19 Dezembro 2019
Mercado de carbono é um dos principais mecanismos previstos pelo Acordo de Paris em 2015. Problema é que ainda não foi definido como o comércio dos ‘créditos’ vai funcionar.
A reportagem é de Filipe Domingues, publicada por G1, 17-12-2019.
Um dos temas que travaram as negociações na conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU) em Madri, a COP 25, foi apelidado de “dupla contagem” no mercado de carbono.
O Acordo de Paris, assinado em 2015, prevê uma série de mecanismos para a cooperação internacional e visa à redução das emissões de gases do efeito estufa. O mercado de carbono é um dos principais – conforme o artigo 6 do acordo. A COP 25 não conseguiu esclarecer essa regra, e adiou as decisões para 2020.
Nesse mercado, um país que emite menos gases ganha créditos de carbono, que podem ser vendidos para os países que emitem mais. Há um comércio de “créditos” entre os países, e também empresas. Esses mercados já existem, mas ainda falta uma regulamentação comum para que eles se tornem um instrumento mais eficiente.
Se no passado havia a ideia de que os créditos de carbono eram uma espécie de “prêmio em dinheiro” para o país que conseguisse manter baixas suas emissões de gases do efeito estufa, agora prevalece a noção de que eles são nada mais do que uma base de troca: quem economiza em emissões e vende seus créditos de carbono, na verdade teria que contabilizar como suas as emissões do outro.
Caso contrário, haverá dupla contagem. O problema é que tanto países que geram créditos quanto os que compram querem o mérito por reduzirem suas emissões. Ou seja, debitar essa redução de suas metas de emissões. Se os dois registram isso nos seus inventários, dá-se uma dupla contagem no saldo global de emissões.
Um exemplo “As contas não vão bater. Tem que harmonizar uma série de coisas entre os países para evitar a dupla contagem”, afirma Shigueo Watanabe, pesquisador do ClimaInfo.
Ele menciona como exemplo uma empresa de cimento no Brasil que vende os créditos de carbono que lhe sobraram para outra empresa na França.
“Quando ela vende o crédito equivalente a X ela passa a ter que declarar que emitiu esses X [e não mais que deixou de emiti-lo]. É como se ela tivesse emitido aquele total e isso entra no inventário dela”, explica.
Nessa lógica, o Brasil teria que somar ao seu inventário de emissões aquelas que se referem aos créditos de carbono que vender para outros países, como os europeus. E é justamente isso que o país não quer fazer.
No fundo, a ideia do mercado de carbono é olhar para as emissões no saldo global, e não apenas os países individualmente: é preciso um esforço coletivo para que o mundo possa atingir a meta de manter o aumento das temperaturas globais abaixo de 1,5ºC até o fim do século – em relação aos níveis pré-industriais.
Mas a dúvida que resta é: qual dos dois países leva o mérito por ter reduzido as suas emissões? O vendedor ou o comprador? Se, no saldo global, os dois registrarem ter cortado emissões, haverá a chamada dupla contagem.
Por um lado, o país vendedor, que gerou créditos de carbono, emitiu menos gases estufa do que sua meta. Fez a “lição de casa” e, por isso, tem créditos no mercado. A rigor, o dinheiro arrecadado deveria ser usado em ações de preservação da natureza, transição energética e adaptação às mudanças climáticas.
Por outro lado, o país comprador, que adquire os créditos, o faz justamente para compensar suas altas emissões.
“O ponto mais controverso do artigo 6 na COP 25 foi a questão da dupla contagem”, afirma Karen Oliveira, gerente de Infraestrutura na ONG “The Nature Conservancy” Brasil (TNC).
“Como ficam os inventários nacionais para o país que está recebendo e para o país que cedendo crédito? Se ambos declararem que houve redução, você vai ter uma dupla contagem. É esse consenso a que precisam chegar”, diz.
As negociações da COP 25 ficaram travadas nesse ponto. Entre outros motivos, porque alguns países vendedores de créditos, como o Brasil, não querem perder o mérito em “redução de emissões”. Diversas formas de cálculos para a comercialização dos créditos de carbono estavam nas negociações.
E o Brasil também teme que a venda de créditos acabe se tornando uma desculpa para que países ricos não reduzam suas emissões: em vez de fazerem novos esforços e uma transição para energias mais limpas, os países poluidores poderiam continuar com altas emissões e simplesmente pagar para os mais pobres.
Já alguns países que são grandes compradores, como os da União Europeia, dizem que “preferem não ter acordo do que ter um acordo ruim” a respeito da dupla contagem, no artigo 6 do Acordo de Paris. Eles avaliam não ser possível um país ter os créditos para vender e, ao mesmo tempo, poder debitar isso de suas metas de emissão.
Essa indefinição impediu que se chegassem a consensos sobre o artigo 6.
De acordo com o Observatório do Clima, o grande desafio é justamente assegurar que a contabilidade do carbono transacionado nesse mercado reflita exatamente o que foi emitido e removido da atmosfera.
“É preciso evitar a dupla contagem, pois uma mesma redução de emissão não pode ser descontada das metas do país que comprou e do que vendeu”, afirma o Observatório, em comunicado sobre a COP 25.
Outro risco de dupla contagem é que o mesmo país possa vender os mesmos créditos mais de uma vez: quando uma empresa vende para outra, no setor privado, resta a dúvida se esses créditos também são contabilizados para os respectivos países.
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O que é a ‘dupla contagem de carbono’, tema de impasse nas negociações da COP 25 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU