17 Janeiro 2019
“Hoje, qualquer pessoa razoável, independentemente do sexo, pode e deve reconhecer que a exclusão da mulher de todas as funções de autoridade, de representação e de magistério na Igreja tem raízes culturais bem reconhecíveis e bem conhecidas; isso era compreensível no passado, mesmo na sua iniquidade objetiva, pois estava apoiada por um contexto geral que não existe mais no mundo civilizado.”
A reflexão é da teóloga italiana Lilia Sebastiani, doutora em Teologia pela Academia Alfonsiana, Instituto Superior de Teologia Moral na Universidade Lateranense. Entre seus livros publicados no Brasil, estão “Maria e Isabel: ícone da solidariedade” (Paulinas, 1998) e “Maria Madalena: de personagem do Evangelho a mito de pecadora redimida” (Vozes, 1995). O artigo foi publicado por revista Esodo, n. 4, de outubro-dezembro de 2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A Igreja, nas suas vozes oficiais, condena toda violência, e, às vezes, especialmente pelo Papa Francisco, relembrou-se o feminicídio, embora com algum atraso para reconhecer a especificidade desse crime que, em comparação com outros homicídios, tem um fortíssimo componente cultural e sexual mesmo quando não é acompanhado por abusos sexuais explícitos.
O que se tarda em reconhecer é a responsabilidade da tradição judaico-cristã nessa situação. Responsabilidade certamente não exclusiva, compartilhada com grande parte do mundo ex-patriarcal (pensemos nos ferozes estupros em grupo ocorridos na Índia, que colocavam na mira meninas muito normais, culpadas de voltar do trabalho, de pegar um ônibus, de ir ao cinema com o namorado), mas que deve ser assumida em um sério processo de reflexão compartilhada, única via real para uma superação.
Porque, por mais que se acredite que estamos muito além da mentalidade primitiva, certos constrangimentos – especialmente quando veiculados pelas tradições religiosas – continuam agindo, principalmente sobre as pessoas mais vulneráveis, embora de modo travestido ou irrefletido, e tendem a se agudizar nos momentos de transição cultural. Isto é, quando parece que as mulheres estão se tornando “importantes demais”, “livres demais” e facilmente demais podem abrir mão dos homens.
Seria um grave erro considerar a explosão da violência física e sexual apenas como um episódio isolado ou como um comportamento individual perverso; ela também tem um trágico significado estrutural.
“Texts of Terror” é o título de um livro da teóloga estadunidense Phyllis Trible publicado nos Estados Unidos nos anos 1980, não traduzido para o italiano [nem para o português]. Uma releitura crítica comentada das passagens em que o “Deus dos pais” (e das mães, esperamos) do povo de Israel parece legitimar a violência e a dominação masculina sobre as mulheres, de direito e de fato; a sua redução a objeto.
Não é uma abordagem completa e não poderia ser. Não é uma leitura consoladora, não é “edificante” no sentido comumente entendido. No entanto, é indispensável familiarizar-se com essa tradição misturada tão a fundo com as nossas origens.
É indispensável para fazer discernimento e para seguir em frente, para fazer a própria pequena contribuição para o caminho da história, que também é um lugar teológico. Com efeito, o Primeiro Testamento relata uma quantidade impressionante de episódios de violência sexual e de mortes de mulheres – nem sempre reconhecidamente condenadas pelo autor sagrado.
Mas a violência contra as mulheres está presente e operante também no Novo Testamento, até mesmo em textos acima de qualquer suspeita, textos que não consideraríamos em uma reflexão sobre a violência contra as mulheres como mulheres, porque, à primeira vista, falam de outra coisa.
Assim, por exemplo, a passagem paulina sobre a necessidade de que a mulher use o véu (1Cor 11, 2-10), porque ela “não é a imagem de Deus”, mas sim do homem, e “por causa dos anjos” (há uma referência ao pecado dos anjos “filhos de Deus” com as “filhas dos homens”, contado em Gênesis 6: como que dizendo que as mulheres são tão funestas a ponto de induzir à tentação até mesmo os anjos...). É apenas um dos muitos relatos bíblicos em que toda a responsabilidade pelo pecado é descarregada sobre as mulheres.
Na Bíblia, também se fala de estupros em tempos de guerra, e se fala disso como de um fato óbvio (naquela época e hoje, é uma demonstração de superioridade e de desprezo para com os vencidos, mas não só: com efeito, a guerra fornece aos homens o cenário psicológico ideal para expressar a sua aversão às mulheres e a vontade de humilhar os mais fracos).
Em Gênesis 12, 10-20, conta-se, sem sombra de desaprovação, um episódio que não faz muita honra a Abraão. Tendo descido ao Egito por causa da fome, ele impõe que a sua mulher, Sara, prevendo que ela será notada pelo Faraó pela sua beleza, se declare sua irmã e não sua esposa, para evitar que Faraó o faça matar para tê-la. Então, expõe-na à desonra e ao adultério, a fim de evitar problemas para si mesmo e também para obter alguma vantagem, como acontecerá depois (o mesmo episódio, claramente duplicado, volta em Gn 20, mas com Abimeleque, rei de Gerar no lugar do Faraó, e a história mostra mais foco aos aspectos éticos).
Nos capítulos 16 e 21, novamente dentro da história de Abraão, aparece a triste história em dois atos da escrava Hagar, com uma espécie de “final semifeliz” que não elimina, de fato, a amargura do caso.
Em Gn 19, Ló oferece aos habitantes de Sodoma, que querem abusar dos seus dois hóspedes (na realidade, anjos disfarçados), as suas filhas virgens: “Eu tenho duas filhas que ainda são virgens; eu as trarei para vocês: façam com elas o que acharem melhor. Mas não façam nada a esses homens...” (Gn 19, 8).
E, em Gn 34, está a triste história de Dina, única filha mulher de Jacó, violentada “por amor” (?) por um príncipe de Siquém, depois apaixonada pelo seu agressor, mas que será morto, junto com todos os homens jovens de Siquém pelos irmãos de Dina, decididos a vingar a ofensa provocada ao seu sangue, à estirpe. Os sentimentos dela não são relevantes.
Pensemos ainda, por outro lado, no sacrifício de Isaac, impedido por Deus in extremis, no sacrifício efetivo da filha de Jefté (Jz 11, 29-40). Ela não pede ao pai que lhe poupe a vida, mas que lhe conceda uma prorrogação “para chorar pelos montes a sua virgindade” antes de morrer: porque, morrendo virgem, isto é, sem ter dado à luz um filho, terá que ver a própria vida totalmente inútil e efêmera. A filha de Jefté permanece sem nome.
A gentil oferta de Ló aos seus concidadãos, de querer se contentar com as suas filhas para poupar os seus hóspedes – não aceita pelos habitantes de Sodoma, porque as mulheres não são do seu agrado – reaparece no capítulo 19 do Livro dos Juízes, no obscuro e doloroso episódio da concubina do levita. O status de concubina, na prática, esposa de segunda categoria de um homem que tinha outras esposas, era reconhecido pela Lei em Israel. O levita acha muito natural oferecer uma “coisa” de menor valor para proteger a si mesmo, e neste caso os habitantes de Gabaá se contentam. A mulher, após uma noite de violências múltiplas, se arrasta para morrer na soleira do seu dono (até então chamado de “marido”; mas, para além do fato de que a palavra ba’al tinha ambos os significados, seria difícil chamar de “marido” alguém que age desse modo). Ele cortará o cadáver dela em 12 pedaços e enviará um a cada tribo de Israel para pedir vingança; mesmo que o fim atroz da mulher tivesse sido tranquilamente desejado por ele. Segue-se uma guerra sangrenta, um hiperbólico massacre narrado de modo preciso e comprazido, no qual a vítima inicial não é mais sequer nomeada.
Na Lei, o estupro de uma virgem (Ex 22, 15 ss.; Dt 22, 23 ss.) não é um crime contra ela como pessoa, mas sim contra os direitos de propriedade do pai e do futuro esposo. O homem sempre pode ter relações com escravas e com prisioneiras de guerra até mesmo virgens.
Em Números 5, 11-31, fala-se do “juízo de Deus” em caso de “suspeitas de ciúme”: ou seja, quando o homem duvida da fidelidade da sua esposa, mas não tem nenhuma prova da infidelidade. As suspeitas, sem dúvida, fazem da mulher uma suposta culpada, e ela deve se submeter à prova da água amarga, na prática, uma espécie de provação, não só ofensiva à sua dignidade, mas, hoje, ao que parece, não inócua para a saúde. Em caso de fracasso, ela certamente será condenada à morte como adúltera. Se o “juízo de Deus” for favorável a ela, ela se salvará... Mas nenhuma consequência está prevista para o marido que a acusou injustamente.
E poderíamos continuar, mas, entre violências explícitas e restrições morais e opressão de uma cultura violenta, deveríamos continuar por muito tempo, por tempo demais. Os passos a serem lembrados seriam inumeráveis; e os menos impressionantes não são menos significativos do que os outros.
Insistir nessa ordem de recordações, à primeira vista, é inútil – a história passada não muda – e, às vezes, expõe a acusações de ideologismo ou de vitimismo histórico. Como se as mulheres tivessem que se lamentar apenas daquilo que toca pessoalmente, visivelmente a sua experiência de vida.
Conhecemos bem a resposta eclesiástica moderna quando se entreabre a porta desse museu dos horrores bíblicos: aqui a fé não tem nada a ver... era a cultura, era uma civilização muito distante da nossa, os tempos mudaram... ou, melhor, talvez certos fatos nunca aconteceram realmente.
De acordo: mas foram propostos, narrados e repetidos dentro de um texto sagrado. E as tendências neofundamentalistas à espreita não podem nos deixar tranquilos.
Por que o condicionamento cultural deve ser invocado pelos homens da Igreja apenas quando lhes for conveniente? Por que, ao contrário, ele é ignorado quando há o risco de abalar as certezas?
Hoje, qualquer pessoa razoável, independentemente do sexo, pode e deve reconhecer que a exclusão da mulher de todas as funções de autoridade, de representação e de magistério na Igreja tem raízes culturais bem reconhecíveis e bem conhecidas; isso era compreensível no passado, mesmo na sua iniquidade objetiva, pois estava apoiada por um contexto geral que não existe mais no mundo civilizado.
A posição oficial dos homens da Igreja, não havendo nenhum argumento respeitável em apoio a uma exclusão que já é apenas motivo de escândalo, não pode deixar de se referir a uma suposta vontade de Deus (ou intenção de Jesus), certamente não discutível, pelo menos por nunca estar expressada em lugar algum, nem mesmo de modo implícito.
Poder-se-ia argumentar – e também demonstrar um pouco – de modo muito mais válido, isto sim, que a reintrodução de um sacerdócio na comunidade dos fiéis vai contra a vontade e a prática de Jesus. Mesmo que hoje a Igreja Católica e todas as religiões, pela boca dos seus chefes, condenem a violência contra as mulheres, pelo menos quando se configura como um crime com consequências penais, a mensagem transmitida pelas antigas tradições e pelas exclusões que sobrevivem é sempre a mesma: a mulher vale menos e importa menos do que o homem, ela se identifica com a corporeidade – o seu espírito não é essencial, assim como o seu intelecto –, constitui uma tentação, é inapta por natureza a expressar a transcendência... e deve obedecer.
Uma vez, dizia-se isso apertis verbis, hoje não. A linguagem tornou-se menos dura, mas isso nem sempre é bom: é preciso ser muito sensíveis e muito bem informados para sentir a armadilha e para reagir construtivamente. Não é fácil traçar, mesmo em grandes linhas, pistas de superação de uma situação que é tão arcaica nas suas raízes e, embora com “conexões” nem sempre visíveis, ainda muito atual nas suas manifestações.
São apenas pistas, já abertas (por algumas/alguns pioneiras/os geralmente incompreendidas/os), pistas pouco conhecidas e pouco percorridas por aqueles e aquelas que nos rodeiam.
É preciso adquirir uma consciência precisa, “viva”, da diferença essencial que subsiste entre religião (sempre relativa) e fé, entre Tradição e tradições; adquirir uma consciência histórica cada vez mais madura da vivência cultural que temos sobre as costas, para saber distinguir o essencial daquilo que não é.
É uma urgência especial hoje, porque a perspectiva histórica e a consciência histórica tendem a se extinguir, mesmo nas pessoas instruídas – não digamos cultas, o que é diferente –, também e especialmente nas novas gerações.
Há mais de meio século, já foi reconhecido, a partir da teologia feminista estadunidense, que o sexismo tem muito em comum com as várias formas de racismo e com os diversos mecanismos de marginalização. Na atitude sexista, a alteridade da qual a mulher é portadora em relação ao homem é vista como uma ameaça monstruosa. Na base dessas patologias, sempre potencialmente homicidas, encontra-se sempre o medo do outro/a e da diversidade que representa; é preciso iniciar um processo de superação das barreiras, através da valorização das diferenças.
É preciso aprender a se abrir, não com palavras, mas com os fatos e na verdade, à acolhida agradecida do outro: em cada gradação da alteridade, mas em particular do Outro por excelência, na unicidade do encontro de amor, sem o qual não é sequer possível realmente experimentar Deus.
O futuro das mulheres na Igreja, a própria questão da possibilidade de um futuro depende da nova consciência de si desenvolvida pelas mulheres e do modo como saberão pô-la em circulação e compartilhá-la para a vida e o crescimento da humanidade.
É necessário que mulheres e homens se conscientizem das armadilhas do sagrado e da necessidade de transcendê-lo resolutamente para serem discípulas e discípulos de Cristo. A dicotomia sagrado-profano pertence à lógica “religiosa” pré-cristã e extracristã (e também esotérica); Jesus nos ensinou com o seu exemplo a ir além.
Sagrado é palavra de derivação latina (nem sempre positiva: em muitos casos, sacer também significa “maldito”, a ser evitado), que se refere a pessoas, lugares, objetos associados à divindade, que permitem entrar em relação com ela, mas por meio de um pessoal autorizado e respeitando regras severas e invioláveis: entrar em relação, sim, mas às custas de um sistema de exclusões consolidadas pelo poder e pelo medo.
Em vez disso, profano, pro-fanum, é aquilo que está na frente do templo ou no espaço sagrado como realidade “outra”. Lembremos que o significado original de templo não remete a um edifício, mas sim a um espaço delimitado. O leigo, ao longo dos séculos, foi considerado quase como o adepto à profanidade, e isso torna ainda mais grave a convicção, ainda estrenuamente defendida pela hierarquia da Igreja, de que as mulheres, em nome de uma suposta “natureza” delas – que trágica e risivelmente se reduz a um fato cromossômico e a nenhuma outra variável humana –, só podem ser leigas e nada mais.
Cada comunidade religiosa que a história nos apresenta, teve, mais cedo ou mais tarde, a tendência a estabelecer uma separação entre sagrado e profano, a declarar algo intocável, por ser absolutamente reservada à divindade e, portanto, objeto de temor e veneração.
“Sagrado e profano”, diz Mircea Eliade no seu livro homônimo, “são – nas religiões – as duas dimensões do mundo.” Pode ser; mas certamente não são as coordenadas de um mundo redimido. O encontro das culturas é o desafio que mais interpela o futuro. As mulheres, tendo experimentado na própria pele o preconceito e a exclusão, podem ter um papel decisivo nisso.
Renunciar ao regime do sagrado, portanto. A expressão, isolada assim, parece muito forte. Alguns (até mesmo antropólogos) veem a experiência do sagrado como o primeiro nível da experiência religiosa, embora isso não diga respeito especificamente ao cristianismo e, ao contrário, o contradiz na sua íntima essência.
Renunciar ao sagrado, por quê? Parecem ser duas as razões fundamentais. A primeira, geral: porque o sagrado “produz” o profano, precisa dele para a própria defesa, subsistência e perpetuidade. A segunda, especificamente cristã: porque Jesus, com toda a sua vida e a sua morte e a sua vitória sobre a morte, marcou o fim do regime do sagrado.
O sagrado não ajuda o santo. Uma certa concepção religiosa – certamente não cristã, em si mesma, mas apropriada a partir de várias correntes de pensamento cristão – tende a ver a realidade externa ao fato religioso em sentido estrito como profana, estranha, potencialmente pecaminosa: parte da ideia de que alguns âmbitos do mundo (pessoas, coisas, lugares) poderiam temporária ou estavelmente ser isolados da profanidade para tornar possível uma relação com Deus.
Daí a visão do clero como categoria separada e, por definição, mais próxima de Deus, mas protegida por meio de várias exclusões; daí também a concepção hierárquico-sacral da Igreja, cuja persistência torna tão difícil, de fato, abrir-se em profundidade e, nos fatos, a uma concepção comunional.
O Concílio Vaticano II, sabemos, minou essa lógica. Ele fez isso muito a sério, mas parcialmente, sem aboli-la: de fato, nos documentos do Concílio, coexistem (sem se fundir, por serem essencialmente incompatíveis) duas eclesiologias diferentes ou, melhor, opostas ou quase, que se limitam reciprocamente.
A verdadeira superação da lógica do sagrado-profano opera na fonte, isto é, no próprio evento de Jesus narrado pelos Evangelhos. O cristianismo se funda na encarnação do divino no humano. A Ressurreição também é vitória da vida sobre a morte, é irrupção do divino no humano, por isso deveria ser o fim da separação, de toda separação.
Jesus, na sua vida terrena, parece se medir, mais do que com as categorias do sagrado-profano, com aquelas, em certo sentido equivalentes, do puro e do impuro: mesmo que a impureza no seu ambiente fosse concebida como um dado quase físico (e muito contagioso), operante independentemente das intenções pessoais.
De modo solene e definitivo, ele declara que “não há nada fora do homem que, entrando nele, possa torná-lo impuro” (Mc 7, 15), e muitas vezes ele rompe conscientemente, quase programaticamente, os tabus da impureza (toca os leprosos, até mesmo os mortos, toca as mulheres e se deixar tocar por elas, mesmo por aquelas em estado de impureza permanente), de vez em quando ultrapassa os territórios habitados pelos pagãos, frequenta os pecadores reconhecidos até compartilhar a mesa com eles: se a mesa, para nós, muitas vezes, significa somente comer algo, no ambiente de Jesus significa comunhão de vida, e, por isso, não se pode, não se deve compartilhá-la com qualquer um...
Em Lucas 10, 29-37, o bom Samaritano, muito “secular”, impuro e herético para os judeus, assim como todos os samaritanos, é contraposto ao sacerdote e ao levita, em uma comparação convincente: é impuro por definição, é pior do que um estranho no que diz respeito ao povo santo de Deus (embora não totalmente estranho quanto à origem), pertenceria, portanto, por excelência, à esfera do “profano”, e é assumido por Jesus como figura do estilo de Deus.
Em João 4, uma mulher samaritana de vida discutível é interlocutora de Jesus no mais longo diálogo revelador que aparece nos Evangelhos, e é a sua primeira anunciadora fora da terra de Israel. No momento da morte de Jesus na cruz, segundo Marcos (15, 38), seguido por Mateus (27, 51) e por Lucas (23, 45), o véu do Templo se dilacera em dois de cima a baixo. É a cortina que divide, do resto do Templo, o “Santo dos Santos”, o lugar inacessível para todos, exceto para o Sumo Sacerdote no exercício das suas funções e apenas uma vez por ano. A quintessência e o símbolo do sagrado como separação.
Depois do evento de Jesus não há mais a necessidade de sacerdotes, nem de todo o aparato sagrado com suas relativas exclusões: templo, culto, Lei, entendida como conjunto de preceitos.
A relação com Deus é i-mediata, é próxima, é total, mesmo que de uma totalidade sempre em devir; e foi Jesus quem sancionou essa proximidade com a sua mensagem e a sua pessoa. Jesus, mesmo que (e precisamente porque) plenamente humano, “o céu se une à terra, e o homem com Deus se encontra”, como se diz no Pregão pascal.
Não há um mundo sagrado e um mundo profano, não há pessoas sagradas (e por isso reservadas, “ontologicamente” diferentes), porque a pessoa, toda pessoa é sagrada, na sua alteridade e no seu mistério.
Com o seu corpo sacramento da interioridade, e não “apesar” do corpo, o ser humano é templo do Espírito Santo e tem acesso à comunhão com Deus. O amor de Deus escolhe, “elege”, mas não no sentido da separação, mas sim da comunhão, e quer-nos todos “santos e imaculados diante dele, no amor” (cf. Ef 1, 4).
[1] Phyllis Trible. Texts of terror: literary-feminist readings of Biblical narratives. Philadelphia, Fortress Press: 1984.
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Contra as mulheres, em nome de Deus. Artigo de Lilia Sebastiani - Instituto Humanitas Unisinos - IHU