14 Outubro 2019
Relatório indica que empregos temporários e exposição a venenos são práticas comuns entre fruticultores.
O artigo é de Rôney Rodrigues, jornalista formado da Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru), publicado por Outras Palavras, 10-10-2019.
Relatório aponta: produção de frutas é bilionária, mas superexplora trabalhadores no Nordeste. Empregos temporários e exposição a venenos são práticas comuns. Redes como Carrefour e Pão de Açúcar fazem vista grossa às violações…
As frutas que chegam à mesa de milhões de brasileiros — e são exportadas para diversos países — podem ter uma sórdida origem: a superexploração do trabalho no Nordeste, grande polo desse cultivo no país. Apontado como o terceiro maior produtor de frutas do mundo, gera cerca de R$ 40 bilhões por ano. De acordo com a pesquisa Produção Agrícola Municipal (PAM) de 2017, realizada pelo IBGE, o Brasil não garante salários e condições dignas a grande parte dos trabalhadores que estão no campo plantando e colhendo. Para agravar a situação, as grandes redes de supermercado, principais compradoras da produção frutífera, fazem vista grossa às violações trabalhistas de seus fornecedores.
É o que aponta o relatório Frutas Doces, Vidas Amargas, lançado nessa quinta-feira (10/10) pela Oxfam Brasil. Foram analisadas as cadeias produtivas de três importantes frutas no Nordeste: melão, uva e manga, que empregam cerca de 88 mil pessoas. Embora a fruticultura seja celebrada como moderna atividade econômica e geradora de empregos no semiárido brasileiro, seus trabalhadores estão entre os 20% mais pobre do Brasil.
“Nosso relatório revela o sofrimento de muitas famílias e as desigualdades na cadeia de produção e venda das frutas brasileiras, do campo aos supermercados”, afirma Gustavo Ferroni, coordenador político da área de Setor Privado, Direitos Humanos e Desigualdades da Oxfam Brasil, e responsável pelo relatório.
Os trabalhadores dessa área vivem, em geral, sob constante ameaça de contaminação por agrotóxicos, não têm condições básicas de segurança e subsistência, mal têm o que comer e penam com a injusta diferença na remuneração entre homens e mulheres. Metade deles, “safristas”, são empregados apenas seis meses ao ano e, depois, demitidos. A renda mensal dessa modalidade intermitente de trabalho não ultrapassa os R$ 700, valor abaixo ao salário mínimo brasileiro atual, fixado em R$ 998, e irrisório quando se trata de sustentar uma família de quatro pessoas, como é o caso da maioria desses trabalhadores.
Além disso, o relatório aponta que essas culturas frutíferas pouco ou nada impactam no desenvolvimento local. Dos 20 municípios que mais produzem manga, por exemplo, considerando apenas os 11 localizados no Nordeste, área abordada pela pesquisa, nenhum possui Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm) superior à média nacional. Cinco deles têm o IDHm considerado baixo e, nos outros seis, mediano.
“O argumento de que qualquer emprego é melhor que nenhum emprego coloca sobre os trabalhadores o peso de aceitarem qualquer condição de trabalho e exime setores econômicos de suas responsabilidades. Isso não é justo. A cadeia das frutas gera riqueza e é necessário que essa riqueza seja mais bem distribuída”, afirma Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil. “As pessoas que estão colhendo as frutas que chegam às nossas mesas têm o direito a ter uma vida digna. E os supermercados têm o dever e a responsabilidade de ajudar a mudar esse preocupante cenário que estamos apontando”, conclui ela.
As maiores redes de supermercados do Brasil, Carrefour, Pão de Açúcar e Grupo Big (ex-WalMart Brasil), detêm 46,6% do mercado atacadista do país, e são as grandes beneficiárias desses produtos gerados com o sofrimento de dezenas de milhares de pessoas. A Oxfam Brasil analisou políticas e relatórios disponibilizados publicamente por essas três empresas e concluiu que, caso fosse de seu interesse, elas poderiam incidir na produção para garantir melhores condições de trabalho das empresas fornecedoras de frutas.
Um dos primeiros passos seria fiscalizar, em suas diligências, se há violações da legislação trabalhista e salários dignos – e nortear a compra da produção a esses critérios. Outro ponto importante seria avançar na transparência: embora haja uma tendência a essa responsabilização sobre as cadeias produtivas, por meio da divulgação dos fornecedores da fazenda até a loja, os supermercados devem assumir essa prática corporativa não apenas para seus produtos.
A Oxfam Brasil organiza, em sua página, uma petição pedindo para que esses supermercados liderem mudanças que possam dar mais dignidade à vida das pessoas que trabalham no plantio, colheita e processamento das frutas. “Esses supermercados têm poder de negociação na cadeia da fruticultura brasileira e, por essa razão, podem exigir de seus fornecedores uma maior transparência em cada etapa da produção dos alimentos que vendem”, afirma Gustavo Ferroni.
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O amargo sabor da fruticultura brasileira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU