Por: André Martins | 09 Setembro 2020
A pandemia gerou crises em vários setores da sociedade mundial e expôs marcas profundas no cenário político, econômico e sanitário de alguns países. No Brasil, a Covid-19 agravou um cenário que já era precário. Setores, como o da economia, entraram em colapso, aumentando o desemprego e intensificando a disparidade social no país. Na saúde, a crise atingiu todas as esferas. “É uma grave crise sanitária que já virou tragédia; faltam profissionais, médicos, ferramentas e leitos”, diz o Prof. Dr. Victor Ximenes Marques, da Universidade Federal do ABC - UFABC.
Na avaliação dele, a crise pandêmica é multidimensional, afeta várias camadas da sociedade e pode gerar um novo ciclo mundial de transformação, que poderá nos levar para qualquer lugar, tanto bom quanto ruim. “A realidade da pandemia nos colocou em frente a uma crise que podemos chamar de multidimensional”, disse, ao participar do IHU ideias, evento promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU na última quinta-feira, 03-09-2020, onde ministrou a palestra intitulada “A pandemia multiparadigmática e o Brasil/mundo fragmentados. Continuidades e rupturas”.
Ximenes explicou que a economia mundial está em retração. Embora a bolsa tenha melhorado bastante desde o começo da pandemia, países como o Peru veem sua economia encolher em 30%, criando uma grave crise de desemprego local. Segundo ele, a pandemia afetou tão seriamente o mercado econômico, que a retração mundial será maior que a crise de 1929.
Mas os efeitos negativos da crise pandêmica não se restringem só à economia. Ximenes alerta para a crise de insegurança alimentar que pode ocorrer já em 2020. A fome, causada pela desnutrição e a falta de acesso a alimentos de qualidade, poderá matar até 132 milhões de pessoas no mundo. No âmbito da saúde mental, o pesquisador aponta para o aumento da depressão, atingindo principalmente cuidadores de adultos. “Os mais afetados são os cuidadores não remunerados de adultos. O nível de estresse está aumentando nessas pessoas”, menciona.
Além de criar uma grande crise mundial, a pandemia também é responsável por acelerar problemas que já estavam em curso no Brasil. “A crise tem servido como um catalisador para os processos que já estavam em curso, como a crise do processo de globalização”, explica. Ele pontua ainda que a pandemia acelerou as guerras comerciais, a uberização, o crescimento da ideologia nacionalista e a crise política, que está acelerando o processo de polarização.
Victor Ximenes adverte que o Brasil está sendo afetado por uma crise epistêmica: as pessoas pararam de acreditar na ciência ou em estudos feitos pelas universidades, por exemplo, para seguir a razão do que elas acreditam. “A população desconfia das autoridades epistêmicas, desconfia do conhecimento abstrato ou produzido nas universidades e está tendo uma maior crença na vivência. Isso está ligado ao aumento do que chamamos de pós-verdade ou fake news”, explica.
Segundo ele, a crise atual também impacta profundamente a política e os políticos estão se aproveitando deste momento para aumentar o controle e reforçar a hierarquia estatal. Ximenes define esse momento como “desintegração política”.
Períodos históricos estão sempre ligados a esses ciclos de transformação, principalmente na economia e na política. Ximenes dá exemplos de dois momentos recentes da história. Nos anos 1970, a partir do maio de 68, as lutas progressistas desencadearam uma enorme mobilização popular, com protestos e marchas nas ruas. Nos anos 1930, após a primeira Guerra Mundial e a crise de 29, uma série de movimentos populares nacionalistas nasceram. Ele compara esses períodos com o momento atual e aponta aproximações entre a crise epocal e a epistêmica, ao comentar que a mobilização nas ruas está aumentando, como observamos no movimento Black Lives Matter, nos Estados Unidos, porém, em contrapartida, há uma mobilização nacionalista que divide a política em direita ou esquerda, não acredita em vacinas nem na imprensa, e ataca de forma violenta quem pensa diferente.
De acordo com o pesquisador, depois da crise de 2008, a pandemia é o segundo choque externo deste século, e ela pode desencadear uma mudança estrutural no Brasil e no mundo. Ao final da apresentação, Ximenes disse que a crise também pode “enterrar” o processo neoliberal que está crescendo no país, mas não há garantias do que está por vir. “A pandemia do coronavírus não será o fim do mundo, mas pode ser o fim de uma época, e as consequências históricas podem ser de longo prazo. O desfecho vai depender dos vários atores coletivos que estão na disputa política neste momento”, complementa.
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Estamos diante de uma crise multidimensional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU