06 Fevereiro 2019
Heterodoxo, sincrético, perigoso, pagão, profético, missionário, iluminado, provocador. Ele já foi definido de muitos modos. Agbonkhianmeghe Orobator é um nigeriano de 51 anos, crescido em uma família de “tradição espiritual africana” (“chamavam-nos até de pagãos”), convertido ao catolicismo aos 16 anos, que depois se tornou padre da Companhia de Jesus e, desde 2017, presidente da Conferência dos Jesuítas da África e Madagascar.
A reportagem é de Annachiara Sacchini, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 03-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ele também, no seu último livro (que será lançado na Itália em maio pela editora Emi), deu um rótulo a si mesmo e o colocou no título: “Confissões de um animista”.
“Não é uma autobiografia, mas sim a tentativa de explicar fé e religião na África.” Dito – e escrito – por um dos teólogos mais importantes destes anos, isso causa uma certa impressão.
Ele fala por si mesmo, não tem receitas para anunciar ou pregações para fazer. “Sou um africano orgulhoso de ter nascido na religião da minha terra, que me deu os instrumentos para encontrar Jesus. Uma experiência que iluminou a minha vida.”
A sua história começa a partir de uma “sala das medicinas”, repleta de pequenos altares e panelas de barro em contínua ebulição, das orações da mãe, dos rituais de família. Depois, a conversão “da fé ancestral para a fé cristã: não foi uma passagem fácil. Mudar de religião não é como trocar de roupa. Houve um momento em que eu tive que renunciar às minhas origens, até mesmo ao meu próprio nome”. Raiva? “Foi um cabo de guerra [pull and push] entre identidades. Mas agora estou perfeitamente à vontade como cristão e como africano: não me sinto dividido entre duas tradições religiosas e rejeito o rótulo de esquizofrenia da fé ou de dupla mentalidade. É uma experiência de tensão e não de divisão, uma busca por integração e harmonia. Radical, eu? Não, simplesmente honesto.” Sem renegar nada.
Também se vê a força desse homem quando ele diz um provérbio da sua terra: “Por mais vezes que um leopardo atravesse o rio, ele nunca perderá suas manchas”.
Orobator é sincero, transparente, inquietante: “Seria pretensioso – escreve ele no livro – defender que eu fiz uma ruptura clara com o meu passado. Eu acho que isso é praticamente impossível. Talvez teria sido mais fácil cortar o vínculo com esse passado se ele tivesse consistido simplesmente em crenças, doutrinas e dogmas substituíveis. Em vez disso, era e continua sendo um estilo de vida”.
A espiritualidade africana – e a sua profunda fé na vitalidade da criação – torna-se fundamento para um caminho rumo ao cristianismo. Uma condição necessária. “Para mim, chamar-me animista – um rótulo cunhado por aqueles que afirmam ter uma forma ‘superior’ de religiosidade para difamar a visão de mundo do outro – é, em parte, um gesto de protesto contra a ferida infligida à presa [a África] e um ato de reconhecimento e de solidariedade para com a preciosa sabedoria e intuição de uma tradição religiosa grosseiramente incompreendida e deturpada.”
As palavras desse jesuíta brilhante, audaz, membro do Conselho de Diretores da Georgetown University, em Washington, são um destilado de tolerância e coragem: ele usa tons suaves, fala de diálogo, de compreensão e de convivência, de propensão sincrética que, na África, “pode ser um recurso para o restante do mundo”.
No entanto, ele não poupa críticas à invasão colonialista, não nega a corrida entre cristianismo e Islã para se “adonarem” do continente e nem se entrega ao imaginário de uma África felix, onde tudo vai bem.
“A África, como disse o Papa Emérito Bento XVI, é um pulmão espiritual, mas esse pulmão pode se tornar tóxico.” Há a política, “que polui o ar dos nossos dias”, que usa a religião como um instrumento de controle sobre a economia, sobre a sociedade, que vende ideologias concorrentes, que alimenta o fanatismo. E, nesse mercado de credos, “devemos olhar para as pessoas, para o seu valor, para as suas lições”.
Orobator dá alguns exemplos: Desmond Tutu (o arcebispo anglicano opositor do apartheid), Mahatma Gandhi: “Professavam fés diferentes, mas tinham muito em comum. Neles, era possível ver florescer a melhor parte da humanidade”.
Ir além dos dogmas. Precisamente essa é uma das características da religião africana, “aquela que me formou como ser humano e tornou a minha experiência de cristão ainda mais profunda”. Para esclarecer qualquer dúvida, para evitar interpretações opacas, Orobator insiste: “Não sou um sincretista, estou apenas tentando ver a beleza do mundo”.
Ele cita a encíclica do Papa Francisco Laudato si’: “Cada criatura tem uma função, e nenhuma é supérflua (...) Solo, água, montanhas, tudo é carícia de Deus”. Ele comenta: “Para mim, descobrir que o papa diz as mesmas coisas que a religião africana ensina não é sincretismo. É uma pena que os missionários que chegaram na África entre os séculos XVI e XIX não pensavam assim”.
O que resta dessa herança é uma consciência: “Eu duvido que qualquer africano possa pretender ser apenas e inteiramente cristão”, diz o padre Orobator. Um dom, não um drama. “Duas religiões podem viver juntas na mesma pessoa”, sendo “complementares” e se tornando uma oportunidade para falar à humanidade: “O importante é levar a Deus a sério, ser honesto e cavar fundo na alma. Isso é ter fé, isso é tentar resolver os problemas”.
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''A tradição espiritual africana me deu os instrumentos para encontrar Jesus'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU