é arte sem moderação
JORGE COLI
Começo de ano impõe balanços, junto com bons votos, o que me deixa com profundo desânimo. Queria, como qualquer um, que 2021 fosse bom. Porém, ele nasce prolongando o infernal 2020.
Atravessamos meses assustadores, marcados pela pandemia mais Bolsonaro e companhia bela. Doria, que enche a boca para se apoiar na ciência ao travar a guerra oportunista das vacinas, corta verbas para a pesquisa científica, tolhendo o orçamento da Fapesp, principal financiadora do desenvolvimento científico no estado. Doria, cujo sonho parece ser o de transformar São Paulo num imenso shopping center.
Ok, houve a legalização do aborto na Argentina. Houve a derrota de Trump, o que é uma boa coisa para o mundo inteiro. Houve a afirmação de Boulos e de Manuela no cenário político e houve o fiasco do apoio presidencial aos seus candidatos a prefeitos. Mas o maluco ainda está no poleiro e, pelo gingado da traquitana, continua lá até 2022, pois nada parece indicar força e decisão capazes de removê-lo. Se tivermos a sorte de que não fique até 2026.
Assistimos, patetas, à contradança de oportunismos em volta da vacina contra a Covid, justo quando o vírus retoma o vigor e o presidente anuncia, com sorriso sinistro, que a epidemia está terminando. Enquanto, no mundo, a aplicação de vacinas começou, por aqui tudo indica que a delonga vai durar: briga de vacina contra vacina, agulha que falta, seringa que não tem.
O milico sentado na cadeira de ministro da Saúde ganhou o prêmio Maria Antonieta do Planalto ao perguntar: “Para que essa ansiedade e essa angústia?”. Vá comer brioche, ministro, enquanto tanta gente está morrendo.
Marcos Nogueira, em crônica do Cozinha Bruta, previu, com lucidez agoniada: “Acredite, não chegamos ao fundo do poço. O poço não tem fundo, aliás, e tudo pode piorar. Pode piorar, e vai piorar”.
Desemprego comendo solto, inflação passando para o galope. O Brasil cresceu 2,2% na década, enquanto o mundo chegou a 30,5%, disparidade que, assinala Gustavo Patu num artigo da Folha, nunca foi tão grande.
O relatório mundial sobre índice de qualidade de vida, divulgado no dia 15 de dezembro pela ONU, aponta que o Brasil caiu do 79º para o 84º lugar, atrás do Chile, da Argentina, do Uruguai, da Sérvia, de Cuba (pois é), do México, da Tailândia, do Peru...
O bando de facínoras no comando se elegeu proclamando o triunfo da segurança coletiva por meio da violência armada e intransigente. O que assistimos é, ao contrário, um acréscimo vertiginoso dos crimes: incitados à brutalidade e ao assassinato (recordam-se do “mirar na cabecinha”, da arminha que os eleitores da Besta faziam com a mão, do “fuzilar a petralhada”?), policiais e seguranças se intoxicaram com a atmosfera de ferocidade.
“Entre 2017 e 2019, policiais mataram ao menos 2.215 crianças e adolescentes no país. O número de mortes vem crescendo. Em 2017, representavam 5% do total das mortes violentas nessa faixa etária; no ano passado, já eram 16%”, escreveu Thaiza Pauluze na Folha. 69% das vítimas são negras e negros.
Quando os números se transformam em casos individuais, os acontecimentos adquirem tom de tragédia. As manchetes multiplicam-se: a senhora baleada dentro de casa, na cozinha; as duas meninas no jardim; o mototaxista que levou um tiro no peito, perto de sua casa, enquanto esperava, sentado na moto; o cliente do Carrefour esmurrado e asfixiado — a lista desses casos parece não ter fim.
Na Europa, vários países elencam, em placas de mármore, a lista de seus mortos da Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Deveríamos fazer isso, nós também, com o nome das vítimas inocentes, para que essa guerra interna promovida pela barbárie armada nunca fosse esquecida. Deveríamos erigir monumentos aos nossos mortos, aos mortos dos conflitos insanos e estúpidos.
Com esse caos à volta, 2020 isolou cada um de nós, deixando-nos sem o apoio de presenças amigas. Debilitou-nos em nosso confinamento. 2021 há de fazer pior.
Que remédio? Receito estes: muita música, muita. E livros. E filmes. Arte sem moderação. Cultivemos nossos jardins, físicos e espirituais. Tudo isso nos alimenta: são coisas da assim chamada cultura, que os políticos vivem querendo tolher, sonegando e cortando verbas.
Lembram-se de Xerazade, que sobreviveu contando histórias toda noite para o sultão? Pois essas coisas são as nossas Xerazades, que nos mantêm vivos para enfrentar o dia seguinte. Portanto, em 2021, o que posso desejar, caros leitores, são muitos livros, muitas músicas, muitos filmes. Belas Xerazades a todas e a todos!
Jorge Coli
Professor de história da arte na Unicamp, autor de “O Corpo da Liberdade”.
Ilustríssima / FSP 2.01.2021
Alguém tem dúvida que foi teatro? Populismo da pior qualidade.
Surgem testemunhos de que a aglomeração em apoio a bolsonaro na Praia Grande foi apenas uma encenação realizada pela assessoria de comunicação do governo.
Pessoas que estavam lá garantem que a praia estava normal, com ocupação difusa, quando chegou um grande grupo (quase todos, homens) que se aglomerou junto da água. Cerca de quinze minutos depois, chegou a lancha com bolsonaro. A confraternização e os insultos ao governador de São Paulo foram devidamente filmados, e o grupo se retirou da praia quando a lancha se afastou.
Assim bolsonaro governa o país.
Lenda do quarto Rei Mago
Dizem que houve um quarto Rei dos Magos, que também viu a estrela brilhar em Belém e decidiu segui-la. Como presente, pensou em oferecer ao Menino um baú cheio de pérolas preciosas. No entanto, em seu caminho, ele encontrou várias pessoas que estavam pedindo sua ajuda.
Este Rei Mago os assistiu com alegria e diligência; e ele deixou a cada um deles uma pérola. Mas, isso estava atrasando sua chegada e esvaziando seu baú. Ele encontrou muitos pobres, doentes, aprisionados e miseráveis, e não podia deixá-los sem supervisão. Ele ficou com eles pelo tempo necessário para aliviar a dor e depois partiu, o que foi novamente interrompido por outro desamparado.
Aconteceu que quando finalmente chegou a Belém, os outros magos não estavam mais lá e o Menino fugira com seus pais para o Egito, porque o Rei Herodes queria matá-lo. O Rei Mago continuou procurando-o sem a estrela que o guiara antes.
Ele procurou e procurou e procurou... e dizem que ele passou mais de trinta anos viajando pela Terra, procurando a Criança e ajudando os necessitados. Até que um dia chegou a Jerusalém, justamente quando a multidão enfurecida exigia a morte de um homem pobre. Olhando-o, ele reconheceu algo familiar em seus olhos. Entre dor, sangue e sofrimento, pode ver em seus olhos o brilho daquela estrela. O miserável que estava sendo executado era a criança que ele havia procurado por tanto tempo.
A tristeza encheu seu coração, já velho e cansado pelo tempo. Embora ainda guardasse uma pérola na bolsa, era tarde demais para oferecê-la à criança que, agora, transformada em homem, pendia de uma cruz. Ele havia falhado em sua missão. E sem mais para onde ir, ficou em Jerusalém para esperar a morte chegar.
Apenas três dias se passaram quando uma luz ainda mais brilhante do que mil estrelas encheram seu quarto. Foi o Ressuscitado que veio ao seu encontro. O Rei Mago, caindo de joelhos diante dele, pegou a pérola que restou e estendeu-a a Jesus, que a segurou e carinhosamente disse:
"Você não falhou. Pelo contrário, você me encontrou por toda a sua vida. Eu estava nu e você me vestiu. Eu estava com fome e você me deu comida. Eu estava com sede e você me deu uma bebida. Eu fui preso e você me visitou. Bem, eu estava em todas as pessoas pobres que você assistiu no seu caminho. Muito obrigado por tantos presentes de amor! Agora, você estará comigo para sempre, porque o Céu é a sua recompensa!
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