10 Junho 2020
"O amor à igreja como corpo terreno do Ressuscitado não deve ficar cego diante do fato de ser também uma realidade humana, que não pode prescindir de formas de poder. Elas continuam sendo tais, mesmo que pretendam se colocar a serviço da comunidade. Demonizá-las não tem nenhum sentido. Nenhum corpo social pode viver sem autoridade, que deve ter ferramentas para ser eficaz. Esse é o "poder" na igreja", escreve Fulvio Ferrario, teólogo italiano e decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, em artigo publicado por Riforma, semanal de 12-06-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma premissa: essas considerações não pretendem comentar de forma alguma a dolorosa história que envolve a Comunidade de Bose e seu fundador, Enzo Bianchi.
Esta última é apenas a ocasião. Os fatos são conhecidos: após dificuldades internas ao mosteiro, o Vaticano interveio, a pedido da própria comunidade, e decidiu, com um decreto "inapelável", o afastamento de Bianchi e de outras três pessoas de Bose.
Entre as inúmeras reações, fiquei impressionado com aquela do jesuíta Bartolomeo Sorge, diretor da La Civiltà Cattolica por anos, depois do Instituto de Educação Política "Pedro Arrupe" de Palermo. Sorge convida Bianchi a "aceitar com amor o sofrimento da prova", porque "a cruz se aceita mesmo sem entender os motivos"; "Quando a Igreja intervém, beijamos a mão da Igreja que é nossa mãe"; "os golpes recebidos são a autenticação da obra de Deus" (cito um artigo de Luciano Moia no Avvenire de 29 de maio). Essa linguagem não é nova, naturalmente: uma obediência desse tipo foi solicitada e muitas vezes obtida inúmeras vezes na história recente do catolicismo. Muitas vezes, quem golpeava citava a obediência dos golpeados do passado (por exemplo, Chenu, Congar, Mazzolari e inúmeros outros) como um exemplo para as vítimas mais recentes (Küng, Schillebeeckx, Boff, etc.).
Como pessoa de fé evangélica, estou impressionado.
Penso que seria um erro grave descartar essa atitude espiritual em nome, sei lá, da liberdade evangélica ou, ainda menos adequadamente, da democracia ou dos direitos do ser humano.
Discursos como os do padre Sorge não são fáceis e demonstram um amor pela igreja e um respeito por sua autoridade que deveriam fazer refletir a fé protestante. Quantas vezes tratamos a igreja como uma simples associação, de preferência anárquica, e nos mostramos completamente incapazes de entender o sentido do exercício da autoridade na comunidade cristã. Algumas citações tomadas superficialmente de Lutero ou de algum outro são suficientes para transformar nossa suposta consciência no tribunal (este também inapelável, como a cúria romana!) do qual a nossa obra depende e, se conseguirmos, também aquela da comunidade. Usada em relação à igreja e àqueles que têm a tarefa de dirigi-la, uma palavra como "obediência" parece-nos não apenas estranha, mas repugnante: e falo inclusive de mim mesmo. De um certo ponto de vista, as palavras de Bartolomeo Sorge merecem ser meditadas em oração.
Não basta dizer (ainda que com razão): aquela evangélica é uma verdadeira igreja. Também devemos pensar, sentir, viver a igreja e, nela, a autoridade.
Dito isto, não consigo afastar, diante desse sentimento católico, uma impressão de sublimação mística da obediência que me inquieta pelo menos tanto quanto as tendências anarquizantes no âmbito evangélico. Os aspectos de perplexidade são diferentes e variam da naturalidade no uso da linguagem da "cruz" (que, na minha opinião, seria, precisamente nesse contexto, problematizado), ao imaginário de "beijar a mão" que dá um tapa. Não sendo possível, no entanto, entrar em detalhes aqui, concentro-me no ponto principal.
O amor à igreja como corpo terreno do Ressuscitado (quem fica escandalizado com essas expressões, saiba que são de Ernst Käsemann, alguém que não precisa de lições de protestantismo nem de crítica bíblica) não deve ficar cego diante do fato de ser também uma realidade humana, que não pode prescindir de formas de poder. Elas continuam sendo tais, mesmo que pretendam se colocar a serviço da comunidade. Demonizá-las não tem nenhum sentido. Nenhum corpo social pode viver sem autoridade, que deve ter ferramentas para ser eficaz. Esse é o "poder" na igreja.
Se as formas de seu exercício, no entanto, em vez de serem analisadas criticamente, são transfiguradas em uma mística da igreja, que identifica de modo direto à autoridade com o próprio Cristo, a omelete está feita. O poder não apenas escapa ao controle da comunidade, mas também resulta diretamente divinizado e ordena obediência a si mesmo, identificando-se com Cristo; com isso, coloca-se, em linha de princípio, acima de toda crítica, que é rotulada como rebelião maligna contra a própria "mãe". Tudo isso, como pode ser conferido com facilidade, pressupõe a identificação seca, apesar de qualquer defesa apaixonada da tese contrária, entre igreja e autoridade eclesiástica. Se a dimensão humana da igreja resulta (para falar muito, mas muito prudentemente) subestimada nessa maneira, isso inibe uma análise sem preconceitos das dinâmicas do poder nela operantes, com consequências de enorme relevância.
Acredito que ser protestante significa distanciar-se não apenas de tais efeitos, mas também de suas causas, assumindo os riscos, geralmente não pequenos, que isso comporta.
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A autoridade na igreja, as formas e os riscos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU