27 Mai 2019
Nos Estados Unidos, o debate político neste momento está dominado pela disputa democrata para enfrentar o presidente Donald Trump em 2020, enquanto aqueles que vivem na Europa estão focados nas eleições para o próximo Parlamento Europeu, que se encerram nesse domingo, e em que medida os populistas anti-imigrantes podem aumentar o seu peso no Velho Continente.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 26-05-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No entanto, a notícia política mais importante da semana passada não veio de qualquer lugar do Ocidente, mas sim da Índia, onde o primeiro-ministro, Narendra Modi, obliterou sua oposição e varreu a reeleição na maior democracia do mundo.
Modi surfou uma onda de nacionalismo desencadeada por um atentado suicida de meados de fevereiro em que militantes paquistaneses mataram 40 agentes de segurança da Índia, seguidos por ataques aéreos recíprocos entre ambos os países contra o território um do outro. O BJP, junto com partidos aliados, conquistou 353 cadeiras no Parlamento, abrindo caminho para que Modi se tornasse o primeiro primeiro-ministro em décadas a voltar ao governo com uma maioria ainda mais forte depois de completar todo o seu mandato.
Esse é um desdobramento notável por todos os tipos de razões, mas, visto através de uma lente cristã, levanta questões prementes sobre o futuro das minorias religiosas em uma das superpotências emergentes do mundo.
O histórico de Modi é como líder no Rashtriya Swayamsevak Sangh, ou RSS, um grupo nacionalista hindu de direita, e mais tarde como uma estrela em ascensão no Partido Bharatiya Janata, ou BJP, que é a ala política do RSS. Com efeito, Modi é o Donald Trump da Índia – ele apela para uma mentalidade “Índia para indianos”, identificando, em parte, ser indiano com o hinduísmo.
Por extensão, os grupos minoritários são denominados, em maior ou menor grau, como “não indianos”, tolerados nos bons momentos e ativamente perseguidos nos maus.
Hoje, as falhas geográficas da Índia são cada vez mais definidas por uma força para a qual o país inventou um novo jargão político: “açafronização” [saffronization]. O açafrão é a cor das vestes usadas pelos sábios hindus, então o termo “açafronização” foi cunhado para significar um impulso para promover valores e práticas hindus, até mesmo para lhes dar a força da lei, resultando naquilo que os críticos veem virtualmente como uma versão hindu da sharia do Islã.
Embora todas as minorias estejam potencialmente em risco no rastro do triunfo de Modi, vou me concentrar aqui no que isso significa para a pequena comunidade cristã do país, que já enfrentou ameaças severas.
O Estado de Orissa, no nordeste da Índia, na região de Kandhamal, foi palco do mais violento pogrom anticristão do início do século XXI. Em 2008, uma série de tumultos terminou com cerca de 500 cristãos mortos, muitos deles mortos à força por radicais hindus que empunhavam facões, outros milhares ficaram feridos, e pelo menos 50 mil ficaram desabrigados.
Muitos cristãos fugiram para campos de deslocados preparados às pressas, onde alguns definharam por dois anos ou mais. Estima-se que 5.000 lares cristãos, junto com 350 igrejas e escolas, foram destruídos. Uma freira católica, a Ir. Meena Barwa, foi estuprada durante o caos, depois foi forçada a marchar nua e foi espancada. Policiais simpatizantes dos radicais desencorajaram a freira a fazer uma denúncia e, depois, hesitaram em prender seus agressores.
O pogrom de Orissa é apenas o exemplo mais espetacular da violência anticristã na Índia. Uma investigação realizada por um juiz do tribunal superior do Estado de Karnataka, em março de 2010, constatou que os cristãos no Estado enfrentaram mais de 1.000 ataques a cada 500 dias, ou seja, uma média de dois por dia, e isso foi há quase uma década.
Mais recentemente, em junho de 2018, cinco mulheres cristãs entre 20 e 35 anos estavam encenando uma peça de rua em Jharkhand, no leste da Índia, quando foram sequestradas e depois estupradas em grupo em uma floresta. A polícia, que, no fim, investigou o caso, afirmou que o ataque teria sido filmado em celulares.
Em certos Estados indianos, principalmente aqueles controlados pelo BJP e seus aliados, há denúncias crônicas de que a polícia e os promotores demoram a investigar os crimes cometidos contra cristãos por radicais hindus. Os radicais hindus frequentemente realizam cerimônias massivas de “reconversão” em áreas rurais nas quais os cristãos são efetivamente obrigados a adotar o hinduísmo, e esses eventos frequentemente são organizados em cooperação com a polícia local e as autoridades de segurança.
Desde que Modi chegou ao poder em 2014, os ataques contra cristãos e outras minorias se aceleraram. O Open Doors, um observatório da perseguição anticristã, atualmente coloca a Índia na 10ª posição do mundo em termos das ameaças que ela representa.
A emergência da Índia como um campo de batalha central na guerra global contra os cristãos é especialmente trágica, dadas as grandes aspirações nacionais da Índia à democracia e à tolerância religiosa. Embora os cristãos sejam apenas 2,3 % da população, eles desfrutam de um nível de visibilidade e respeito incomparáveis, em parte porque administram muitas das melhores escolas, hospitais e centros de serviço social do país.
Quando a Madre Teresa, icônica figura católica, morreu em 1997, ela foi premiada com um funeral de Estado completo. A carruagem que transportou o seu corpo era a mesma que havia usada para levar o pai fundador da Índia, Mohandas K. Gandhi, e Jawaharlal Nehru, o primeiro primeiro-ministro do país, a suas cremações. É difícil imaginar muitas outras sociedades majoritariamente não cristãs nas quais uma cristã receberia esse tipo de tratamento.
Neste momento, é difícil imaginar que um legado como esse significaria muito para Modi e para as forças que o levaram ao poder. No entanto, ele continua fazendo parte do caráter nacional do Índia – e hoje, os líderes católicos no país, que são tão indianos quanto os que os consideram como estrangeiros, enfrentam o desafio de agitar as brasas dessas memórias.
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Terremoto político na Índia pode pôr em risco a minoria cristã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU