19 Novembro 2020
"Recomendamos a leitura/estudo/discussão deste livro com as palavras de Dr. Anibal Gil Lopes: 'esta obra apresenta um grande potencial motivador de reflexões e debates que certamente propiciarão um avanço na análise dessas questões e a proposição de ações concretas que possibilitem cuidados mais integrais e humanizados dos doentes'", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e professor na Faculdade Vicentina (FAVI), sobre o livro Saúde e espiritualidade de Leonardo Agostini Fernandes, doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma e docente de Sagrada Escritura do Departamento de Teologia–Rio e do ISTARJ.
Saúde e espiritualidade
Livro de Humberto de Leonardo Agostini Fernandes.
(Divulgação)
A obra é prefaciada por Dr. José Adalberto Fernandes Oliveira, médico oncologista do Inca e fundador e coordenador do Nave (p. 11-14). José Adalberto contextualiza a origem deste livro: os sete capítulos são oriundos da assessoria/participação nos eventos no Núcleo de Assistência Voluntária Espiritual (Nave), no Instituto Nacional do Câncer (Inca). Cada reflexão e “posições assumidas neste livro são corajosas, consistentes, densas e convidativas à revisão de conceitos pessoais e comunitários” (p. 13), abordando “a importância da fé no processo de adoecimento e recuperação da saúde, o valor e a função da dimensão espiritual no ambiente de cuidado, as eventuais sintonias ou antagonismos nas relações entre espiritualidade e saúde na visão dos atores envolvidos, as curas não explicadas pela ciência, o enfrentamento das adversidades, as questões envolvendo a morte e o morrer, ...” (p. 13).
Assim, na Apresentação (p. 15-18) – Dr. Aníbal Gil Lopes, Membro titular da Academia Nacional de Medicina e da Pontifícia Academia para a Vida (Vaticano) – salienta: “a proposta deste livro é ajudar o leitor a percorrer um itinerário que permita redescobrir a necessidade de buscar o equilíbrio global da pessoa, base para o desenvolvimento de uma vida realmente saudável. Por isso, os temas tratados são de cunho existencial e demandam atenção e valorização de todas as dimensões humanas” (p. 16).
Na primeira reflexão Enfermidade e bem-estar: a fé pode ajudar? (p. 19-25), Leonardo recorda que o anseio de vida saudável não depende somente de fatores externos. O viver bem precisa levar em consideração a fé, como “um pressuposto e um elemento que não pode ser dispensado quando se está diante de um forte dilema na vida: a luta contra as enfermidades e as doenças, e o anseio pela recuperação da saúde” (p. 22). Diante disso, é preciso em primeiro lugar, reconhecer que a saúde é a manutenção do bom funcionamento do organismo (cf. p. 22-23), em segundo lugar, para que haja uma mente saudável em um corpo saudável e vice-versa, deve-se cultivar, no espaço familiar, social educacional, uma autêntica abertura para o Transcendente (cf. p. 24-25), pois, a “busca do ser saudável exige a necessária integração do espiritual ao físico e do mental ao sentimental” (p. 24).
O valor e a função da dimensão espiritual e religiosa no cuidado dos enfermos e dos agentes de saúde é o tema da segunda reflexão (p. 27-45). O autor mostra a importância do cultivo da dimensão espiritual e religiosa: “é uma via humanizadora” (p. 41). Esse cultivo possibilita a aproximação de enfermos e agentes de saúde para além de espaços físicos e para além do cuidado meramente corpóreo. Leonardo traz considerações hermenêuticas de cada termo presente no título deste capítulo (cf. p. 29-33). O “tema proposto envolve três duplas conceituais: valor e função; dimensão espiritual e religiosa; cuidado dos enfermos e agentes de saúde” (p. 29). Num segundo momento tece reflexões sobre o espiritual e o religioso no ser humano: senso ou contrassenso? (p. 33-37), e, apresenta as implicações e as consequências para os envolvidos (p. 37-43). Conclui, apresentando os passos que devem e podem ser dados aos que se dedicam ao cuidado dos enfermos e dos agentes de saúde: antes de tudo a capacidade de “rever e avaliar a própria vida, certo de que busca o que verdadeiramente conta na vida e para a vida: o “eu” diante do “tu”, do outro que necessita de cuidado ou de quem recebe o cuidado” (p. 43); a “consciência das necessidades corporais e espirituais, próprias e dos demais, sejam familiares ou não” (p. 43), o “desejo autêntico de altruísmo que permite interagir, sem invadir a vida do outro, pela aproximação afetiva e efetiva” (p. 44), a integração de um grupo voluntário que seja capaz de oferecer formação permanente do ponto de vista humano, intelectual, social e espiritual” (p. 44).
A terceira reflexão apresenta as dificuldades e projeções na relação entre saúde e espiritualidade (p. 47-66), articulando o tema em três pontos: a) dificuldades na relação entre saúde e espiritualidade (cf. p. 48-55): distanciamento entre fé e ciência, visão reducionista do ser humano, conceito de espiritualidade, correntes de pensamento racionalistas e fideístas, a proibição da assistência religiosa aos pacientes que o solicitam etc; b) projeções na relação entre saúde e espiritualidade (cf. p. 55-60), a vida e a morte, ao lado da saúde e da doença, não são temas que apenas interessam e fomentam os debates acadêmicos, mas realidades que se encontram envolvidas por uma esfera misteriosa – questões essas que quando levadas a sério abrem a mente e o coração dos acadêmicos para o mistério, uma realidade que, embora presente, escapa do controle do científico, admitindo milagres – lá onde as possibilidades humanas deixaram de existir ou foram esgotadas. O cuidado médico não será eficaz se não levar em conta os gemidos espirituais de um doente, de igual modo um cuidado espiritual não será autêntico se não levar em conta os gemidos corporais do doente. Tenha-se em conta que pesquisas demonstram o alto índice de cura em pacientes que receberam, de ambos os lados um atendimento mais humano e altruísta; c) relação para além das dificuldades e das projeções (cf. p. 60-63), a abertura e a promoção da espiritualidade trazem benefícios para doentes e para os agentes que atuam na saúde, pois, contribui muito para a humanização dos locais que promovem a saúde e a busca do bem-estar. Na “medida em que a espiritualidade passa a ser vista como um valor agregador, a solidariedade, o respeito e a compaixão manifestam, de forma mais intensa, a grandeza da dignidade do ser humano frente ao modo frio como o cientificismo passou a ditar as regras sobre como os doentes devem ser tratados” (p. 62), abrindo um “novo horizonte, no qual o diálogo entre as ciências passa a acontecer graças à abertura e ao interesse pela prioridade que se deve dar ao ser humano” (p. 63). O autor conclui dizendo que a “religação dos saberes” e o “trabalho de revisão bibliográfica” a respeito do que se falou na América Latina sobre o tema saúde e espiritualidade tornam-se o desafio de nosso tempo – purificando a espiritualidade de fundamentalismos e ajudando no desenvolvimento de linhas de pesquisa capazes de melhorar a formação tanto dos agentes de saúde como dos profissionais e voluntários que prestam serviço religioso nas clínicas e nos centros de espiritualidade (cf. p. 63-66).
Na quarta reflexão Curas não explicadas do ponto de vista científico: entre a fé em Deus e a fé na ciência, milagre divino ou humano? (p. 67-87), busca-se trazer um olhar bíblico, conforme o Antigo e o Novo Testamento, em particular para os relatos denominados evangelhos, porque neles se concentra o maior número de relatos de milagres atribuídos a Jesus Cristo. Os milagres pertencem a três naturezas: livramentos, curas e exorcismos, e revelam a presença e a ação de Deus a favor do ser humano (p. 70-74). Em seguida o autor faz uma reflexão sobre o milagre: eles suscitam a fé ou a aversão. O que hoje não recebe uma explicação, para muitos se trata de uma questão de tempo porque, em função da evolução do conhecimento, a ciência, com certeza, explicará. Para os que admitem a possibilidade de milagre, o fundamento é a fé na ação onipotente de Deus (p. 74-77). Diante disso, o autor faz uma análise dos dois pontos precedentes: “o milagre, paradoxalmente, tornou-se, há muito tempo, um obstáculo não só para crentes, mas igualmente para não crentes e céticos. No primeiro caso, porque o milagre foi tirado de seu contexto bíblico-salvífico e reduzido, por alguns, no campo científico, a uma mera relação de causa e efeito, e, para alguns crentes, o milagre tornou-se uma questão de mérito diante de Deus, já no segundo caso, porque a visão de muitos cientistas usou a própria fé para evidenciar sua falta de eficácia exacerbando a visão positivista” (p. 77). Como palavras conclusivas, o autor destaca que “se as curas acontecem e não são explicadas do ponto de vista da ciência é porque não conhece o termômetro para medir a presença e a força ativa do amor, que é a fonte capaz de equilibrar psicossomaticamente a vida. O amor, é a fonte da qual surgiu o ser humano, é a fonte do seu princípio homeostático, é Deus em cada pessoa. Não há razão alguma para se promover uma oposição entre a cura pela fé e a cura pela ciência, pois em ambas é uma única força vital que age, podendo ser chamada de Deus, Transcendente etc” (p. 83).
Como lidar com as adversidades à luz da Palavra de Deus é o assunto do quinto capítulo (p. 89-104). Leonardo parte afirmando que: “nenhum ser humano vive sem experimentar algum tipo de adversidade que pode provir de cinco naturezas: material ou física; sentimental; psíquica ou mental; social; espiritual” (p. 90). Diante das adversidades cada pessoa reage/se posiciona de diferentes maneiras. Assim as páginas deste capítulo abordam de forma breve, os conceitos de adversidade (p. 94-95), crise (p. 96-97), estresse (p. 97-98), resiliência (p. 98-99). Num segundo momento busca-se integrar os conceitos e apontar caminhos para o enfrentamento das adversidades (p. 99-102).
No sexto capítulo: Como entendemos o final a vida: a “morte” e o “morrer” à luz da revelação bíblica e da teologia (p. 105-124), o autor enfatiza que o tema “eutanásia, distanásia e ortotanásia não deveria ser considerado um simples sinônimo ou um desdobramento do “Como entendemos”, isto é, como Objeto Formal do Objeto Material: “o Final da Vida”; mas como a reflexão e a postura assumidas, pelos seres humanos e por suas instituições, diante da realidade que nos toca a todos: a morte! - (p. 105). Partindo do posicionamento da Igreja Católica com relação à eutanásia, à distanásia e à ortotanásia, o autor trabalha primeiramente a questão terminológica, ambiguidades e suas implicações (cf. p. 106-113). Em seguida destaca que a morte, para ser devidamente considerada, exige a compreensão de que a morte é um fato cultural, um evento social, uma troca, uma passagem (cf. p. 113-115). Destaca que a morte na reflexão bíblico-teológica foi entendida como o término da vida natural, prova e maldição, vitória sobre a morte. No Novo Testamento a compreensão da morte passa pelo reconhecimento de quatro aspectos: é consequência do pecado, é o destino universal do ser humano, é o término de vida terrestre, é um mistério que se revela no mistério de Jesus Cristo (cf. p. 116-120).
No sétimo capítulo a oração do Pai-Nosso traduzida a cada frase é descrita como fonte de saúde e de espiritualidade (p. 125-132).
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Leonardo Agostini Fernandes mostra nesta obra que ciência e espiritualidade não são áreas antagônicas. Hoje caminham na tentativa de mostrar que experiências de caráter espiritual ajudam a melhorar a qualidade de vida das pessoas.
O conteúdo oferecido neste livro caminha em sintonia com a redefinição do conceito – saúde - assumido em 2003 pela Organização Mundial da Saúde (OMS): “um processo harmonioso de bem-estar físico, psíquico, social e espiritual, e não apenas ausência de doença” (p. 54). Definição esta que foi assumida pelo Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), que incluiu ainda: “processo que capacita o ser humano a cumprir a missão que Deus lhe destinou, de acordo com a etapa e a condição de vida em que se encontre” (p. 54).
Abordando um “tema bastante inquisidor sobre a ciência médica e sua relação com a fé e a espiritualidade” (p. 133), recomendamos a leitura/estudo/discussão deste livro com as palavras de Dr. Anibal Gil Lopes: “esta obra apresenta um grande potencial motivador de reflexões e debates que certamente propiciarão um avanço na análise dessas questões e a proposição de ações concretas que possibilitem cuidados mais integrais e humanizados dos doentes” (p. 18).
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Saúde e espiritualidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU