11 Abril 2019
Palavras pronunciadas que são eliminadas e palavras nunca ditas que se gostaria fossem ditas. Como Francisco também Bento XVI, João Paulo II e Pio XI.
O comentário é de Simone M. Varisco, publicado por Caffè Storia, 10-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Palavras pronunciadas que são eliminadas e palavras nunca ditas que se gostaria fossem ditas pelo Papa. Um novo episódio soma-se à série das intervenções de Francisco "cortadas" de algumas passagens nas transcrições oficiais. Desta vez, aconteceu com o discurso proferido aos alunos e professores do Colégio San Carlo, em Milão, recebidos na audiência poucos dias atrás no aniversário de 150 anos de sua fundação. A terminar, por assim dizer, no sótão, foram as referências a pessoas migrantes e à máfia local ("Não são delinquentes. Nós também temos muitos, a máfia não foi inventada pelos nigerianos"), bem como às graves responsabilidades do Ocidente no comércio de armas ("Nós, a rica Europa, a América, vendemos armas para matar crianças, para matar pessoas, somos nós que fazemos as diferenças. E isso que vocês têm que dizer claramente, na cara, sem medo"). Palavras fortes, que alguém achou necessário eliminar da transcrição oficial do discurso. Ignorando não só a realidade do que foi dito de improviso pelo Pontífice, mas também a velocidade da informação, que já havia espalhado o discurso integral de Francisco, inclusive com o vídeo do evento. As razões para a censura são decididamente opacas, dadas as já numerosas referências feitas pelo Pontífice em outras ocasiões tanto para o comércio de armas como em defesa dos migrantes.
No entanto, incompreensivelmente, não é a primeira vez que isso acontece. No máximo sete meses atrás, um incidente semelhante causou perplexidade. O que desapareceu das transcrições oficiais, na ocasião, foi a referência do Papa à "psiquiatria" na investigação de supostas tendências homossexuais em crianças, aconselhada por Francisco a seus pais. Outra época, se diria (na direção da Sala de Imprensa da Santa Sé, na época, estava Greg Burke, hoje Alessandro Gisotti, interino) e também razões mais óbvias poderiam justificar a censura, na provável tentativa de não perturbar a suscetibilidade gay friendly. A mesma que também na última Exortação Apostólica de Francisco, Christus vivit, pretende encontrar um direcionamento do pensamento cristão em tema de homossexualidade, mas que, ao contrário, vê reiterada a única verdadeira revolução do nosso tempo: a oposição ao pensamento único dominante. Com todo o respeito por aqueles que aguardavam um iminente "discurso histórico" do Papa no âmbito da aceitação homossexual, categoricamente desmentido pela Sala de Imprensa do Vaticano. Palavras não ditas, que em vez disso se gostaria que fossem ditas, do feminismo à abolição do celibato do clero.
O fato de os papas serem pressionados não é nenhuma novidade. Assim como o fato de que algumas frases de seus discursos acabam, mais ou menos maliciosamente, na cesta de lixo. Aconteceu várias vezes a João Paulo II, e não apenas do outro lado da Cortina de Ferro. Durante a primeira década de seu pontificado, enquanto o Ocidente o reconhecia como símbolo da luta contra o comunismo, no Oriente Wojtyla passava - silenciado - como reacionário e antiprogressista. Pena, alguns anos mais tarde, sofrer a mesma sorte deste lado do Muro de Berlim. Caída a Cortina de Ferro, a condenação de João Paulo II dos males do sistema capitalista e de um mal compreendido progresso lhe rendeu durante anos pesadas censuras, especialmente na América do Norte.
Também Bento XVI não teve vida fácil. Entre os episódios mais violentos e clamorosos está, sem dúvida, a manipulação de uma passagem do discurso de Regensburg de 12 de setembro de 2006, apresentada por certo tipo de imprensa como um "ataque" ao Islã. Em tempos mais recentes, mesmo na inédita veste de pontífice emérito, a Bento XVI não foram poupados momentos amargos, sobretudo o episódio grotesco da carta "fora de foco" da Secretaria de Comunicação, dirigida na época por Mons. Dario Edoardo Viganò. Variação "doméstica" singular em termos de censura, com uma manipulação interna quase "oficial".
Para cultivar maus hábitos, a tecnologia certamente ajuda, mas nem tudo nasceu na era da internet e dos computadores. Foi em 14 de setembro de 1936, quando Pio XI recebia um grande grupo de refugiados espanhóis em Castel Gandolfo. Aqueles eram os anos da guerra civil e o Papa Ratti dirigia um longo discurso aos bispos, sacerdotes e fiéis, recordando o heroísmo dos "mártires" (apenas dois meses após o início da revolução havia quase 3.500 vítimas de perseguição religiosa apenas entre os consagrados) e a humanidade, embora apagada, dos "outros", os republicanos, "que são e continuam sendo sempre nossos filhos, embora nas coisas e nas pessoas a nós mais caras e mais sagradas, com atos e métodos extremamente odiosos e cruelmente persecutórios [...] nos trataram não como aos filhos um pai, mas como ao inimigos um inimigo particularmente detestado [...]. Nunca fomos capazes ou podemos duvidar por um instante daquilo que nos resta fazer, a nós e a vocês: amar esses caros filhos e irmãos vossos, amá-los com um amor particular feito de compaixão e misericórdia; amá-los e, nada mais podendo fazer, rezar por eles”. Com o resultado de acabar censurado, na Espanha, tanto pelos republicanos quanto pelos nacionalistas. Pelos primeiros, que reduziram o discurso do Papa a um genérico "apelo cristão pela paz" e condenaram suas referências à perseguição anticatólica. E pelos segundos, por seu lado, indignados pelas palavras de misericórdia para com os inimigos.
O caso mais curioso da "censura" pontifícia, no entanto, cabe ao famoso "Discurso da Lua" de João XXIII. Pronunciado em 11 de outubro de 1962, na noite da abertura do Concílio Vaticano II, é lembrado como um dos discursos mais importantes e emocionantes do papado de Roncalli e talvez entre os mais famosos da história da Igreja. Tudo isso não foi suficiente, no entanto, para a Santa Sé, que em 2013 o publicou em seu site de forma não integral. Privado, ironicamente, justamente das referências mais sugestivas à lua e à pessoa do Papa. Para esclarecer as coisas entrou em campo o então diretor da Sala de Imprensa, padre Federico Lombardi. Ele culpou os critérios de arquivamento, que no passado eram diferentes e menos cuidadosos do que os atuais, ele disse. Nenhuma censura, evidentemente. O acréscimo das passagens faltantes foi rápido e a polêmica praticamente indolor. E hoje, o que acontece? Quem tem medo do papa?
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Quem tem medo do Papa? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU