18 Novembro 2020
"Os direitos humanos dos Chiquitanos é um tendão de Aquiles que devemos abordar com honestidade a partir do caso dos quatro que foram mortos no dia 11 de agosto de 2020 por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron). Quando estavam caçando em uma fazenda próxima da fronteira, quando foram confundidos com traficantes", escreve Aloir Pacini, padre jesuíta, antropólogo e professor da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
A Comissão dos Direitos Humanos com vários aliados que voluntariamente estão atuando no caso das Chacinas ocorridas na região de Cáceres (MT) passou a se chamar Rede de Proteção para os Chiquitanos a partir da iniciativa do Dr. Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira da DPU tornar-se o procurador das famílias Chiquitanas para defendê-las no Processo em curso. Assim, enquanto estávamos reunidos na OAB-Cáceres no dia 5/11/2020 a PF estava com a Operação Cérberus, sem que soubéssemos. Os resultados que estão conseguindo por causa do trabalho coletivo e dedicado já aparecem. Já tínhamos convicção que tratava-se de um caso de competência da Justiça Federal, pois são indígenas mortos em contexto de tradição cultural de caça, o BO fala que são bolivianos, então são pessoas da nação vizinha que foram mortos pelo Gefron em território brasileiro, um caso internacional etc.
Assim, o Ministério Público Federal (MPF) manteve a competência para investigar chacina dos quatro Chiquitanos cometidos pelo Grupo Especial de Fronteira (Gefron) na fazenda São Luiz em Cáceres, próximo de San Matías. O MPF avaliou que a análise anterior foi superficial para declinar do caso e não deve ficar restrita à hipótese de possível disputa sobre direitos indígenas, tendo em vista que as circunstâncias do crime estão ainda na fase de inquérito policial.
Dr. Bernardo Meyer Cabral Machado, Procurador da República do Ministério Público Federal – MPF/Cáceres.
(Foto: Augusto Pereira)
Relembrando o caso, no dia 11 de agosto de 2020 quatro indígenas da etnia Chiquitana foram mortos num encontro com o Gefron. Os policiais relataram que os indígenas, de cidadania boliviana, seriam traficantes e resistiram à abordagem. A comunidade Chiquitana afirma que os homens estavam caçando para levar alimento para as suas famílias. Os policiais alegaram que o grupo estaria armado, mas nenhum integrante do Gefron foi atingido e nenhuma droga foi apreendida. As famílias relataram sinais de tortura e muitos tiros nos corpos das vítimas. Os indícios são de uso desproporcional da força, e a chacina trouxe terror e desestabilização comunitária, além da fragilização das famílias que perderam seus arrimos. Segundo a polícia, após a troca de tiros, os indígenas foram levados à cidade de Cáceres para socorro médico, mas não resistiram. Mais grave e tensa ficou a situação na Fronteira, pois vão se desvelando milícias e as polícias se utilizando do tráfico para enriquecer, à custa da morte dos Chiquitanos.
Além da Operação Cérberus da PF que vamos esmiuçar a seguir, outro aspecto grave é que não se trata somente do massacre do dia 11/08, pois, desde julho próximo passado para cá são no mínimo 17 (dezessete) óbitos, a maioria deles relacionados à "Operação Hórus/Vigia" ligada ao "Programa Vigia" do Ministério da Justiça e Segurança Pública - MJSP.
Dr. Renan Vinicius Sotto Mayor de Oliveira - Presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos e Defensor Público da União na função de defensor regional de direitos humanos do MT. (Foto: Augusto Pereira)
A importância da atuação das forças de segurança na fronteira oeste não pode ser negada, por isso a credibilidade e confiabilidade nessa atuação deve seguir os princípios destinados a guardar a segurança da população, esculpidos no artigo 37 da Constituição Federal, e seja apurada a chacina dos Chiquitanos no dia 11/08/2020, e a relação com a atuação da suposta milícia investigada pela Operação Cérberus. Uma análise dos relatórios do serviço de inteligência do GEFRON e a quebra de sigilo dos celulares dos policiais militares envolvidos, na data do ocorrido, a partir do sistema ERBI pode ser relevante.
Os direitos humanos dos Chiquitanos é um tendão de Aquiles que devemos abordar com honestidade a partir do caso dos quatro que foram mortos no dia 11 de agosto de 2020 por policiais do Grupo Especial de Fronteira (Gefron). Quando estavam caçando em uma fazenda próxima da fronteira, quando foram confundidos com traficantes.
Os Chiquitanos estão enfrentando uma violência na fronteira sem precedentes. Por volta das 13 horas do dia 11 de agosto de 2020, Arsino Sumbre García, Pablo Pedraza Chore, Yona Pedraza Tosube e Esequiel Pedraza Tosube Lopez saíram da aldeia San José de la Frontera (Bolívia) para caçar na fazenda São Luiz no município de Cáceres (Mato Grosso). Saíram com os cães e levaram um estilingue, uma arma calibre 22, uma foice e um facão e foram na direção do local onde tinham uma ceva, local onde colocavam sal e milho para atrair os animais. Quando, naquela terça-feira, os cães foram retornando no final de tarde, todos assustados e um deles com manchas de sangue, todos ficaram preocupados, mas já era o final de tarde e não foram em busca, pois a fronteira é mais perigosa de noite.
Soilo Urupe Chue - Representante da FEPOIMT e do povo Chiquitano. (Foto: Augusto Pereira)
A denúncia foi feita pelo Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de Mato Grosso (CEDPH-MT) e pelo Fórum de Direitos Humanos e da Terra de Mato Grosso (FDHT-MT. A Presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) recebeu denúncia sobre o assassinato de quatro indígenas do povo Chiquitano, na cidade de Cáceres (MT), na fronteira de Mato Grosso com a Bolívia pelo Grupo Especial de Fronteira (Gefron), por isso a CDHM pede apuração sobre essa chacinagem (14/09/2020)
Dr. Roberto Vaz Curvo – Defensor Público do Estado, membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos. (Foto: Augusto Pereira)
Vale lembrar que a fronteira onde aconteceu a chacinagem dos Chiquitanos Arsino Sumbre Garcia (11/07/1968), Pablo Pedraza Chore (03/06/1980), Yona Pedraza Tosube (23/07/1993) e Esequiel Pedraza Tosube (06/03/2002) fica bem próximo da aldeia de San José de la Frontera onde moravam, cerca de dois quilômetros. Estavam caçando quando foram abordados cruelmente pela Guarnição de policias do Gefron, e fica bem próximo também da cidade de San Matías (Bolívia), local para onde muitos brasileiros se deslocam para comprar produtos com as vantagens do câmbio.
Meyre Pedraza. (Foto: Augusto Pereira)
Mais uma vez entre as viúvas Meyre Pedraza tomou a palavra e possui uma fala clara, limpa e possui convicção no que diz. Com ela estava Cristiane Martinez Ramos e Fabiola Blanco Oliveira com os dois filhos menores. Nessa semana também foi divulgado parte das filmagens feitas no dia 02/09/2020 (Massacre Chiquitanos, ver abaixo) com os depoimentos que servem como indícios de prova para a instauração da ação penal. Essas e outras filmagens, como as que foram feitas pelo Intercept Brasil, sem a edição, mas os vídeos na forma original deverão ser ouvidas com valor de prova.
Em situação de extremo conflito e tensão Melania Pedraza Chore e seu esposo João Ramiro articulam-se generosamente com as viúvas, mães e irmãs dos chacinados porque dizem que já é muito perder os parentes dessa forma e mais duro ainda é passarem por “mulas”, pois eram trabalhadores honestos e não estavam envolvidos como o comércio ilícito de drogas. “Além de matarem seus corpos, querem matar sua moral!”, afirmaram.
Melania Pedraza Chore, irmã de Pablo, cunhada de Arsino, madrinha de Yona e tia de Esequiel. (Foto: Augusto Pereira)
As famílias estão decididas a levar adiante o processo e suplicam sempre que não deixem esse caso no esquecimento como tantos outros. As mães são firmes porque sabem o que significa ver seus filhos mortos. Quando escutei Ida Tosube Lopes, recordei da partilha da pajé Dona Nena, de Marco Porvenir (próximo do Quartel Fortuna). Ela teve seu filho morto num treinamento exagerado quando servia no exército de Cáceres. Disse-me ela que foi buscar o corpo do filho, mas antes foi até o sargento e lhe deu um bofetão no rosto e lhe disse: “Isso é para o senhor saber a dor de uma mãe, quando perde um filho, toda vez que força os seus soldados além de suas forças!” Comentou que não houve reação do mesmo e ela voltou para sepultar o filho e se tornou pajé a partir daquele momento para curar as dores e feridas de seus patrícios.
Ida Tosube Lopes, a mãe de Esequiel, 18 anos. (Foto: Augusto Pereira)
As iniciativas no campo da articulação política para solucionar o caso foram prejudicadas até agora por causa das campanhas eleitorais, mas também porque não se quer conflitos políticos entre os dois países. Uma amostra disso foi a reunião do dia 9 de setembro na prefeitura de Cáceres com as autoridades policiais e a Alcaldía de San Matías. A forma como aconteceu, parece não ter natureza diplomática, apesar do Brasil e a Bolívia terem 3 pactos de cooperação penal internacional. O delegado substituto que estava presente afirmou que o inquérito estava bem adiantado, sem mencionar que trabalhavam para arquivar o caso. Esse campo é superficial e a atuação deve ser no campo da Justiça.
Inácio José Werner, Coordenador do Fórum Estadual de Direitos Humanos e da Terra e Relator ad hoc no acompanhamento das situações violadoras de direitos humanos do povo indígena Chiquitano na fronteira Brasil-Bolívia perante o CNDH.
(Foto: Augusto Pereira)
Daniel Bretas ficou de representar a mãe de Esequiel como assistente de acusação. A entrada no grupo de Sérgio Rauber, Marcelo Chalreo, Loyuá Costa e outros que articulam-se bem com os professores da UNEMAT em Cáceres (Vivian Lara, Luciano Silva, Verone Cristina da Silva, João Ivo Puhl etc.) fazem com que a Rede de Proteção dos Chiquitanos tenha irradiações inimagináveis e dê conta da complexidade do caso. O Prof. Luciano, da Associação Xaraiés e do Observatório de Políticas Públicas sobre Covid-19 para povos e comunidade tradicionais, apontou Dra. Cláudia Plens de São Paulo que atua como antropóloga forense, no caso se fôssemos necessitar de exumação dos corpos. Precisamos de pessoa da medicina legal que poderia fornecer uma segunda análise a respeito dos laudos de necropsia, talvez somente utilizando as fotografias feitas, um médico perito para fazer uma avaliação técnica e análise dos laudos. Assim, aos poucos, vamos conseguindo fazer justiça para os Chiquitanos.
Daniel Bretas Fernandes (Advogado - OAB/MT 24.180) o presidente da Comissão de Direitos Humanos da 3ª Subseção da OAB/MT. (Foto: Augusto Pereira)
A falta de demarcação das terras para os Chiquitanos, tanto na Bolívia quanto no Brasil, está na causa mais grave das violências sofridas pelos mesmos. Provavelmente essas situações não estariam ocorrendo se as terras estivessem demarcadas. Um processo de sinergia e de interferência dramática na vida dessa etnia está vinculado, afinal de contas, à problemática agrária. A articulação com o lado boliviano, organizações indígenas ou de DDHH comprometidas com o esclarecimento destes fatos de lá está fraca.
Os poderes estabelecidos por aqui e o Secretário de Justiça e Segurança Pública que afirmou para a imprensa que na fronteira não tem inocentes, entre outros, deveriam compreender que existe uma Lei de Acesso à Informação (LAI) nos países democráticos. Abrir um procedimento paralelo de natureza administrativo-judicial com fundamento na LAI coloca a Secretaria de Segurança em posição defensiva, retirando-a da ação proativa de arquivar o caso como ato de resistência. O arquivamento que o Secretário está promovendo não é do inquérito policial, esse só o judiciário pode fazer, então se trata de coisa administrativa de corregedoria ou disciplinar de polícia militar. Vamos buscar achar meios de recorrer e manter todas as apurações abertas e pleitear o deslocamento de competência, pois as partes interessadas não possuem liberdade de julgar os fatos com o distanciamento necessário.
Ter participado do encontro na OAB de Cáceres deixou mais claras as estratégias que o caso exige. Para desenhar as estratégias é preciso conhecer mais o território tradicional Chiquitano, isso implica em pressão Ministério Público Federal de MT e da DPF sobre a PGR e a Policia Federal do MT, praticamente uma sucursal do DEA , pelo menos em Cáceres. Ou seja, a Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT) e a sociedade civil organizada deveríamos ter o mesmo acesso a publicar que as forças governamentais, ou mesmo, as econômicas do agronegócio, das mineradoras etc.
O anuário de segurança pública nesse 2020, especificamente, fizeram um capítulo somente com relação à atuação da polícia militar nos Estados, mas não dá para aproveitar algum dado. Mesmo o Relatório de 2019 sobre as violências contra os povos indígenas, do Cimi, no que diz respeito à etnia Chiquitano, constatei dados com relação a falta de demarcação, mas o relatório de violências era muito mais ampla, temos dificuldade de sistematizar os dados enviados e a própria Saturnina na ONU denunciando as violências acabou não aparecendo no Relatório. Existem dados sobre assassinatos e violência aos povos indígenas em Mato Grosso de modo abrangente, mas sem especificidade. A estratégia a ser utilizada nesse momento será demonstrar o quadro de guerra que existe contra os indígenas Chiquitanos da Fronteira.
Edson Penha Mendes - Coordenador Executivo do Centro de Direitos Humanos Dom Máximo Biennés.
(Foto: Augusto Pereira)
O conflito de competências para o julgamento chega no limite de pedir uma intervenção externa da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Precisamos trabalhar de baixo para cima e de cima para baixo de modo a encontrar ferramentas para que a investigação prossiga de modo que o sistema DDHH atue sobre as autoridades locais.
No Boletim de Ocorrência (BO), o Gefron afirmou que os policiais patrulhavam essa zona rural, quando viram diversos homens armados em uma região de mata, teriam dado ordem de parada quando foram recebidos com tiros. Os policiais teriam revidado e ferido 4 que caíram ao chão, mas segurando as armas. Os militares teriam visto mais 9 retornando para a Bolívia, carregando sacos utilizados para transporte de drogas. Ato contínuo, no dia 27 de setembro, outras quatro pessoas morreram em ação do Grupo Especial de Fronteira (Gefron), na região da Ponte do rio Jauru, perto do lugar chamado Limão, dois brasileiros e dois “bolivianos”, um menor com 16 anos e outro logo identificado como sendo o Chiquitano Cesar Tosube Lopez (27 anos). O BO anunciou que seria irmão do Yona, pois eram da mesma comunidade de San José de la Frontera, o que não corresponde aos fatos. Não é possível saber porque tinham tanto interesse em associar os dois grupos que foram mortos e como sabiam dessa informação já que as mulas não costumam andar com documentos de identidade.
Lúcio Andrade Hilário do Nascimento - Ouvidor Geral de Polícia do Estado de Mato Grosso. (Foto: Augusto Pereira)
Nesse jogo de cartas marcadas, quando a Ouvidoria Geral de Polícia de Mato Grosso quis publicar a participação de uma reunião com a comissão de instituições que acompanham o caso dos Chiquitanos na Ordem dos Advogados do Brasil, de Cáceres na última quinta-feira (5/11), foi vetado no site do governo do Estado (censurado) o texto escrito pela própria Ouvidoria. Assim, outros parceiros passaram a compreender a dificuldade da verdade aparecer. Na reunião, os familiares tiveram a oportunidade de apresentar as incongruências entre o suposto confronto lavrado pela polícia no Boletim de Ocorrência, por isso, diante da gravidade, a Defensoria Pública da União e a OAB se comprometeram em representar familiares dos Chiquitanos mortos pelo Gefron, pois os Chiquitanos são vítimas do tráfico de drogas, não agentes. Há registros de indígenas presos porque trabalharam como “mulas”, por vezes aceitam tal trabalho por medo ou até por fome ou falta de recursos, mas claramente não foi essa situação no incidente do dia 11 de agosto de 2020.
Importante é conseguirmos transparência sobre os trabalhos realizados pela Ouvidoria Geral de Polícia de Mato Grosso (OGP) em reunião na Ordem dos Advogados do Brasil, sessão Cáceres, com a presença de representantes do Ministério Público Federal, da Defensoria Pública da União, organizações da sociedade civil (Comissões dos Direitos Humanos), CIMI e de parentes dos indígenas mortos no incidente em 11 de agosto de 2020. Edson Penha Mendes, representante do Centro Dom Máximo Biennés, organização que compõe a comissão, conta que o caso ficou invisível até que essas organizações fossem até a aldeia San José e ouvissem os familiares. O acompanhamento de instituições da sociedade civil, da esfera estadual e federal demonstra a importância que o caso merece, pois se trata de violação flagrante dos direitos humanos.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), por meio do Grupo Estadual de Segurança na Fronteira (Gefron), informa que foi encontrado morto em sua residência, em Cuiabá, na manhã deste sábado (03/10) o 3º sargento PM Sérgio Barbosa de Medeiros, que ingressou na Polícia Militar (PM-MT) em 2003 e integrava o grupamento desde 2017.
Na inauguração do Posto do Limão – Gefron, que recebeu dois milhões de apoio do Agro, do Ministério Público Estadual, intermediado pelo promotor Mauro Zaque, doou R$ 450 mil para a compra de 45 fuzis para o Gefron, R$ 170 mil do Tribunal Regional do Trabalho para a mobília da nova unidade, o governador Mauro Mendes destacou que foram quase quatro toneladas drogas apreendidas na fronteira no primeiro semestre deste ano e o secretário de Estado de Segurança Pública, Alexandre Bustamante, comentou sobre a credibilidade e os resultados no combate ao “tráfico de drogas, evasão de divisas, contrabando, tráfico de armas, dentre outros crimes transfronteiriços”. Assim, o MPE é entusiasta do Gefron e existe uma indisposição do Mauro Zaque em acolher outra versão do caso. O Mauro é o criador do GAECO, outra instituição de parapolícia que funciona parecido com o Gefron, ou seja, o GAECO sofreu um revés forte com o escândalo da operação barriga de aluguel há pouco tempo atrás. É possível conversar o José Antônio Borges, procurador geral, ou Henrique Schneider que agora é responsável pela 25ª promotoria na área de DH.
A Bolívia começou a denunciar as ações dos militares brasileiros, e o aumento das violências por ocasião da morte do Cacique Vicente Tapeosi, pois um policial do Gefron foi ferido em confronto, e depois os bolivianos alegam que o Gefron teria invadido o país vizinho e matado o Cacique como forma de represália. De lá pra cá as ocorrências com morte só vêm aumentando. Não sabemos quem foi o policial ferido na ocorrência que culminou com o ataque da aldeia do Cacique Vicente e nem quem foram os que foram até lá para demonstrar a força da polícia brasileira. O caso tem tomado proporções cada vez maiores, não se trata mais apenas de esclarecer a verdade sobre os assassinatos do dia 11/08, embora também seja muito importante, mas de agirmos para frear essa onda crescente de violência na fronteira por parte principalmente do Gefron.
Os policiais do Gefron que chacinaram os 4 Chiquitanos no dia 11/08/2020 ventilaram a possibilidade de estar acontecendo uma nova modalidade de tráfico com o uso de cães vira-latas que fazem bastante barulho no meio do campo ou da mata para atrair os policiais e mostrarem por onde estão levando a droga. A Ouvidoria Geral de Polícia pede informações à Corregedoria da Polícia Militar de Mato Grosso sobre investigação envolvendo membros da corporação na terça (10/11) e sobre a prisão de policiais militares em mais uma fase da Operação Cérberus, realizada nesta segunda (09) pela Polícia Federal, pois um ex-policial militar foi preso e delatou um policial ambiental e um policial componente do Grupo Especial de Fronteira, envolvidos numa quadrilha que realiza extorsão, tráfico de drogas e homicídios. Um dos casos acompanhados pela OGP é o incidente que resultou na morte de quatro indígenas Chiquitanos, na fronteira com o Brasil.
Não por acaso parece que a Operação Cérberus da Polícia Federal de Mato Grosso prendeu o ex-PM Vail Silva Abreu (32), no Bairro DNER, em Cáceres que delatou dois outros policiais militares, sendo ambos desligados do Grupo Especial de Fronteira (Gefron), um da Polícia Ambiental e outro da Polícia Militar. A Operação Cérberus foi autorizada pela Sétima Vara Federal de Cuiabá que identificou a ramificação criminosa, voltada para o tráfico de drogas. Foram cumpridos sete mandados de busca e apreensão e três de prisão temporária. O grupo efetuava levantamento dos traficantes e agiam para distribuir as drogas quando já se encontravam em território de Cáceres ou Cuiabá. A PF informa que os suspeitos estariam subtraindo carregamentos de drogas e vendendo o material para outros criminosos. Alguns dos investigados possuem antecedentes criminais extremamente violentos, com passagens por extorsão, homicídios e tráfico de drogas. Bens como imóveis de luxos, carros, lanchas e até gado são sinais de enriquecimento ilícito, por isso foram bloqueados por determinação judicial. Por isso, já estão presos três agentes públicos sendo um da Polícia Militar da ativa, um da reserva e outro da Polícia Civil. A Justiça Federal também determinou o bloqueio de R$ 5,5 milhões nas contas dos líderes da milícia da fronteira. O grupo vinha atuando tanto com policiais civis da ativa quanto policiais militares, repassando informações dos carregamentos introduzidos na região de Cáceres através da fronteira com a Bolívia. O grupo agia de maneira cruel e extremamente violenta, assassinando as chamadas mulas e intimidando outros grupos de traficantes. Espera-se que todos os envolvidos nessa milícia da fronteira, sejam eles oficiais de alta patente até os praças que se enriqueceram com a extorsão e revenda de cocaína sejam presos na terceira fase grupo composto por ex-policiais militares, policiais civis (ativa e excluídos) radicado em Cáceres, Mirassol e Pontes Lacerda.
A experiência tem mostrado que as milícias e traficantes estão mais próximas do que a gente acha. Por que o serviço de inteligência não os identifica e agem dentro da razoável para prevenir crimes e perseguições dos Chiquitanos? As notícias remetem a uma investigação da PF de Cuiabá sobre delito de organização criminosa e lavagem de capitais (os milhões apreendidos) na Fronteira. Outros fatos vinculados como o assassinato de mulas são mais especulativos, pois não citam nomes de vítimas e a “confissão” não revela os agentes que praticaram os homicídios, fala de passagem, do modus operandi da organização de milícia. A prova que a PF de Cuiabá possui é o dinheiro apreendido cuja origem ainda vai ser averiguada. Deve ainda existir interceptações telefônicas, quebra de sigilos bancários e de e-mails, apreensão de equipamentos eletrônicos (computadores, tablets, celulares) nada que ligue a assassinatos extra-judiciais (atos de resistência).
Dr. Aloir Pacini, antropólogo da UFMT. (Foto: Augusto Pereira)
Questionável são os verdadeiros motivos desses assassinatos do dia 11/08 foram mesmo por engano. Ou será que os 4 foram usados como cobaia para acobertar outras coisas? E os do dia 27/09 ou mesmo dos 17 ocorridos de julho até a presente data? O que estaria realmente por trás desses massacres tão frequentes? A milícia que está sendo desbaratada pela PF estaria por trás disso? Vamos descobrir aos poucos o quanto eles estão dispostos a compartilhar as informações de caso tão grave. O desenrolar da Operação Cérberus, conduzida pela Polícia Federal em Mato Grosso que trabalha para a desarticulação de organização criminosa que supostamente conduziria uma verdadeira milícia de fronteira cujo modus operandi consiste exatamente na execução das chamadas "mulas humanas", com requintes de crueldade. Já possuímos circunstâncias que levem a crer que as vidas dessas pessoas estejam em iminente risco. Temos excessiva movimentação de unidades do GEFRON no local dos fatos, atitudes intimidadoras e existe a possibilidade de utilização da lei de proteção a testemunhas pela DPU.
A PF de Cuiabá investiga delitos de organização criminosa cuja configuração exige pluralidade de agentes e pluralidade de delitos e de lavagem de capitais que exige delito anterior para configuração, ou seja, a chacina dos Chiquitanos pode vir a ser o delito anterior que eles precisam para configurar a lavagem de capitais. A carta enviada para PF vai dar o que os agentes federais precisavam para fechar o inquérito, com o argumento do delito anterior e ampliar o inquérito.
Completando exatamente três meses do massacre de quatro Chiquitanos de nacionalidade boliviana foram mortos em território brasileiro, nesse dia 11 de novembro de 2020, instituições de defesa de Direitos Humanos pedem deslocamento de competência para Justiça Federal ao delegado superintendente da Polícia Federal em Mato Grosso, Sérgio More, e ao procurador da República, Bernardo Machado, requerendo providências das possíveis vítimas de organização criminosa de milícia na fronteira Brasil-Bolívia, investigada pela Operação Cérberus.
Para a Rede de Proteção, a Justiça Federal possui competência para julgar eventual ação penal, uma vez quo o Boletim de Ocorrência afirma que os policiais envolvidos alegaram que os indígenas mortos estariam transportando para o Brasil entorpecentes vindos do país vizinho (Bolívia), o que configuraria delito de tráfico internacional de drogas, crime de competência da Justiça Federal. As autoridades bolivianas têm cobrado providências para o esclarecimento dos fatos e a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, houve moção de repúdio perante a Assembleia Legislativa do Estado de Mato Grosso, por isso, segundo a Lei Federal nº 10.446/02, cabe à Polícia Federal investigar violações de direitos humanos com repercussão internacional.
Quando o MPF de Cáceres abrir procedimento para apurar a chacina, será possível que o MPF de Cuiabá compartilhe o inquérito da operação. Outro modo é um pouco mais trabalhoso, pois a OAB como amicus curiae na 1ª Vara de Cáceres pode pedir à Justiça Federal de Cuiabá acesso ao inquérito da operação. Flávio Ferreira, secretário geral da OAB-MT que também preside a comissão de Direitos Humanos da OAB-MT auxiliará na formalização dos trâmites legais.
Sem a negativa das autoridades nacionais, os pedidos internacionais ficam mais difíceis acautelar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) ou Genebra. Quem cobre Genebra no Brasil é Jamil Chade hoje no jornal Nexo. Se essa história começar a repercutir na mídia de informações sobre diplomacia podemos ter resultados mais efetivos. A Fundacion Construir, da Bolívia averiguaram organizações sociais que atuam na fronteira e passaram o contato da presidente da Central Indígena Reivindicativa de la Província Angel Sandoval (Cirpas) que participou no dia 02/09 e consta pedido de explicações feito pelo MP da Bolívia e a CDH da Câmara de Deputados do Brasil pede providências. Para acompanhar o caso, entidades formaram uma Rede de Proteção aos Direitos Humanos da Fronteira Brasil-Bolívia em Mato Grosso, e o que estamos conseguindo como trabalho coletivo e em equipe é um sinal que esse mundo ainda tem jeito, cada um contribuindo com generosidade e dedicação impressionante para irmos bem mais longe, nesses tempos de pandemia. O massacre dos Chiquitanos está circulando nas mídias e nos encontros virtuais que acontecem, como no Congresso de Geografia organizado na UFMT (11/11/2020).
Congresso de Geografia falando do massacre dos Chiquitanos (11/11/2020). (Foto enviada pelo autor)
No dia 14/11/2020 o Cinema da Terra trouxe documentário Manuel Chiquitano Brasileiro, uma atividade das Jornadas Universitárias pela Reforma Agrária (JURA UFMT). Em seguida houve um bate-papo com Aloir Pacini (professor da UFMT), Glória Albues (roteirista e diretora do documentário) e Aluízio de Azevedo (diretor do documentário) para ter a oportunidade de conhecer melhor a realidade dos Chiquitanos e a importância das lutas indígenas, pois a realidade dos Chiquitanos remetem a outras realidades dos povos que vivem nas Fronteiras. Eu fiquei de trazer a realidade da chacina do dia 11/08.
A violência histórica sobre os Chiquitanos vai encontrando visibilidade. O filme relata conflitos internos em relação a grupos que acabaram aceitando a condição de não serem Chiquitanos para sobreviver. A pressão de fazendeiros e governos-ruralistas-deputados etc. contra os indígenas dificulta a auto-identificação. Não é questão de vergonha de ser indígena, mas a situação de opressão vivida por eles para liberarem as terras para a colonização, pois a Terra sempre está na centralidade das injustiças cometidas contra os indígenas no Brasil e a proteção dos territórios tradicionais dos Chiquitanos é fundamental para garantir a sua sobrevivência. O modo de ocupação da terra estimulada especialmente na década de 70 aumentou a invasão de territórios tradicionais e a degradação ambiental.
Cinema da Terra bombando na internet, amostra do encontro - 14/11/2020. (Foto enviada pelo autor)
O presidente da Funai atual é um delegado da PF e ruralista de Mato Grosso. E a questão da demarcação ainda pode piorar se aprovado o Projeto de Lei que quer transferir essa incumbência para o Parlamento. Importante vincular esta situação dos Chiquitanos a outras situações de povos que não tem sua terra demarcada (são mais de 850 terras no Brasil que o governo paralisou os processos ou estão sem providência) como no MS/Paraguay o discurso de que “não são índios”, no caso dos Guarani Kaiowá, que são paraguaios. Chamo a atenção para a estratégia comum entre os Kaiowá e os Chiquitanos de trabalharem nas fazendas que tomaram seu território tradicional como forma de não perder os vínculos suas terras e seus antepassados, já que não possuem força política para a retomada destes territórios.
Renan Sotto Mayor mencionou que os direitos humanos podem ser alcançados com afeto! A utilização do cinema e da arte como forma de denunciar e levantar os valores. Assim encontramos os poderes da arte que não se enquadra e nos deixa livres para pensar e agir de forma maravilhosa e, como relembrou Giba do Cimi-MT, a arte derrota exércitos sem disparar um tiro! Shirle Rodrígues, a neta do cacique Aurélio, que participou do filme com a esposa e sogra, ponderou: “Que os nossos antepassados continuem nos abençoando!”
Cacique Aurélio Rodrigues participando do encontro na aldeia Aparecida - 14/11/2020. (Foto enviada pelo autor)
Uma das organizadoras do Cinema da Terra, Mírian Sewo, avaliou: “O filme e a conversa de hoje nos possibilitaram conhecer um pouco da história do povo Chiquitano e nos conectar com as suas lutas para ter direito à identidade étnica, direito ao seu território ancestral e à justiça. Que parem as mortes! Que parem a ignorância e o preconceito! Que pare a ganância que impede a vida dos pobres. Nos solidarizamos com o povo Chiquitano e estamos atentos, com afeto e solidariedade, e despertos para a força revolucionária que esses sentimentos provocam em nossas vidas".
[1] O Dr. José Vicente Gonçalves de Souza, promotor do Ministério Público do Estado de Mato Grosso passou a atuar no inquérito quando o MPF declinou. Disponível aqui.
[2] Reportagem denuncia que chiquitanos estão tendo direitos violados e chamo a atenção para os relatos do Gerson, uma realidade que desejamos cesse o mais rápido possível, disponível aqui. (09/11/2020); ‘Protetores da fronteira’, indígenas chiquitano têm direitos violados. Disponível aqui; Parente dá detalhes do dia da morte de 4 bolivianos pelo Gefron; Disponível aqui. A Polícia Federal (PF) bateu recorde de apreensões de bens originados pelo tráfico de drogas de organizações criminosas. A organização atingiu a marca de R$ 666 milhões nesta quarta-feira (11), sendo o maior valor já registrado em um ano. Disponível aqui.
[3] Presidência da CDHM pede apuração sobre o assassinato de 4 indígenas bolivianos na fronteira com o Brasil. Disponível aqui.
[4] O jornalista Leandro e equipe informaram a respeito das gravações dos depoimentos e da reportagem que deve ser publicada no dia 16/11/2020.
[5] As administrações públicas na Bolívia são um pouco diferentes das que encontramos no Brasil. No caso, a alcaldía corresponde à prefeitura municipal e o alcalde ao prefeito. Os caciques de cada comunidade que formam o Cabildo e os corregidores são instâncias que os Chiquitanos possuem sem correspondência nas administrações dos Estados democráticos.
[6] Drug Enforcement Administration dos EUA, uma espécie de Departamento especializado de combate ao tráfico de drogas com atuação, inclusive, internacional. Ficaram famosos por matar Pablo Escobar na Colômbia.
[7] Quando um processo que seria originalmente de competência da justiça estadual passa a ser conduzido pela justiça federal, acontece o Incidente de Deslocamento de Competência - IDC, disponível aqui.
[8] Sesp-MT lamenta falecimento de sargento lotado no Gefron, disponível aqui.
[9] Parcerias resultam em investimentos de R$ 2 milhões no Gefron, disponível aqui. (19/09/2019)
[10] O nome da Operação Cérberus deriva de uma figura mitológica grega que é descrita como um cão gigante que zelava pelos mortos. Quem ousasse adentrar nesse subterrâneo era dilacerado pelo o cão Cérberus. Tal qual agia o bando da milícia da fronteira, executava os mulas com requintes de crueldades, usando o serviço de inteligência da polícia, fuzis de alto calibre e se associavam ao tráfico, o que é pior. Ver detalhes in Federal prende ex-PM em Cáceres que entrega colegas de farda, disponível aqui. (09/11/2020). Em 04/11/2020: Polícia Federal desarticula organização criminosa voltada para o tráfico de drogas e extorsão em Mato Grosso, disponível aqui; Para Comandante Geral da PM, caso dos policiais presos pela PF não são milicianos, disponível aqui (11/11/2020).
[11] A DPU entrou como assistente de acusação para representar judicialmente as vítimas junto com a OAB de Cáceres para estar duplamente no processo, como amicus curiae e como assistente de acusação.
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