19 Fevereiro 2019
"A homeschooling deve ser tratada com todo o respeito e com toda a atenção, como procurei evidenciar. Contudo, numa perspectiva republicana, precisamos investir ainda mais em posições públicas que garantam a educação enquanto um direito para todos, tendo em vista que nosso país tem uma longa tradição de educação “para privilegiados”, como sabiamente escreveu Anísio Teixeira", escreve Rodrigo Manoel Dias da Silva, professor da Escola de Humanidades e do PPG Educação da Unisinos.
Acompanhamos, no Brasil, a crescente popularidade das discussões sobre a educação domiciliar (Homeschooling), associada a um imenso desconhecimento a seu respeito. Nos limites desse breve artigo, farei algumas considerações reflexivas sobre os desafios dessa prática e manifestarei minhas principais preocupações.
Importante considerar que as famílias, em qualquer sociedade, exercem um importante papel educativo. Sua ação socializadora dirige-se à preparação de crianças e jovens para a vida social e não corresponde apenas a sua adaptação ao meio social, mas à mudança e à transformação. Obviamente, a noção de socialização é polissêmica e corresponde a ações educativas diferenciadas, a depender das relações sociais construídas, da cultura, do tempo e do espaço.
Em meados do século XX, no contexto da simultânea massificação escolar e consolidação de estados democrático-constitucionais, sobretudo no Ocidente, a socialização familiar passa ser prolongada pela socialização escolar. Diversos processos influenciaram essa complexa e contraditória passagem, a saber: as transformações no mundo científico e produtivo, o advento das tecnologias comunicacionais, a urbanização, os novos sentidos atribuídos ao feminino e, principalmente, a heterogeneização dos modos de viver. Passou a existir, por conseguinte, um conjunto de diversos processos de socialização familiar e escolar. Como a sociedade é muito mais ampla do que a família, a socialização escolar tende a ser mais plural, uma vez que se compromete com a formação democrática dos cidadãos e cidadãs, com o respeito ao outro e a tolerância nos modos de conviver e, com efeito, a ampliação de seus repertórios culturais e científicos.
No debate brasileiro contemporâneo sobre o tema, fica explícita uma nuance histórica dessas duas socializações: o conflito ou, se preferirem, o desencontro de possibilidades formativas ou objetivos de vida. Não é a primeira vez na história em que esse conflito emerge, porém é a primeira vez que o assunto é judicializado e adquire notoriedade política e midiática. Me parece oportuno assumirmos a interrogação que ecoa em nossas conversações cotidianas: Por quê? O que está em jogo?
A possibilidade de educação domiciliar ou instrução familiar a partir dos saberes da ciência, da cultura e da tecnologia é uma prática antiga, inclusive no Brasil. A preceptoria foi usual no país, sobretudo antes da massificação escolar. A demanda atual informa justificar-se pelo bullying, pela violência e pela inconformidade com as práticas educacionais desenvolvidas por escolas. Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reiterou a prerrogativa Constitucional de que o dever de educar é uma missão a ser desenvolvida, sob o princípio da corresponsabilidade, entre Estado e família. Manifestou-se, nos diversos pareceres, uma significativa atenção ao princípio republicano do pluralismo e da convivência democrática. Recentemente, o debate foi retomado pela possibilidade de o Governo Federal publicar uma Medida Provisória esboçando certos princípios de regulamentação da prática, ação idealizada pela ministra Damares Alves.
Com justificativa plausível e a devida regulamentação, não é um absurdo que seja prevista a possibilidade de educação domiciliar em sociedades democráticas. Casos, por exemplo, de impossibilidade de deslocamento ou de acessibilidade, com a justa argumentação política e pedagógica, seria possível levar conhecimento a crianças até então distanciadas dessa formação, com eficácia e, sem dúvida, produzindo menos sofrimentos e dificuldades.
Qual a preocupação, então? Pela minha avaliação, três pontos parecem preocupantes. Serei breve nos apontamentos.
A homeschooling deve ser tratada com todo o respeito e com toda a atenção, como procurei evidenciar. Contudo, numa perspectiva republicana, precisamos investir ainda mais em posições públicas que garantam a educação enquanto um direito para todos, tendo em vista que nosso país tem uma longa tradição de educação “para privilegiados”, como sabiamente escreveu Anísio Teixeira. Se desconsiderarmos nossa história, as políticas educacionais direcionadas à educação domiciliar aprofundarão ainda mais as desigualdades educacionais e sociais vigentes no Brasil.
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Homeschooling: desafios e preocupações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU