17 Abril 2020
Tomé conquistou para nós um direito não menos importante a duvidar ou, pelo menos, a ter perplexidade: de fato, Jesus não o repreende, mas lhe oferece a possibilidade de se tornar fiel.
O comentário é de Stefania Monti, biblista e capuchinha clarissa italiana do Convento de Fiera di Primiero, em artigo publicado por Il Regno, 16-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O aramaico “thomas” significa “gêmeo”, e também o grego “didymos” significa “gêmeo” – é, portanto, a sua tradução. Há, então, a dúvida de que não se trate de um nome de verdade apenas duplicado, ainda mais que o texto não especifica de quem ele é gêmeo, enquanto, em outras ocasiões, esclarece-se a vínculo entre irmãos (cf. por exemplo, Jo 1,40).
Sendo assim, pode-se pensar, com todas as devidas cautelas, que, com essa denominação, quer-se indicar um tipo de apóstolo, um apóstolo com certas características, sem identificar uma pessoa específica, um pouco como ocorre com o discípulo amado.
E quais seriam as características do apóstolo-gêmeo, senão as de uma personalidade geminada, levada a se interrogar e a interrogar, não desprovida de dúvidas e talvez até de contradições, e, mesmo assim, profundamente corajosa e leal, disposta à fé e à profissão de fé?
Percorrendo as diversas ocorrências do nome “thomas”, que aparece 12 vezes ao todo no Novo Testamento, seis delas estão em João (cf. 11.16; 14,5; 20,24; 20,26; 20,28; 21,2); destas, três também têm “didymos”.
Por outro lado, as ocorrências se tornam mais densas nos dois últimos relatos das aparições do Ressuscitado, para dizer que ali está o núcleo de tudo, especialmente do personagem.
Do primeiro deles, Tomé é o protagonista. O relato se articula em dois momentos: primeiro, o Gêmeo está ausente, sem que seja especificado o porquê. Provavelmente, ele não tem medo quanto os outros e foi dar uma volta para ver a situação. No entanto, trata-se de uma ausência estranha, que pediria para ser justificada, já que o grupo dos 11, depois de irem embora do Calvário, parece sempre coeso, inclusive para se defender.
Na realidade, o Gêmeo não parece ser um homem medroso demais, dada a coragem um tanto pretensiosa com a qual ele se expõe em Jo 11,16.
Nessa primeira cena, ausente o Gêmeo, Jesus aparece de repente, saúda os seus com a saudação cotidiana usada pelos judeus, “shalom ‘alekem”, e, sem dizer mais nada, mostra as suas feridas. Essa linguagem parece muito eloquente para os 11, que não se expressam de outro modo senão com uma alegria silenciosa.
Jesus repete a saudação, atribui uma tarefa aos seus e os regenera com o seu sopro (cf. Gn 2,7), tudo ainda no silêncio por parte dos apóstolos.
Finalmente, no versículo 24, diz-se que o Gêmeo não está. Quando ele volta e é posto a par da aparição de Jesus, ele não se separa do grupo, como ocorreria com qualquer um que se considerasse enganado por algo que lhe cabe e se sentisse ofendido.
O Gêmeo permanece ligado à comunidade na qual, para o bem ou para o mal, ele se reconhece, e o próprio Jesus lhe reconhecerá o direito não apenas da constatação ocular, mas também da constatação tátil com três imperativos (phere... ide... phere, 20,27).
A única palavra da parte humana em todo esse segundo episódio vem do Gêmeo e é uma profissão de fé explícita e forte (cf. 20,28). Ele reconhece Jesus como Senhor (kyrios) e Deus (theos), mas ambos os termos têm o artigo determinativo, quase para dissipar dúvidas e ambiguidades.
O encontro se conclui com um macarismo, uma bem-aventurança, da qual deveríamos ser gratos ao Gêmeo. Segundo alguns, também poderia ser referido ao Discípulo amado (cf. Jo 20,6.8-9), mas o encontramos em outra forma em 1Pd 1,8-9: “Vocês nunca viram Jesus e, apesar disso, o amam; não o veem, mas acreditam. E por isso sentem alegria extraordinária e gloriosa, porque alcançam a meta da fé, que é a salvação de vocês”.
A importância de crer-sem-ver não é apenas fundadora da vida da Igreja, mas é também compartilhamento da alegria sentida pelos apóstolos no primeiro encontro com Jesus. Ela equivale a uma continuidade de experiência, e o Gêmeo, que quase teve a pretensão de experimentar as feridas do Ressuscitado, apenas para depois renunciar a isso, conquistou para nós uma bem-aventurança.
Ele também conquistou para nós um direito não menos importante a duvidar ou, pelo menos, a ter perplexidade: de fato, Jesus não o repreende, mas lhe oferece a possibilidade de se tornar fiel. Em grego, basta tirar um simples “a” privativo, para passar de “apistos” para “pistos”: quase como que dizendo que a passagem da incredulidade à fé também pode ser uma pequena coisa.
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Tomé, aquele que se faz perguntas. Artigo de Stefania Monti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU