15 Janeiro 2019
"Grosseiramente enganador, irresponsável, impreciso e injusto." Foi assim que o ex-repórter religioso Peter Steinfels classificou o relatório da Suprema Corte da Pensilvânia, de agosto do ano passado, em sua acusação arrebatadora de que bispos católicos teriam se recusado a proteger crianças de abuso sexual.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista e jesuíta, publicada por Religion News Service, 11-01-2019. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O relatório de um grande júri determinado pelo procurador-geral para investigar casos de abuso sexual infantil nas dioceses católicas do estado da Pensilvânia fez ressurgir o furor a respeito dos escândalos de abuso, causando a renúncia do arcebispo de Washington, D.C. e inspirando outros estados a empreenderem investigações semelhantes.
Para Peter Steinfels, afirmar que "todas as vítimas foram negligenciadas, em todas as partes do estado, por líderes da Igreja, que preferiam proteger os abusadores e suas instituições acima de tudo”, como diz o relatório, é simplificar demais as coisas.
No jornal católico Commonweal, ele reconhece o horror do abuso clerical e o terrível dano às crianças, mas diz que não há distinções entre dioceses no relatório, nem entre os mandatos dos bispos. Aparece tudo no mesmo saco.
O artigo de Steinfels será publicado na edição do dia 25 de janeiro da revista e atualmente está disponível no site.
Uma grande falha do relatório, para Steinfels, é que não reconhece o impacto da Carta de Dallas, de 2002, que mudou drasticamente a resposta da Igreja aos abusos. A carta exigia a denúncia de acusações plausíveis denunciadas à polícia, a criação de conselhos de revisão formados por leigos e a excomunhão de qualquer sacerdote considerado culpado por crimes de abuso.
Ele também observa que "boa parte desses crimes, talvez pelo menos um terço, só veio a conhecimento das autoridades eclesiásticas em 2002, ou anos depois, período em que a Carta de Dallas estabelecia remoção automática do ministério". Como os bispos podem ser responsabilizados por acobertar crimes dos quais não tinham conhecimento?
"As conclusões do relatório sobre abuso e acobertamento são apresentadas de modo atemporal", afirma. Deixa a impressão de que não houve nenhuma mudança no modo como os bispos lidam com casos de abuso e que continuam deixando as crianças em risco.
"Não há não a menor indicação no relatório de que se tenha buscado dar uma atenção séria a depoimentos extensos e detalhados apresentados pelas dioceses sobre as políticas e programas atuais", observa.
Segundo ele, quase todas as notícias sobre o relatório eram baseadas na introdução do relatório, de cerca de 12 páginas, ou em seus exemplos doentios. O relatório tinha 884 páginas, ou 1.356 páginas contando com as respostas das dioceses. Essas respostas ficaram enterradas na parte de trás do relatório e não constam na versão disponível no site da Procuradoria Geral.
Para demonstrar o quanto as condições diocesanas ficaram mais rigorosas ao longo do tempo, Steinfels avalia em detalhes a diocese de Erie.
Apesar de relatar com precisão que o bispo de Erie, Donald Trautman, transferiu um padre acusado várias vezes, o relatório da Suprema Corte omite que foram para uma capelania em um asilo, uma casa de idosos e uma centro de detenção para adultos, onde o padre não exerceria o ministério para crianças. O padre foi proibido de atuar fora dessas atribuições e acabou sendo impedido de usar as vestes sacerdotais. Depois, foi expulso do sacerdócio.
O relatório sequer reconhece a afirmação de Trautman de que, "até onde se sabe, nenhum desses sacerdotes foi reincidente”.
Steinfels sugere que o relatório não menciona que Trautman tentou se reunir com todas as vítimas, oferecer aconselhamento pastoral e custear a terapia. Nem que, em 2002, o bispo pediu que todos os arquivos diocesanos fossem revistos pelo promotor do condado de Erie, que concluiu que "nenhum dos abusadores permaneceu em um cargo em que representassem algum perigo".
Ainda mais condenável para o procurador geral da Pensilvânia, Josh Shapiro, que solicitou o relatório, foi uma reunião conjunta entre ele e Trautman, no dia 2 de agosto de 2018, afirmando que quase todas as acusações do relatório "não se dirigiam ao bispo Trautman".
Dentre as acusações, havia declarações no relatório que "todas as (vítimas) foram negligenciadas”; que "o principal” era evitar os "escândalos"; que os "sacerdotes estupravam meninos e meninas e os homens de Deus... não faziam nada"; que funcionários diocesanos conscientemente "permitiram que houvesse abusadores e colocaram em risco o bem-estar das crianças" e que impediram a aplicação da lei de investigação dos "crimes contra os menores".
Para Steinfels, o caso de Erie não é exceção. Ele mostra que a frase "círculo do segredo," erroneamente atribuída a Donald Wuerl durante sua liderança da diocese de Pittsburgh, nos anos 90, nada teve a ver com uma conspiração da Igreja, como o júri deixou implícito.
"Apesar dos relatórios incompletos ou imprecisos no caso de Pittsburgh que fizeram com que o cardeal Wuerl renunciasse do cargo de arcebispo de Washington, a resposta da diocese traz uma refutação clara e direta a muitas afirmações do relatório, na página 1113", afirma Steinfels.
Apesar de não alegar que tudo está perfeito na Igreja agora, ele afirma que as acusações do relatório da Suprema Corte tinham a intenção de ser “uma arma no debate" e apoiar pautas legislativas.
"O estilo apaixonado e gráfico; a caracterização da liderança da Igreja como estando no mesmo nível, talvez até pior, do dos abusadores, o fato de não distinguirem entre dioceses ou períodos, como, por exemplo, antes e depois da Carta de Dallas: tudo isso busca mobilizar a opinião pública acerca da legislação que suspende o prazo prescricional para ações civis e desacreditar a oposição da Igreja", afirma.
Steinfels reconhece a importância dos progressos realizados pelos bispos americanos, pois sua experiência é muito importante para o resto da Igreja, que muitas vezes comete os mesmos erros que os americanos fizeram no passado. Bispos do mundo todo têm muito a aprender com os dos Estados Unidos, e ignorar seu progresso não vai ajudar.
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Ex-repórter do New York Times critica relatório da Suprema Corte sobre abuso clerical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU