21 Novembro 2018
“Interpretar o que se passa hoje não é difícil. O racismo que pode ter permanecido de maneira sutil, velado na vida cotidiana, emergiu novamente à superfície, uma afronta flagrante à dignidade humana e tudo o que é decente. Por que não dizer que a carta dos bispos é necessária hoje, porque temos, no salão oval da Casa Branca, um presidente cujos comentários indecentes são usados regularmente para energizar sua base política?", é a pergunta que feita pelo editorial da publicação National Catholic Reporter, 19-11-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Do meio da bagunça que foi a reunião dos bispos dos EUA em Baltimore, saíram alguns lampejos de esperança. Um deles foi o apoio dos bispos para a canonização da irmã Thea Bowman, nascida no Mississippi, afro-americana pertencente às Irmãs Franciscanas de Adoração Perpétua de Wisconsin.
Para aqueles que viram a irmã Thea pregar e evangelizar, ela já é uma santa, e o resto é formalidade. (Um pouco mais sobre a fascinante vida e ministério da irmã Thea pode ser encontrado em inglês aqui.)
Foi apropriado celebrar esta proeminente católica afro-americana durante o mesmo encontro em que os bispos emitiram outra carta sobre o pecado original dos Estados Unidos, o racismo. [A carta pode ser lida no original, em inglês, aqui.]
A carta, em muitos aspectos, servirá como um documento de ensino introdutório sólido, tanto em termos de sua leitura histórica, incluindo alguns pontos do papel da Igreja no envolvimento com esse pecado cultural original, quanto por lembrar da necessidade de levantar essa questão novamente.
"O racismo ainda afeta profundamente a nossa cultura, e não tem lugar no coração cristão", diz a carta dos bispos. "Este mal provoca grande dano às suas vítimas, e corrompe as almas daqueles que abrigam pensamentos racistas ou prejudiciais. A persistência do mal do racismo é o motivo pelo qual estamos escrevendo esta carta. Pessoas ainda são prejudicadas. Então uma atitude ainda se faz necessária."
Seria ótimo se o sentido de urgência tão corretamente transmitido nessas poucas linhas fossem sustentados durante todo o resto do documento, se o apelo à ação envolvesse mais do que apenas uma questão de desenvolvimento pessoal e de educação e, ao invés disso, desafiasse a comunidade. Confrontar o racismo requer a conversão pessoal. Mas o racismo também é um pecado social que requer ação na praça pública. Não é segredo que esse pecado está sendo hoje abraçado nos mais altos níveis de governo ou tolerado para ganho político.
A carta certamente contém indícios do sentido que se deve tomar: "O mal do racismo cresce em parte, porque, como uma nação, tem havido muito pouco reconhecimento formal do dano feito a muitas pessoas, nenhum momento de expiação, nenhum processo nacional de reconciliação, e muitas vezes se negligencia nossa história.”
Ainda existem instituições, leis e práticas que negam igualdade de acesso e justiça a muitas pessoas. "Não podemos, portanto, olhar para o progresso contra o racismo nas últimas décadas e concluir que a nossa situação atual cumpre o padrão de Justiça", escrevem os bispos. "De fato, Deus exige o que é certo e justo."
Após a indicação de detalhes históricos, o apelo à ação repete o chamado cauteloso à educação - para nós, para os outros, para o país. Os bispos procuram uma reformulação das estruturas sociais para que a vida seja mais equitativa para todos.
Há pouca tentativa de conectar o que está acontecendo na cultura, como políticas da Casa Branca, exibições de supremacia branca em Charlottesville, Virgínia, e outros eventos.
Interpretar o que se passa hoje não é difícil. O racismo que pode ter permanecido de maneira sutil, velado na vida cotidiana, emergiu novamente à superfície, uma afronta flagrante à dignidade humana e tudo o que é decente.
Por que não dizer que a carta dos bispos é necessária hoje, porque temos, no salão oval da Casa Branca, um presidente cujos comentários indecentes são usados regularmente para energizar sua base política?
Por que não dizer que a carta é necessária porque temos um presidente que não distingue entre supremacistas brancos violentos e aqueles que se tornam suas vítimas, ou que a linguagem que ele usa para difamar e denegrir os imigrantes de todas as etnias, mas particularmente hispânicos e muçulmanos, gera ódio e conduz à violência?
Não é possível que os bispos não encontraram em nossos textos sagrados palavras fortes que condenam os opressores. Será que eles não podem encontrar nenhuma testemunha profética em nossa história para se inspirar? Por que a reticência?
A carta é uma reminiscência da abordagem cautelosa tomada pelos líderes religiosos brancos no sul durante a era dos direitos civis, um deles um bispo católico, que recebeu uma carta vívida do Rev. Martin Luther King da cadeia de Birmingham em 1963. Não havia mais nenhum motivo para moderação e espera.
"Devo confessar que ao longo dos últimos anos eu tenho estado muito decepcionado com a moderação branca", escreveu King. "Quase cheguei à lamentável conclusão de que o grande obstáculo do negro em seu passo rumo à liberdade não são Os Conselhos de Cidadãos Brancos ou o Ku Klux Klan, mas a moderação branca, que é mais devota à "ordem" do que à justiça; que prefere uma paz negativa, que é a ausência de tensão, para uma paz positiva, que é a presença da justiça ... que paternalmente acredita que pode definir o calendário para a liberdade de outro homem.
Este não é um momento para ser politicamente sagaz ou excessivamente paciente. O pecado, nós sabemos, deve ser nomeado. Nenhum juiz conservador vale o ódio e a intolerância que estão sendo criados por este presidente e alguns de seus seguidores.
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Carta pastoral dos bispos americanos sobre o racismo carece de senso de urgência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU