01 Mai 2019
Embora se saiba muito bem que a história da teologia não é paralela à da razão crítica, também é verdade que as formas de integralismo e fundamentalismo cristão manifestam alergia em relação ao pensamento teológico. De fato, uma teologia seriamente em diálogo com a cultura e com a sociedade constitui, de fato, um temível inimigo para o autoritarismo religioso.
A opinião é do teólogo italiano Fulvio Ferrario, decano da Faculdade de Teologia Valdense de Roma, em artigo publicado na revista Confronti, de abril de 2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não se trata de uma descoberta revolucionária: a história da teologia não é, propriamente, paralela à da razão crítica. Ao contrário: inumeráveis heróis do pensamento ocidental, de Galileu a Giordano Bruno, passando por Darwin, tiveram os seus problemas com a teologia. Tampouco se tratou de um fenômeno apenas cristão: Sócrates foi considerado incrédulo, e isso lhe custou caro; a comunidade judaica de Amsterdã não foi magnânima com Spinoza; e até sobre o Islã haveria muito a dizer.
Em suma, a religião é intolerante, e a teologia, por assim dizer, é o “escritório de estudos” da religião: como todos os escritórios de estudo, expressão de centros de poder, não exatamente um propulsor da crítica livre.
Seria possível e se deveria articular mais essa narrativa, característica daqueles que se consideram “livres pensadores” (subentendendo, ao que parece, que outros não são livres, ou não pensam, ou ambas as coisas): provavelmente, sairia daí um quadro um pouco diferente em relação ao esquema um pouco simplificado da majestosa marcha da razão que derrota o obscurantismo religioso.
No entanto, acredito que a Igreja e a teologia cristãs (não me expresso sobre outras formas religiosas) não têm nenhum interesse em remover ou em minimizar o núcleo desconfortável, mas coriáceo de verdade encerrado na saga do racionalismo. Existe, em algum lugar das profundezas da experiência de fé, uma tensão secreta entre tal experiência e a paixão crítica da razão, uma tensão ligada, de várias formas, à intolerância.
Na história do cristianismo, no entanto, desde as origens, ocorreu que a experiência de fé se encontrou com a racionalidade também em formas diferentes do puro e simples conflito: tais formas produziram a teo-logia, um logos, um pensamento, sobre a pergunta e sobre as tentativas de respostas a respeito de Deus.
Este não é o lugar para refazer a história desse encontro. Em várias ocasiões, em todo o caso, ele abalou profundamente as chamadas “certezas” da fé.
Para dar apenas um exemplo, a pesquisa histórica e filológica, aplicada às Escrituras, forçou a reinterpretar radicalmente a própria ideia de “revelação”. Os inimigos religiosos da teologia afirmam que, desse modo, corrói-se a fé: “Quem estuda demais enlouquece”, como dizia a minha avó.
Creio que se trata de uma mentira reacionária, mas é verdade que a teologia põe em discussão a própria estrutura da fé, os seus conteúdos doutrinais, o modo de vive-la, em suma, tudo.
A teologia, se justamente não se reduz a um centro de estudos dos vários Politburos eclesiásticos, destrói a ideia da fé religiosa como sistema de seguranças indiscutíveis, sustentado unicamente pelo princípio da autoridade.
Seria possível mostrar, mas faremos isso mais uma vez, que até mesmo uma das palavras intelectualmente mais suspeitas do vocabulário teológico, “dogma”, indica, na realidade, um exercício profundamente crítico: em particular – ouçam, ouçam! – em relação ao literalismo bíblico.
É verdade: grandes e pequenas Igrejas sacralizam o dogma e negam a sua natureza profunda, que é a de interpretação da fé, historicamente condicionada: mas o fazem em seu próprio dano, assim como, no front oposto, aqueles (inclusive – infelizmente! – teólogos e teólogas) que, com superficialidade, banalizam o significado das fórmulas dogmáticas.
Tudo isso se reflete em um dado muito evidente: as várias formas de integralismo e fundamentalismo cristãos manifestam alergia em relação ao pensamento teológico. Uma teologia seriamente em diálogo com a cultura e com a sociedade constitui, de fato, uma temível inimiga para o autoritarismo religioso: ela, se bem usada, “desconstrói”, como hoje se costuma dizer (isto é, explica historicamente e ilustra sociologicamente) a pretensão de indiscutibilidade das afirmações religiosas e, mais ainda, do poder que se fortalece com isso.
A fé cristã absolutamente não exclui a discussão, ao contrário, implica-a: Jesus discutiu muito, e muito criticamente. O cristianismo (assim como o judaísmo) é uma fé eminentemente aberta ao debate.
A teologia mostra isso e, por isso, é desprezada por hierarcas e autocratas eclesiásticos pequenos e grandes: um motivo a mais para praticá-la e apoiá-la.
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Teologia e (in)tolerância. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU