17 Junho 2020
"Certamente, ainda não eliminamos o racismo, e o mesmo vale para o sexismo. O fim da exceção racial e sexual, no entanto, significa que ambos deixaram de ser dados como certos e aceitos implicitamente: questões políticas estão expostas. Na França, estamos assistindo a uma escolha da sociedade. Podemos continuar reivindicando a exceção racial, ou sexual, em nome de uma cultura republicana que nos define a partir da exclusão de uma parte de nós? Ou chegou a hora de declarar que o universalismo não admite exceções?", escreve o sociólogo Eric Fassin, professor de ciências políticas, em artigo publicado[1] por Il Manifesto, 16-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em 2011, "o caso DSK (Dominique Strauss-Kahn)" anunciava "o fim da exceção sexual" (para retomar o título da intervenção que publiquei no Libération quando o caso estourou). A prisão em Nova York do suposto candidato à presidência abria, efetivamente, o caminho para o eterno retorno do "caso Polanski" e acendia o pavio do que mais tarde se tornaria o #MeToo. De repente, ficava difícil agitar o bicho-papão da América puritana para justificar uma exceção francesa ao direito comum, a menos de considerar o estupro uma sedução "à la francesa". A partir daquele momento, o hábito de "levantar as saias das empregadas" (troussage de domestique) parou de nos deixar indiferentes, e as reivindicações nostálgicas da "liberdade de incomodar" agora ressoam como o eco mudo de um mundo antigo. Por que o sexo deveria escapar da exigência de liberdade e igualdade? Políticos e artistas não podem mais escapar da lógica da democracia sexual, e a França certamente não pode ser uma exceção.
Hoje, no campo da democracia racial, podemos propor a hipótese de que as mobilizações internacionais estão nos colocando diante de algo semelhante. A presença das atrizes Adèle Haenel e Aïssa Maïga ao lado de Assa Traoré, por seu irmão Adama e por todas as vítimas, no dia 2 de junho passado, não pode deixar de lembrar a última cerimônia de premiação do Césars; assim como a carta de Virginie Despentes "aos meus amigos brancos que não veem o problema" relembra sua intervenção explosiva da época: "Agora, vamos nos levantar e sair!". Em resumo, o paralelismo é evidente: e se estivéssemos vivendo, na França e em outros lugares, o fim da exceção racial?
Em primeiro lugar, estamos nos conscientizando do fato de que é absurdo repassar o racismo para o outro lado do oceano invocando a história da escravidão, como se a França também não fosse herdeira do comércio triangular. Quem pode acreditar que, quase na contracorrente em relação aos EUA, a República colonial poderia ter ficado "cega à raça", quando em vez disso legislou sobre "mestiços" e atribuiu um status jurídico diferente aos "franceses muçulmanos da Argélia"? A questão racial não pertence por si só a essa ou a aquela outra cultura; não é estranha para nós. "Não consigo respirar": essas últimas palavras também poderiam ter sido de Adama Traoré. As manifestações que se multiplicam não falam apenas dos Estados Unidos, mas também dos George Floyd de muitos países. Não se trata de importar uma questão estrangeira: na realidade, a atualidade dos EUA não passa de um catalisador. Esse espelho transatlântico nos mostra a nossa própria imagem e, além disso, os brancos estão presentes em grande número nas mobilizações ao lado das minorias. Em outras palavras, poderia ser que a ruptura racial que se criou no universo antirracista, dividido entre associações que se reportam ao universalismo, mas que na maioria são brancas, e outras acusadas de comunitarismo, justamente porque não seriam brancas o suficiente, esteja se fechando. Tudo isso é resultado de uma mutação: no momento tomamos consciência dessa presença mista, nos encontramos a nomear "os brancos" como tais e a pensar neles como "aliados" das "pessoas interessadas".
O racismo não aparece mais apenas como um problema de pessoas racializadas. Com a deriva repressiva do estado, a violência policial não se limita mais aos banlieues: desde 2016, também se espalhou contra os movimentos sociais. A convergência das lutas passa, portanto, pela convergência de golpes. Mas há mais: como escreveu o artista Banksy, "o sistema" é um "sistema branco": portanto, "é um problema branco".
O tumulto não é mais visto como a única maneira de revolta. Inicialmente, nos Estados Unidos, os protestos assumiram uma forma violenta, reavivando a memória dos movimentos raciais de 1992 em Los Angeles ou nos anos 1960 em todo o país. Donald Trump também tentou jogar óleo na fogueira replicando a ameaça do chefe de polícia de Miami em 1967: "se eles começarem a saquear, nós vamos começar a atirar!". No entanto, mais tarde, a mobilização se torna manifestação.
É o efeito da repolitização que traz o movimento BlackLivesMatter desde o seu início em 2013. Um gesto, o joelho apoiado no chão do jogador de futebol Colin Kaepernick, foi reproduzido até no Congresso por alguns democratas para fazer do protesto um projeto de reforma da polícia. A cidade de Minneapolis, onde George Floyd foi morto, parece sensível aos apelos para "desmantelar" a polícia e cortar os suprimentos ("defund"). Estamos claramente falando de política.
Em suma, o fim da exceção racial significa que a racialização da sociedade é reconhecida como uma questão propriamente democrática. Certamente ainda é difícil aceitá-lo na França, onde insistimos em acreditar que o mero falar a respeito seja uma forma de racismo. Mas, ao fazê-lo, não se entende que os racistas acreditam na existência de raças no plural (branca, negra, judia etc.), enquanto os antirracistas denominam a raça no singular, para denunciar o mecanismo social de atribuição a uma diferença hierarquizada (o racialização). Em 2018, os deputados votaram por unanimidade a proposta de eliminação a palavra "raça" da Constituição, onde aparece, na realidade, para combater o racismo ("sem distinção de raça"). É como se, na França, a luta fosse contra a palavra e não contra a coisa em si.
O problema não é tanto saber quantos policiais são realmente racistas; é um fato observado inclusive pelo Defensor dos Direitos que jovens negros ou árabes são controlados pela polícia vinte vezes mais do que brancos - com todos os riscos de abuso que conhecemos. Portanto, para entender o racismo, como o sexismo, é preciso partir do ponto de vista daquelas e daqueles que o sofrem. Quando a cantora Camélia Jordana tem a coragem de falar do medo "dos homens e das mulheres que vão trabalhar todas as manhãs no banlieue e são massacrados por nenhuma outra razão senão a cor de sua pele", o Ministro do Interior a castiga: "a liberdade do debate público não permite dizer qualquer coisa".
Ainda existe uma recusa em nomear o racismo sistemático, uma lógica social que não se reduz às intenções ou ideologias racistas, mas se mede por seus efeitos. O ministro da Justiça de Donald Trump, William P. Barr, pensa que "não exista um racismo sistemático no regime policial". Mas ele próprio acabará concordando: "devemos reconhecer que nossas instituições foram explicitamente racistas durante a maior parte de nossa história" ... Podemos também dizer que ainda o são implicitamente.
Certamente, ainda não eliminamos o racismo, e o mesmo vale para o sexismo. O fim da exceção racial e sexual, no entanto, significa que ambos deixaram de ser dados como certos e aceitos implicitamente: questões políticas estão expostas. Na França, estamos assistindo a uma escolha da sociedade. Podemos continuar reivindicando a exceção racial, ou sexual, em nome de uma cultura republicana que nos define a partir da exclusão de uma parte de nós? Ou chegou a hora de declarar que o universalismo não admite exceções? A República é uma singularidade nacional ou também deve se inscrever em uma lógica democrática comum? Essa é a questão da democracia, racial ou sexual: a coisa e não a palavra.
[1] O texto foi publicado em 10 de junho no Libération, tradução do francês de Massimo Prearo.
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A exceção racial não tem mais casa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU