31 Janeiro 2019
Multinacional automobilística exige deterioramento das condições dos trabalhadores para ficar no país.
A reportagem é de Marcos Hermanson, publicada por Brasil de Fato, 30-01-2019.
Os trabalhadores das fábricas da General Motors (GM) no Brasil foram surpreendidos na última semana por um comunicado do chefe da empresa no Mercosul, Carlos Zarlenga, afixado nos murais de notícias nas fábricas de São Caetano do Sul (SP), São José dos Campos (SP), Gravataí (RS) e Joinville (SC).
Citando declarações da presidente global da empresa, Zarlenga afirmava que, entre 2016 e 2018, a companhia arcou com um prejuízo que “não pode se repetir” e que, para que permanecesse no Brasil, seriam necessários “sacrifícios de todos”. A declaração foi entendida como um sinal de que a GM poderia abandonar suas operações no país, onde emprega quase 20 mil pessoas.
Em nota conjunta, assinada por representantes da CUT, CSP-Conlutas e Força Sindical, representantes sindicais afirmam que a iniciativa da empresa “se contradiz com a realidade, visto que a GM anunciou um lucro global superior a 2,5 bilhões de dólares, o equivalente a R$ 10 bilhões, no último trimestre, e é líder de vendas na região”. Desde 2016, a Chevrolet no Brasil lidera as vendas de veículos com seu modelo Onix, e detém uma fatia de 15,4% do mercado.
Para Renato Almeida, vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos, as declarações representam “uma pressão violenta que a empresa está fazendo. Ela apresenta lucros exorbitantes e vem anunciar fechamento de fábricas”, diz. “No último período os trabalhadores da GM têm feito muitas concessões, porque as empresas pressionam o sindicato ameaçando se mudar para outros países ou para outra região”.
Almeida conta que não são poucos os encargos e direitos retirados desde alguns anos atrás, e que ainda assim, a empresa pretende aprofundar esse processo: “Aqui em São José dos Campos, desde 2013, [houve] redução de piso salarial, mudanças nas jornadas de trabalho, e mesmo assim a empresa insiste em querer reduzir [os direitos] mais e mais”.
Os “sacrifícios” anunciados pela companhia fazem parte de um plano global de reestruturação, anunciado em novembro do ano passado, que prevê inclusive o fechamento de cinco fábricas nos Estados Unidos e Canadá. Em reunião realizada no dia 22 – com os sindicatos de São José, São Caetano, prefeitos de ambas as cidades e o próprio Carlos Zarlenga –, a GM propôs redução do piso salarial de R$ 2300 para R$ 1600, possibilidade de terceirização em todas as atividades, aumento da jornada para 44 horas semanais, fim da estabilidade para funcionários lesionados ou doentes, mudanças no plano médico e fim do fretamento gratuito para os trabalhadores.
Uma nova reunião de negociação ocorreu nesta terça-feira (29), às 15 horas, desta vez em São Caetano do Sul (SP). Segundo Almeida, a expectativa do sindicato é de que dentro de 20 dias, após assembleias dos trabalhadores e outras rodadas de negociação, haja uma definição para o conflito.
O governo Jair Bolsonaro (PSL) não se posicionou nem propôs medidas para mediar a queda de braço entre trabalhadores e empregadores. O Estado segue a cartilha neoliberal de “não intervenção” na economia e não impõe nenhum tipo de restrição aos cortes de direitos dos operários.
A indústria automobilística emprega cerca de 130 mil pessoas no país, um número menor do que o patamar atingido em 1980, de 140 mil. A queda se deve ao avanço tecnológico, que provoca redução de postos de trabalho, e ao processo de desindustrialização ocorrido a partir de meados dos anos 80.
Em 1985, durante o governo Sarney, a indústria tinha participação de 21,8% no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro e oferecia 27% dos empregos formais do país. Em 2016, ela representava 11,7% do PIB e aproximadamente 15,7% do emprego formal.
Nos Estados Unidos, país que também passou por forte processo de desindustrialização, a contribuição da indústria para o PIB é 18%. Na Alemanha e na China, os percentuais sobem para 27 e 39%, respectivamente.
Durante o período de transição, o Ministro da Economia, Paulo Gudes, mostrou descontentamento com a situação da indústria no país: “Eles [industriais] estão lá com arame farpado, lama, buraco, defendendo às vezes protecionismo, subsídio, desonerações setoriais, que prejudicam a indústria brasileira —em vez de lutarem pela redução de impostos, simplificação e uma integração competitiva na economia internacional”, afirmou.
O ex-ministro e atual secretário da Fazenda e do Planejamento de São Paulo, Henrique Meirelles, anunciou que está avaliando a antecipação de isenções fiscais à General Motors, mas segundo ele há entraves na Lei de Responsabilidade Fiscal e em uma possível requisição do benefício por outras montadoras.
Almeida explica que a posição do Sindicato de São José dos Campos é contrária a qualquer tipo de incentivo: “Nós somos contra redução de impostos ou subsídios por parte do governo federal, estado ou município, porque não tem uma contrapartida das montadoras”, diz. “No último período foram feitas muitas concessões, e no momento da crise eles descarregaram a conta nas costas dos trabalhadores”.
Para o economista e analista político Wladimir Pomar, as isenções fiscais e a demanda de “sacrifícios” não se revertem em benefícios para a sociedade: “Pra ela [GM], provavelmente é bom, porque a disputa internacional é enorme, mas é sacrifício pros trabalhadores. A tendência geral, na medida em que aumenta o nível tecnológico e a concorrência com outros países, é cortar salários, e isso é a base para manter o lucro alto”, critica.
Na interpretação do especialista, esse tipo de privilégios acaba por criar um círculo vicioso: “As desonerações atingem principalmente o Estado, porque o governo tira uma parte dos impostos para que eles [indústria automotiva] compensem isso, mas mesmo assim eles não compensam. Então é um negócio meio suicida, de achatamento de salários e redução do dinheiro dos impostos. O Estado, por seu lado, começa a diminuir a atenção para o processo de vida dos trabalhadores, para todos os problemas de ordem social. Isso tem um efeito deletério”.
Em setembro do ano passado, Michel Temer (MDB) lançou o programa Rota 2030, que prevê incentivos fiscais bilionários à indústria de automóveis, em troca de maior investimento em pesquisa e tecnologia. Segundo estimativas da Receita Federal, a renúncia fiscal para a indústria automobilística deve atingir, em 2019, a cifra recorde de R$ 7,2 bi. Entre 2008 e 2016, o governo deixou de arrecadar R$ 34,6 bi com isenções ao setor.
Os subsídios valeriam igualmente para montadoras que atuam no país e para as empresas importadoras, que poderão abatê-lo sobre o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Ou seja, ao oferecer vantagens para a importação, o governo brasileiro “lava as mãos” para o problema da desindustrialização e do desemprego.
Segundo representantes do setor industrial, a tendência deve se repetir no governo Bolsonaro (PSL). Durante o governo de transição, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale, se queixou da postura da equipe do PSL: “A equipe de Bolsonaro procura mais o mercado financeiro do que o setor produtivo, principalmente o Paulo Guedes”.
Setores do mercado financeiro especulativo e do agronegócio, por outro lado, se mantêm próximos ao novo governo. Bolsonaro estuda perdoar uma dívida de R$ 17 bilhões do agronegócio, que gera menos emprego que a agricultura familiar e levou estados produtores de soja ao endividamento, devido à baixa arrecadação.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com a Secretaria Especial da Produtividade, Emprego e Competitividade (Sepec), que respondeu por meio de sua assessoria de imprensa que o "Secretário Especial Carlos Da Costa tem dito a representantes do setor privado, com quem se reúne rotineiramente, que é preciso tornar o Brasil um país mais produtivo e competitivo, retirando os entraves que os impedem de produzir mais e melhor. Na avaliação do secretário, esta é a missão de todo o time à frente da secretaria. Com um ambiente de negócios mais saudável, a necessidade de eventuais subsídios diminui, fazendo com que as empresas se concentrem no desenvolvimento de suas atividades produtivas".
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Governo Bolsonaro “lava as mãos” na queda de braço entre GM e operários - Instituto Humanitas Unisinos - IHU