04 Dezembro 2019
Fazenda Estrondo, que produz soja no Cerrado à base de desmatamento e desrespeito aos direitos de comunidades, tem portas abertas para seus produtos no mercado internacional.
A reportagem é publicada por Greenpeace, 03-12-2019.
Grandes empresas do mundo se comprometeram a não comprar de fornecedores envolvidos com o desmatamento e violações aos direitos de populações tradicionais. Mas não é o que vem acontecendo na prática com os produtos vindos do Cerrado brasileiro, onde empresas como a Agronegócio Condomínio Cachoeira do Estrondo, no município de Formosa do Rio Preto na Bahia, continuam encontrando as portas do mercado abertas para seus produtos, mesmo com um longo histórico de irregularidades. É o que denuncia o relatório “Cultivando Violência”, lançado hoje (3) pelo Greenpeace.
Os problemas relacionados ao desmatamento e direitos humanos dessa propriedade são bem conhecidos, já tendo sido abordados muitas vezes pela mídia brasileira, movimentos sociais e pelo próprio Greenpeace – falamos sobre ela no relatório Contagem Regressiva para a Extinção. Mas há alguns meses pudemos vivenciar “na pele” a violência a que comunidades tradicionais são submetidas diariamente.
Parte das terras ocupadas pela Estrondo foram reconhecidas pela Justiça como pertencente às comunidades tradicionais de geraizeiros, que habitam a região há cerca de 200 anos. Por conta desta disputa, os moradores locais têm sofrido frequentemente intimidações e ameaças. Em maio, o Greenpeace presenciou uma destas situações, quando homens fortemente armados chegaram à uma das comunidades e mantiveram os moradores, além de uma equipe de reportagem alemã, sob a mira de fuzis por cerca de duas horas.
Os homens exigiram entrar nas residências sem apresentar qualquer tipo de mandado judicial ou identificação. Mas este não foi um caso isolado. Dois moradores das comunidades já foram baleados por seguranças da fazenda e os episódios de intimidações estão cada vez mais frequentes. “As reações violentas da Estrondo são, normalmente, ligadas ao calendário da Justiça. Se eles perdem uma ação legal, eles tendem a agir mais violentamente contra os moradores”, observa Maurício Corrêa, membro da Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR) que presta apoio aos geraizeiros.
A Estrondo tem um histórico notório, que inclui desde acusações por apropriação de terras – registradas no Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil, do Incra -, uso de mão de obra escrava à fraudes em licenças para desmatamento. Além das tensões existentes sobre os direitos e controle do uso da terra, a fazenda acaba de ter renovada uma licença de desmatamento que concede à Delfin Rio S/A – Crédito Imobiliário, principal holding da Estrondo – quatro anos para desmatar quase 25.000 hectares de Cerrado, uma área em grande parte coberta por vegetação natural, equivalente à 35700 campos de futebol.
Enquanto alguns produtores vêm realmente trabalhando para tirar o desmatamento e problemas sociais de suas cadeias de produção, fazendas como a Estrondo insistem em manter sua forma de produzir “a qualquer custo”, desmatando ainda mais o Cerrado e avançando de forma violenta sobre o território das comunidades. Empreendimentos como este deveriam encontrar as portas do mercado fechadas para sua soja.
Apesar de possuírem políticas corporativas para evitar desmatamento em suas cadeias, Cargill e Bunge, duas gigantes do mercado de importação/exportação de grãos, possuem silos dentro da mega-fazenda e são responsáveis por colocar no mercado internacional toneladas de soja produzida à base de desmatamento e violência pela Estrondo.
Bunge e Cargill devem interromper imediatamente qualquer relação comercial com o Condomínio Estrondo, até que os direitos das comunidades sejam reconhecidos e qualquer plano de novos desmatamentos seja abandonado.
Empresas, governos e a Justiça devem promover o reconhecimento oficial das terras das comunidades geraizeiras, garantindo sua segurança, o fim da violência e realizar a remoção da infraestrutura construída pela Estrondo, para que os moradores possam exercer livremente seu direito ao uso da terra tradicionalmente ocupada por seus ancestrais.
Divulgado em setembro de 2017 por diversas organizações da sociedade civil, incluindo o Greenpeace, o Manifesto em defesa do Cerrado já clamava para que empresas e investidores ligados à soja ou gado no bioma tomassem medidas para tirar o desmatamento do Cerrado de suas cadeias produtivas. Mas de lá para cá nenhuma ação concreta foi implementada, apesar do Manifesto ter sido apoiado por mais de 125 empresas internacionais e investidores.
Observando o contexto atual, de redução de governança no Brasil, onde a destruição ambiental e violência contra comunidades tradicionais vêm aumentando, é ainda mais importante que o setor privado e as traders que atuam no Cerrado tomem uma posição.
“Mesmo perante a destruição ambiental, ameaças às comunidades e escalada de violência, as empresas não têm ações concretas para endereçar os impactos socioambientais da soja no Cerrado”, afirma Cristiane Mazzetti, da campanha Amazônia do Greenpeace. “Neste contexto de falta de governança que se instalou no Brasil, é fundamental que o setor privado se posicione e pare imediatamente de negociar com desmatadores e áreas sob conflito, protegendo assim o Cerrado e as pessoas que nele vivem”, completa.
Ou seja, as empresas que usam commodities com risco de desmatamento devem limitar-se a comercializar apenas o que podem demonstrar publicamente como não proveniente de destruição de ecossistemas ou violações de direitos humanos. Diante da emergência climática e escalada da violência contra as pessoas, o silêncio das empresas é inaceitável.
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Cultivando violência: licença para desmatar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU