Torna-se cada vez mais urgente chegar à conquista de uma vacina que permita deter finalmente esse inimigo desconhecido que produziu a situação de insegurança desestabilizante em que vivemos.
A opinião é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, na Itália, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado por Rocca, n. 21, 01-11-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A epidemia do coronavírus se espalha inexoravelmente sobretudo no Ocidente, despertando alertas e medos, tanto pelo perigo do envolvimento pessoal, quanto pelas repercussões altamente negativas sobre a situação socioeconômica que se tornou cada vez mais alarmante e pelos possíveis reflexos sobre a própria condução da vida democrática.
Por isso, torna-se cada vez mais urgente chegar à conquista de uma vacina que permita deter finalmente esse inimigo desconhecido que produziu a situação de insegurança desestabilizante em que vivemos.
Na realidade, os cientistas de vários países comprometeram-se desde o início e com grande solicitude, a ativar a pesquisa dessa vacina, e estamos hoje perante um número relevante de centros que, depois da experimentação de laboratório e em animais, começaram a experimentação clínica em humanos.
Mas isso não deixa de levantar interrogações relevantes sobre as condições e as modalidades com que essa experimentação deve ocorrer, para evitar repercussões negativas sobre aqueles que se submetem a ela e para respeitar a livre voluntariedade da sua decisão.
Então, é importante, acima de tudo, identificar as condições exigidas desde o início para que esse processo possa ser implementado.
A pesquisa bioética, que tem refletido há muito tempo sobre essa questão, enfocou alguns critérios básicos com os quais é preciso fazer as contas. São eles, por um lado, a verificação da utilidade, isto é, do valor terapêutico da experimentação; e, por outro lado, a inocuidade-beneficência, isto é, a garantia da ausência de nocividade ou, pelo menos, da presença de um risco aceitável para quem se submete ao tratamento exigido – o princípio que deve guiar, acima de tudo, a ação de quem tem um papel terapêutico é, de fato, primum non nocere – e a extensão dos benefícios que, em caso de resultado positivo, podem ser obtidos por meio dela tanto para o indivíduo – o paciente objeto da experimentação – quanto para a sociedade. O primeiro desses critérios é, no caso da pesquisa da vacina para a pandemia em andamento, sem dúvida, plenamente respeitado.
A gravidade do fenômeno, que provocou (e continua provocando) um número muito consistente de pacientes e uma verdadeira hecatombe de idosos torna altamente significativo o objetivo perseguido.
A utilidade, portanto, está fora de discussão: trata-se de enfrentar uma emergência sanitária de vastas proporções – aqui, tornou-se plasticamente manifesto o processo de unificação do nosso planeta por obra da globalização – causada por um vírus desconhecido que deve ser rapidamente erradicado. O esforço feito para chegar a uma solução no menor tempo possível, portanto, deve ser saudado como um evento extremamente positivo.
Mas a urgência imposta pela dramaticidade da situação, por sua vez, torna plausível o risco de que se refreie a atenção em torno do segundo critério, o da inocuidade-beneficência. O fato de haver muitos centros de pesquisa, pertencentes a diversas nações (ou grupos de nações), dá origem a uma forma de emulação recíproca que, embora, por um lado, tenha o mérito de acelerar o processo de produção da vacina, por outro, pode levar a que se passe por cima do cumprimento das condições exigidas para enfrentar seriamente a experimentação.
A concorrência entre os países em que se realiza a pesquisa a fim de chegar em primeiro lugar a encontrar a solução de um problema tão incômodo, o entrelaçamento de interesses econômicos relevantes – basta pensar nos das empresas farmacêuticas – e a ambição de muitos operadores de poderem incrementar, graças à conquista alcançada, o seu prestígio pessoal são igualmente fatores que podem diminuir a preocupação sobre as garantias exigidas para ir ao encontro da experimentação humana com segurança.
Portanto, impõe-se uma vigilância particular sobre o que está acontecendo – principalmente sobre a divulgação de notícias sensacionais, provenientes de centros guiados por interesses ideológicos e/ou políticos específicos, que se revelam como verdadeiras fake news – para evitar incorrer em desmentidas surpreendentes, como em alguns casos já ocorreu. Isso implica, por conseguinte, uma extrema prudência também nas modalidades de recrutamento daqueles que se submetem à experimentação, os quais devem ser postos em condições de poder manifestar livremente a sua adesão.
Também nesse caso existem critérios credenciados pela reflexão bioética, que devem ser levados seriamente em consideração tanto na solicitação de adesão à proposta quanto na execução do consentimento informado. A participação na experimentação deve ocorrer – como já foi mencionado – com a máxima liberdade e a plena voluntariedade.
Isso pressupõe, acima de tudo, que o paciente seja claramente informado sobre a finalidade perseguida, mediante a apresentação dos benefícios que se presume que possam ser alcançados, não sem um conhecimento preciso dos custos humanos globais (não exclusivamente econômicos) que devem ser levados em consideração.
Acima de tudo, banida como eticamente inaceitável a restrição imposta a algumas categorias, com a promessa de indenizações de outra natureza – pense-se na utilização dos presos aos quais se oferece uma redução de pena ou de pessoas pobres, particularmente do Terceiro Mundo, incentivadas pela alocação de dinheiro –, exige-se o respeito de algumas regras: desde a adequada exibição dos dados de informação, com a precisa indicação dos previsíveis efeitos colaterais não apenas imediatos, mas também à distância ou da invasividade do processo, passando pela verificação de que o paciente entendeu perfeitamente o conteúdo do texto – o que requer a adoção de uma linguagem compreensível e de uma informação individualizada modulada de acordo com os sujeitos também para especificar os pesos diferentes que os efeitos colaterais podem ter na história particular de cada um –, até a garantia de uma cobertura de seguro e a possibilidade de se retirar da experimentação sem a obrigação de fornecer as motivações.
Podemos nos perguntar: tudo isso – das garantias objetivas de eficácia e segurança às regras que devem reger a gestão do consentimento informado – foi e é respeitado na atual experimentação da vacina destinada a abater o coronavírus? É difícil responder: seria necessário analisar, um por um, o que ocorreu e está ocorrendo nos vários centros em que essa experimentação está em andamento. A impressão que se tem de fato é que subsistem disparidades relevantes entre centros e centros: a esse respeito, não existe homogeneidade entre eles, também devido à sua localização em países caracterizados por regimes diferentes – alguns democráticos, outros absolutistas – que interpretam de forma diferente o significado e o exercício da liberdade pessoal e que, consequentemente, têm uma visão diferente das modalidades da informação.
Um papel determinante no desenvolvimento correto dos procedimentos assinalados deve ser atribuído à estreita colaboração entre os comitês científicos e os comitês de ética. De fato, cabe aos primeiros fornecer todas as informações que provêm da pesquisa sobre a possível eficácia da vacina e sobre o grau de segurança de quem se submete à sua experimentação; aos segundos, por sua vez, cabe a avaliação das condições para que se possa proceder à sua administração experimental, tendo em vista a possibilidade de utilização em larga escala. O diálogo entre competências diferentes permite chegar a um julgamento ponderado, fruto da atenção a todos os fatores em jogo.
Em última análise, as condições necessárias para um correto exercício da experimentação humana podem ser resumidas em duas atitudes: competência e transparência.
A primeira tem um caráter objetivo e consiste na garantia da cientificidade dos processos mediante os quais se desenvolve a pesquisa e na capacidade de identificar com precisão os riscos nos quais quem se submete à experimentação pode incorrer.
A segunda, por outro lado, é uma atitude subjetiva, que pressupõe uma grande honestidade moral, ou seja, a disponibilidade de dizer a verdade até o fim, fazendo prevalecer a racionalidade sobre a emotividade que corre o risco de distorcer o julgamento ou sobre a tentação de se entregar a uma forma de utilitarismo que, enfatizando excessivamente a importância do fim perseguido, corre-se o risco de negligenciar ou, pelo menos, de subestimar as contraindicações que podem derivar da administração da vacina.
Mas o crescimento de uma disponibilidade ampliada a se submeter à experimentação está ligado aos desenvolvimentos de uma cultura que supere a tentação de se entregar a uma forma de egocentrismo autorreferencial, para dar o primado seriamente à busca do bem comum. O clima geral que se respira hoje não parece favorecer o crescimento dessa forma de sentir. A afirmação de tendências individualistas e neocorporativas, o retorno dos nacionalismos e dos soberanismos, e a disseminação dos populismos (que nada têm a ver com o popularismo) são fenômenos que igualmente denunciam a presença de uma situação de encurvamento individualista bem distante das condições exigidas para dar vazão a uma experimentação eficaz.
É preciso reagir a essa preocupante tendência invertendo o curso. A experimentação humana, feita sob certas condições e com garantias precisas, é de fato um bem precioso para os indivíduos, mas também (e sobretudo) para toda a família humana.