29 Outubro 2020
“Nossos modelos econômicos e financeiros atuais foram alcançados como resultado da exploração de recursos naturais e danos ambientais, juntamente com níveis crescentes de desigualdade de renda. Como resultado, já estamos começando a atingir os limites ambientais para o crescimento econômico”, escreve Sophie Howe, comissária para as Gerações Futuras do País de Gales, em artigo publicado por The Ecologist, 26-10-2020. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O Manifesto Galês para o Futuro clama por uma semana de trabalho mais curta e renda básica para ajudar as pessoas e o planeta a prosperarem.
Nós precisamos mudar o foco de nosso modelo econômico, reexaminar o que nós valorizamos como sociedade, e colocar o clima e nosso ambiente natural no coração da recuperação da pandemia.
O País de Gales e o Reino Unido em geral precisam avançar com uma semana de trabalho menor e alguma forma de renda básica. Os problemas não estão desconectados. Muitos partidos políticos e pensadores progressistas têm reivindicado alguma forma de renda básica na última década, com os críticos uma vez a descartando como muito radical ou inviável.
O que vimos com a crise do coronavírus é que situações sem precedentes precisam de soluções sem precedentes. Há agora um caso forte para explorar essas soluções políticas, para a sobrevivência das pessoas e do planeta.
O País de Gales está em um lockdown de duas semanas, marcando um desvio significativo da resposta do governo do Reino Unido à pandemia em curso. Esta não é a primeira vez que a devolução de Gales permitiu que o país fizesse as coisas de maneira diferente.
A então Assembleia Nacional do País de Gales (agora Senedd Cymru), aprovou a Lei do Bem-estar das Gerações Futuras em 2015. A legislação, ainda a única lei desse tipo no mundo, visa proteger os interesses das futuras gerações do País de Gales. A lei também viu a criação do Comissariado das Gerações Futuras, cargo que exerço desde 2016.
Meu papel é atuar como um ‘guardião’ dos interesses das gerações futuras. Desde a crise da covid, tenho aconselhado o governo galês sobre como ele deve abordar a recuperação, garantindo que as necessidades de longo prazo não sejam esquecidas na tomada de decisões.
A covid-19 foi descrita como um ensaio geral para as mudanças climáticas. Mas também oferece uma oportunidade para repensarmos radicalmente a forma como vivemos e trabalhamos e nos concentrar em como podemos redesenhar isso para apoiar o bem-estar das pessoas e do planeta. E uma renda básica e uma semana de trabalho mais curta podem ter um impacto positivo em ambos.
Em maio de 2021 ocorrerão as próximas eleições de Senedd aqui no País de Gales. Notavelmente, a primeira eleição em que jovens de 16 a 17 anos podem votar pela primeira vez. A mensagem das gerações mais novas é clara. Eles querem uma ação decisiva sobre a mudança climática e a desigualdade.
Na semana passada, lembrei os políticos do País de Gales de seu dever para com os jovens quando apresentei o ‘Manifesto para o Futuro’. O manifesto inclui 48 recomendações que eu acredito que os partidos políticos deveriam adotar: incluindo um programa piloto de uma renda básica e trabalhando para uma semana de trabalho mais curta.
O mundo do trabalho mudou e continua a evoluir. Só nos últimos sete meses houve uma mudança dramática nas práticas de trabalho, do trabalho remoto à turbulência e à economia gig. Mudanças no bem-estar e no horário de trabalho têm acontecido tradicionalmente em torno de momentos-chave de crise no século passado, incluindo as duas guerras mundiais.
Sabemos que o trabalho não é mais uma saída garantida da pobreza. Antes de começarmos a ver os impactos econômicos da covid, mais da metade das pessoas que hoje vivem na pobreza no País de Gales estavam trabalhando.
Há um forte caso de como o fornecimento de uma renda básica, um pagamento incondicional e regular, poderia prevenir o desemprego em massa e a pobreza causados pela pandemia. Uma semana de trabalho mais curta também pode ajudar a resolver a escassez de trabalho, bem como melhorar o equilíbrio entre vida profissional e pessoal e, portanto, seu bem-estar e o de suas famílias e comunidades.
Ambas as políticas têm o potencial de ajudar a resolver a crise do desemprego, à medida que empresas em todo o Reino Unido cortam centenas e milhares de empregos.
Trabalhando com a thinktank Autonomy, encomendei um estudo de viabilidade que buscará fornecer respostas a muitas das perguntas frequentes sobre uma renda básica – incluindo como ela poderia ser financiada e quem a receberia. Há uma excelente oportunidade para o País de Gales se tornar o teste para essas políticas, mas há muito que o resto do Reino Unido pode aprender com o que funciona.
Existem vários estudos que sugerem que trabalhar menos é bom para o planeta. Um estudo descobriu que cortar as horas que trabalhamos em 25% poderia reduzir nossa pegada de carbono em 36,6%.
Romper essa ligação entre trabalho e consumo pode trazer enormes benefícios para o nosso ambiente natural. Menos tempo de deslocamento pode significar menos emissões de carbono em nossas cidades já saturadas. Horas de trabalho reduzidas podem significar mais tempo dedicado ao voluntariado, ao desenvolvimento de empresas comunitárias, a passar mais tempo com nossas famílias em espaços verdes locais.
O foco na renda básica pode contribuir muito para lidar com as desigualdades em grande escala que vemos em nosso modelo econômico atual. De contratos de zero horas, desemprego em massa e incertezas sobre o futuro dos esquemas de folga, uma renda básica poderia garantir a certeza em tempos de crise.
Algumas estimativas sugerem que cerca de 120 mil pessoas no País de Gales podem estar desempregadas até o final do ano. Existem preocupações específicas em torno dos impactos sentidos pelos setores de hotelaria, turismo, artes e recreação.
Encontrar novas maneiras de apoiar esses setores e a economia verde pode ser um primeiro passo para explorar uma abordagem mais ampla e “humana” para apoiar as pessoas e seus meios de subsistência.
Acredito que devemos isso àqueles que estão lutando atualmente, bem como às gerações futuras, para explorar políticas que possam melhorar a saúde mental, dar mais liberdade de escolha e aliviar a pressão sobre os serviços públicos como saúde, enquanto beneficiam nosso meio ambiente.
Eu não acho que essas potenciais soluções possam ser descartadas como um pensamento utópico ou uma política absurda.
Nossos modelos econômicos e financeiros atuais foram alcançados como resultado da exploração de recursos naturais e danos ambientais, juntamente com níveis crescentes de desigualdade de renda. Como resultado, já estamos começando a atingir os limites ambientais para o crescimento econômico.
Precisamos de soluções que funcionem não apenas no curto prazo, em termos de resposta às consequências econômicas da crise da covid-19, mas que protejam também as perspectivas de longo prazo de nosso planeta. Explorar o potencial de uma semana de trabalho mais curta e de uma renda básica é o mínimo que podemos fazer pelas gerações atuais e futuras.
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Nós precisamos repensar radicalmente a forma como vivemos e trabalhamos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU