02 Mai 2020
"Não se trata de estabelecer um princípio absoluto, menos ainda de definir uma política a ser adotada indiscriminadamente, como se alguns grupos pudessem ser considerados, pela idade, como 'descartáveis'. Todos têm direito à vida: não se trata de um bem quantificável, que uns teriam mais e outros menos", escreve Lucia Ribeiro, socióloga.
Ontem me deparei com uma notícia que me tocou profundamente. Há poucos dias atrás, em Bergamo, na Itália, um sacerdote, já idoso, foi contaminado pelo coronavírus. Seus paroquianos se juntaram para comprar-lhe um respirador. Ele, entretanto, recusou, preferindo que este fosse utilizado por um paciente mais jovem. Consequentemente, faleceu logo depois.
Na realidade, desde que a pandemia começou a se alastrar, comecei a me questionar, sabendo que muitos países – sobretudo os do chamado Terceiro Mundo – com um sistema de saúde precário, não teriam meios suficientes para enfrentar esta terrível situação. E fiquei pensando em nosso papel como idosos. Desde o início somos considerados como grupo de risco, e portanto objeto de cuidados especiais. Mas no momento em que escasseiam leitos de UTI, medicamentos e respiradores, tal situação não deveria se inverter? não deveríamos ser nós, os mais velhos, a dar preferência aos mais jovens? É simplesmente uma questão do tempo já vivido ou ainda por viver...
Não se trata de estabelecer um princípio absoluto, menos ainda de definir uma política a ser adotada indiscriminadamente, como se alguns grupos pudessem ser considerados, pela idade, como “descartáveis”. Todos têm direito à vida: não se trata de um bem quantificável, que uns teriam mais e outros menos.
Aqui, trata-se de uma opção pessoal, livre e intransferível, do idoso. Que normalmente se dá dentro de um contexto familiar, que a condiciona. Mas que expressa basicamente a liberdade de cada pessoa. E parece-me importante, neste momento absolutamente excepcional que estamos vivendo, que nós, idosos, saibamos reconhecer a realidade que nos cerca: se a situação concreta se apresentar, saibamos ter o discernimento para definir prioridades e nos preparar para ter a generosidade – e a coragem! – de ceder nosso lugar ao mais jovem, que tem a vida pela frente.
No mundo cristão, acabamos de celebrar a Páscoa, lembrando que Cristo ofereceu sua vida pela salvação de todos nós. “Forma de amor maior não há, que doar a vida pelo irmão”. Que São Berardelli – que já o é, já que seu gesto esvazia a necessidade de qualquer processo de canonização burocrático - nos dê lucidez para reconhecer a oportunidade que pode vir a nos tocar e nos dê coragem para enfrentá-la!
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A opção dos idosos, em tempos de coronavírus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU