06 Abril 2019
A Bíblia inteira está difundida em quase 700 línguas e, em 3.000, em algumas de suas partes. Nenhum livro foi mais traduzido. Mas até agora, na Alemanha, não existe nenhuma tradução ecumênica autêntica. A razão é que não se trata apenas de uma escolha precisa das palavras.
A reportagem é de Chistoph P. Hartmann, publicada em Settimana News, 19-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Entender o que a Bíblia realmente quer dizer nem sempre é fácil. O próprio Livro dos Livros admite isso. O autor da Segunda Carta de Pedro, que não se identifica com o apóstolo do mesmo nome, já diz isso em relação às cartas de Paulo: “É verdade que nelas há alguns pontos difíceis de entender” (2Pd 3, 16).
O problema de encontrar as palavras precisas para a fé não é novo, aliás. Em particular, ele surge na tradução de textos com centenas de anos para as línguas modernas.
De acordo com os dados atuais, a Bíblia está traduzida para 692 línguas. Mas a história da tradução também é uma história de revisões. É necessário adaptar continuamente o texto à linguagem atual ou a uma nova situação das fontes.
Somente na Alemanha, nos últimos anos, duas grandes revisões deram o que falar: a da tradução unitária católica de 2016 e a da Bíblia Luterana de 2017, por ocasião do Jubileu da Reforma.
De fato, há mais de 20 anos, existe uma tradução ecumênica com a “Gute Nachricht Bibel”, que, no entanto, é admitida na Igreja Católica apenas para o estudo bíblico privado. Até hoje, não existe uma tradução autêntica comum para celebrações comuns. Nesse sentido, os exegetas católicos e evangélicos, nas revisões das respectivas edições, tentaram alcançar objetivos semelhantes.
Ambas as traduções já tinham algumas décadas. Além disso, foram encontrados novos manuscritos que precisavam ser levados em consideração.
Tanto os católicos quanto os evangélicos buscaram na revisão uma adesão o mais estrita possível ao texto original e se distanciaram parcialmente das traduções anteriores, querendo traduzir as antigas metáforas bíblicas com imagens modernas. De fato, nem sempre é fácil estabelecer o que é uma boa tradução.
Vê-se isso claramente no conhecido exemplo de Mateus 5, 3: a “Bíblia de Zurique”, conhecida pela sua rigorosa fidelidade ao texto original, traduz: “Selig die Armen im Geist – ihnen gehört das Himmelreich” (= Bem-aventurados os pobres de espírito – a eles pertence o reino dos céus).
No entanto, essa tradução precisa não diz muito aos fiéis de hoje ou, melhor, poderia ser até enganosa, se alguém pensa que se trata das pessoas com um baixo nível de inteligência. Por isso, os editores acrescentam uma nota em que descrevem o que se entende: “Os ‘pobres em espírito’ são as pessoas que são pobres do espírito de Deus e que estão de mãos vazias diante dele”.
Para poupar essa nota, a nova Bíblia unitária escreve: “Selig, die arm sind vor Gott; denn ihnen gehört das Himmelreich” (= Bem-aventurados os que são pobres diante de Deus; porque a eles pertence o reino de Deus”.
A Bíblia revisada de Lutero refere-se à formulação de Martinho Lutero: “Selig sind, die da geistlich arm sind; denn ihrer ist da Himmelreich” (= Bem-aventurados os que são pobres espiritualmente; porque deles é o reino dos céus). Enquanto a tradução unitária, para uma melhor compreensão, abandona o termo “espírito” do original, a tradução de Lutero busca um caminho do meio.
Fidelidade estrutural e fidelidade eficaz são os dois conceitos que se enquadram no problema da tradução. A fidelidade estrutural pretende reproduzir o original com as suas palavras com a máxima fidelidade; a fidelidade eficaz olha principalmente para a impressão de quem lê. Este último pode obter vantagens.
O próprio Martinho Lutero traduz o Salmo 22, 22 com as seguintes palavras: “Hilf mir aus dem Rachen des Löwen, und errette mich vor dem Einhorn” (= Ajuda-me a fugir da boca do leão e salva-me do unicórnio). Os unicórnios, para as pessoas do seu tempo, eram criaturas assustadoras. Mas um leitor moderno as associa a criaturas nascidas da fantasia. A tradução unitária, para manter a eficácia da frase, fala de “chifre dos búfalos”, e a nova “Bíblia de Lutero”, de “chifres dos touros selvagens”.
Mas a tradução é apenas um dos problemas. Primeiro, surge a pergunta: qual é, na realidade, o “texto original” que deve ser traduzido? Com efeito, não é um texto original autêntico da Bíblia, em sentido moderno. Desde a antiguidade, existem inúmeros escritos particulares e várias traduções primeiras; além disso, continuamente são descobertos novos escritos.
Essas descobertas estão reunidas em duas edições histórico-críticas, reconhecidas no plano mundial confessional: para o Antigo Testamento, é a “Bíblia Hebraica”, para o Novo Testamento é o “Novum Testamentum Graece”, que hoje é conhecido sobretudo com o nome da primeira editora, Nestle-Aland, cuja base consiste em 5.500 manuscritos.
Ambas as edições contêm muitas variações de passagens sobre as quais, entretanto, existem acordos internacionais e interconfessionais, que representam a versão mais provável de um versículo.
Embora haja acordos sobre a base textual e as variações, não se chegou a uma colaboração oficial entre exegetas católicos e evangélicos nas novas revisões. A primeira tradução unitária, entre 1962 e 1980, contou com a colaboração parcial dos representantes evangélicos, mas, no fim, houve um mal-entendido. Do lado católico, havia a convicção de se dispor não só de uma Bíblia para os atos religiosos católicos no âmbito de língua alemã, mas também para os ecumênicos. Mas a parte evangélica nunca entendeu desse modo. Na revisão, os protestantes, portanto, tiveram problemas com Roma.
Segundo a instrução vaticano Liturgiam authenticam, toda tradução católica deveria incluir a Nova Vulgata, isto é, a Bíblia latina obrigatória da Igreja. Além disso, a revisão da tradução unitária deveria ter sido reconhecida por Roma.
“Não havia nada que pudesse nos unir”, afirma Christoph Kähler. O ex-bispo regional da Igreja Evangélica Luterana da Turíngia presidiu a revisão da “Bíblia de Lutero”. Chegou-se a uma ruptura, e não houve nenhuma colaboração imediata, pelo menos no plano oficial.
No entanto, as comissões católica e evangélica trocaram os rascunhos das suas traduções e acolheram parcialmente as suas respectivas formulações.
Quando as duas revisões ficaram prontas quase simultaneamente, as duas comissões recomendaram a sua utilização para as celebrações ecumênicas. “Uma boa solução ecumênica”, como foi definida pelo bispo emérito de Erfurt, Joachim Wanke, que presidiu, do lado católico, a comissão para a revisão da tradução unitária. Ele aceitou o fato de que a “Bíblia de Lutero”, para os cristãos evangélicos, não pode simplesmente ser substituída. De fato, trata-se de algo que vai além da mera linguagem: “É a expressão da identidade dos cristãos reformados luteranos como tais. Não podemos esperar que os evangélicos renunciem ao caráter oficial da tradução de Lutero”.
Ambos os lados são bastante céticos sobre o fato de que, nas próximas tentativas de revisão, em algumas décadas, haja também oficialmente uma equipe ecumênica. Wanke não acredita nisso, enquanto Kähler acha que, primeiro, seria preciso concordar sobre um objetivo razoável. “O problema – afirma Kähler – surge apenas no nível ecumênico.”
De fato, já existem mais de 40 traduções alemãs da Bíblia. Muitas vezes destinadas a um grupo restrito, como quando, por exemplo, são voltadas à atividade juvenil ou estão condicionadas às mudanças linguísticas devido à passagem do tempo.
“Acima de tudo – explica Christoph Kähler – eu devo apresentar uma tradução que harmonize a unitário e a ‘Bíblia de Lutero’. Este não parece ser o momento. E, em relação ao fato de que, junto com as recomendações recíprocas, haja também uma solução para os serviços litúrgicos ecumênicos, falta também a oportunidade concreta”.
Os leitores da Bíblia interessados, portanto, terão, também no futuro, uma ampla escolha sobre o tipo de Bíblia que preferem.
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Por que é difícil traduzir a Bíblia? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU