05 Agosto 2020
"Parece que ainda seja muito difícil aceitar a exterioridade da fé como o espaço no qual ela está destinada a se praticar; e há décadas continuamos apenas a falar de nós para nós mesmos. Doença de um cristianismo que se tornou senil, agachado em seu quintal, que imagina - enganando-se - que mudar as próprias estruturas internas (para renová-las ou para fazer com que voltem a ser o que eram) é a carta que decide o destino no nosso tempo", escreve M.N., em artigo publicado por Settimana News, 02-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Talvez todos precisássemos de uma longa trégua, deixar de lado por alguns anos as polêmicas animosidades dos lados opostos, para realmente nos empenharmos, com paixão e competência, a inventar um cristianismo para o hoje. Que não seja nem adaptação ao espírito do tempo, com suas justas reivindicações e seus obtusos estereótipos, nem repetir nostalgicamente memórias agora perdidas de uma fé que foi, com sua sábia coleção do passado que nos gerou e seu sutil sonho de subjugar o mundo à sua própria visão dos fatos.
Temos um patrimônio sapiencial e cultural de "coisas antigas e coisas novas" que devem ser apresentadas na vida humana de hoje, nas contingências da vida cotidiana, na tarefa que a longa passagem da pandemia inevitavelmente coloca para as comunidades cristãs. Nisso, o cristianismo é testado como todo âmbito social e político na qual é chamado a viver. O inédito devir que temos pela frente deveria induzir, de ambos os lados, a inteligência de uma nova aliança entre as práticas religiosas de crer e a dimensão civil de habitar o mundo.
O aspecto em comum do tempo que atravessamos já nos coloca uns ao lado dos outros – para que não permaneça uma mera justaposição dos destinos, é preciso que alguém tome nas mãos a construção de entrelaçamentos frutíferos justamente por causa de uma oposição que não permite a homologação entre si das diferentes maneiras de habitar na cidade dos homens e das mulheres de hoje.
O engajamento paciente na tecelagem desses entrelaçamentos, sem qualquer pretensão de superioridade moral ou sonho de uma nova supremacia espiritual, deveria ser a tarefa cultural da comunidade cristã em razão de sua fé. Isso também permitiria deslocar seu centro de gravidade, abandonando os limites seguros de seu perímetro comunitário, para entrar nos meandros da vida social que, ao mesmo tempo, une e divide os homens.
A passagem para a exterioridade do viver comum indistinto, deixando definitivamente para trás a segurança identitária da religião instituída, é o pressuposto necessário para a invenção do cristianismo - desde as suas origens. Esquecemos que essa é a condição que salva a comunidade de fé da extinção devida ao devoto espelhamento sobre si mesma.
No entanto, parece que ainda seja muito difícil aceitar a exterioridade da fé como o espaço no qual ela está destinada a se praticar; e há décadas continuamos apenas a falar de nós para nós mesmos. Doença de um cristianismo que se tornou senil, agachado em seu quintal, que imagina - enganando-se - que mudar as próprias estruturas internas (para renová-las ou para fazer com que voltem a ser o que eram) é a carta que decide o destino no nosso tempo.
Repetindo, de maneiras diferentes e contrapostas, o mesmo erro: o de se preocupar consigo mesmo como razão que define seu destino. Não se pode mais aceitar esse tipo de cristianismo - exatamente porque não é digno de sua própria razão de ser. O declínio qualitativo e cultural em que caiu deveria induzir alguma séria reflexão: passamos dos tempos em que as lutas internas da Igreja fizeram a história do Ocidente para uma época em que são uma dádiva de Deus para os tabloides jornalísticos de variado formato.
O problema é que agora isso se tornou a medida segundo a qual avaliamos a nossa importância: fazemos notícias, portanto somos. Diante disso, que venha pelo menos um mínimo tremor de orgulho que nos induza a inventar uma maneira evangelicamente digna de sermos cristãos em nosso tempo.
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Inventar o Cristianismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU