18 Dezembro 2020
“O reconhecimento é muito mais exigente do que a tolerância, pois quem reconhece os outros aceita transformar as suas representações do mundo e de si mesmo”, escreve François Dubet, sociólogo e professor emérito da Universidade de Bordeaux, em artigo publicado por Alternatives Économiques, 14-12-2020. A tradução é de André Langer.
O sociólogo extrai consequências desta passagem da tolerância para o reconhecimento: “Enquanto a tolerância nos convida a aceitar diferenças que não são ameaçadoras, o reconhecimento leva à redefinição de si mesmo e à redefinição do mundo comum”. E o que temos em comum? “O que temos em comum não são mais as nossas identidades e as nossas raízes, mas uma forma de constituir uma sociedade em torno dos direitos humanos, da proteção dos indivíduos, da solidariedade e da igualdade. O que nós temos em comum é a democracia, muito mais do que a República e a nação que acabaram por se confundir”.
As democracias liberais valorizam a tolerância, e isso é muito bom. Assim, devemos tolerar todas as diferenças e todas as singularidades, desde que não ameacem a regra comum, o Estado de direito, e desde que, por sua vez, sejam tolerantes. No longo prazo, nossas sociedades democráticas e modernas têm sido cada vez mais tolerantes para com várias “minorias” e várias “diferenças”, desde que não afetem as certezas ou os modos de vida das maiorias. Devemos, portanto, defender a tolerância como uma virtude.
Mas, diante da multiplicação de crises e tensões, a tolerância é um princípio cada vez mais frágil. Na verdade, a tolerância tem todas as características de uma “democracia de cavalheiros”, tolerando as diferenças tanto melhor se elas não ameaçarem a superioridade de uma concepção dominante de cultura e de identidades. Neste caso, a tolerância está associada a um certo gosto pelo exotismo, a uma relativa indiferença pelos outros e à manutenção de distâncias sociais e culturais. Na verdade, é a tolerância dos aeroportos e áreas turísticas onde a fricção das diferenças aumenta os encantos da vida por nunca ameaçar indivíduos que se cruzam mais do que vivem juntos.
Tudo muda quando temos que viver com as diferenças dos outros e quando a tolerância com as diferenças de cultura, crença ou sexualidade atinge as maiorias cujas identidades culturais, morais e sexuais estão ameaçadas na medida em que correm o risco de ser, por sua vez, identidades particulares. É o que ocorre quando a heterossexualidade deixa de ser uma norma, mas uma sexualidade entre outras, ou quando a identidade nacional republicana francesa e católica deixa de ser a identidade de referência, mas uma maneira entre outras de ser francês...
Aqui a tolerância já não é mais suficiente e devemos desenvolver outra virtude cívica e pessoal, a do reconhecimento. Temos que aceitar a igual dignidade de uma diferença que toleramos, desde que esteja simplesmente disposta a ser tolerada. O reconhecimento é muito mais exigente do que a tolerância, pois quem reconhece os outros aceita transformar as suas representações do mundo e de si mesmo. Devemos, portanto, admitir que o reconhecimento é um teste tanto mais forte quanto questiona os imaginários culturais e sociais dominantes, as concepções majoritárias do mundo social e de si mesmo. Basta acrescentar a essa provação crises econômicas, desigualdades sociais e a desconfiança política para entender por que alguns dos cidadãos anteriormente tolerantes voltam a suas identidades, suas raízes e suas fronteiras, e isso muito além das opiniões tradicionalmente conservadoras.
Enquanto a tolerância nos convida a aceitar diferenças que não são ameaçadoras, o reconhecimento leva à redefinição de si mesmo e à redefinição do mundo comum. Para que esse trabalho de si seja possível, o reconhecimento das diferenças deve passar primeiro pela afirmação do que temos em comum apesar de nossas diferenças e de nossas singularidades, para que não ameacem ninguém.
Ora, o que temos em comum não são mais as nossas identidades e as nossas raízes, mas uma forma de constituir uma sociedade em torno dos direitos humanos, da proteção dos indivíduos, da solidariedade e da igualdade. O que nós temos em comum é a democracia, muito mais do que a República e a nação que acabaram por se confundir. Quanto mais compartilharmos a consciência do que temos em comum, mais reconheceremos a igual dignidade de nossas diferenças e identidades.
O reconhecimento é o contrário da lei contra os separatismos, embora tenha sido rebatizada como “lei que fortalece o secularismo e os princípios republicanos”, mas também é o contrário da mera tolerância.
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Da tolerância ao reconhecimento. Artigo de François Dubet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU