"Mas no processo histórico mais amplo teremos de sair de uma posição reativa e por tanto defensiva, para uma atitude propositiva, onde o eixo não podem ser as trapalhadas do ex-capitão, seus familiares e seguidores", escreve Luiz Alberto Gomez de Souza, sociólogo.
Diz com argúcia Luís Fernando Veríssimo: “Comecei em Maquiavel e Gramsci e acabei em Bolsonaro. Chega. ... eu quero ter a liberdade de mudar de assunto... Chamar a atenção sobre as barbaridades que ele diz só o encoraja”.
O presidente proclama não ter estratégia nas bobagens que destila cada dia. Claro que tem. Com isso permanece no centro das atenções. “Falem mal de mim, mas falem”. Porque não fazer uma greve e esquecer suas tolices diárias? Bolsonaro falou? Sem comentários.
Paro para pensar. Não entro em contradição comigo mesmo quando, em texto de dias atrás, fui tão enfático?
“O teor das declarações de Bolsonaro indica uma mente doentia e vingativa (no caso de insinuações sobre o desaparecimento do filho do presidente da OAB, Fernando Santa Cruz)... esse cidadão deveria ser considerado insano e perder o mandato de presidente... ou ser declarado participante ou cúmplice de um crime da ditadura e por isso também destituído”.
Não nego ser sido tomado de irrefreável indignação, ainda que num momento ambíguo de perigosa polarização. Em certos casos isso é preferível a uma asséptica e morna tomada de posição. Desde que não se transforme num hábito que retroalimente um clima de antagonismos petrificados.
No tempo em que escrevi, abria-se uma perspectiva de possível destituição do presidente e não era possível ficar omisso, nem pôr panos quentes.
É verdade que muitas vezes posso ser contundente devido a minha herança castelhana. Como em Antonio Machado, “hay en mis venas gotas de sangre jacobina”. E a tentação de bradar como o Quijote para seu pacífico escudeiro, à vista de “desaforados gigantes” disfarçados em moinhos de vento: “Si tienes miedo, quítate de ahí ... que yo voy a entrar con ellos en fiera y desigual batalla”.
Pintura de Johann Baptist Zwecker, Don Quijote, 1854. (Foto: Wikimedia Commons)
Mas no processo histórico mais amplo teremos de sair de uma posição reativa e por tanto defensiva, para uma atitude propositiva, onde o eixo não podem ser as trapalhadas do ex-capitão, seus familiares e seguidores.
Faustino Teixeira (Foto: Arquivo Pessoal)
Esqueçamos figurantes menores de pés de barro, que uma hábil manipulação na mídia os faz aparecer agigantados. Declarações recentes de Luiza Erundina e de Fernando Haddad estão apontando para a indispensável criação de um consenso nacional, popular e democrático por parte de forças progressistas. E tudo num clima ético e positivo.
Faustino Teixeira vai descobrir em Lula uma postura sadia: “Das coisas que me chamam a atenção em sua experiência na prisão é sua busca reiterada por não deixar o ódio tomar conta de seu coração”.
Ex-Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva (Foto: Delcídio do Amaral | Flickr CC)
E lemos em Guimarães Rosa, que o mesmo Faustino nos vem ensinando a reler: “a gente carece de fingir às vezes que raiva tem, mas raiva mesma nunca se deve de tolerar de ter. Porque, quando se curte raiva de alguém, é a mesma coisa que autorizar que essa própria pessoa passe durante o tempo governando a ideia e o sentir da gente”.
Capa do livro "Grande Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa