14 Novembro 2018
Uso indiscriminado do remédio pode levar ao surgimento de bactérias multirresistentes, segundo entidade mundial; avanço nas técnicas de diagnóstico é um dos caminhos para que prescrição do medicamento seja mais certeira, afirmam especialistas.
A reportagem é de Jamil Chade e Fabiana Cambricoli, publicada por O Estado de S. Paulo, 14-11-2018.
O número de doses de antibióticos consumidas no Brasil está entre os maiores do mundo, superando a média da Europa, Canadá e Japão. Os dados estão em relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgado nesta segunda-feira, 12, que alerta para as consequências do uso indiscriminado desse tipo de medicamento. A principal preocupação da agência é que o consumo indevido favoreça o surgimento de bactérias multirresistentes causadoras de infecções difíceis de curar.
O levantamento da OMS incluiu os dados de 65 países onde as informações são coletadas de forma rigorosa. O indicador foi o número de doses diárias (DD) consumidas para cada mil habitantes. No Brasil, o índice ficou em 22 DD para cada mil, o que coloca o País como o 19.º maior consumidor do remédio entre as 65 nações pesquisadas.
Na Europa, a média é de 18 doses, enquanto no Canadá e no Japão o índice medido foi de 17 e 14 DD, respectivamente.
O relatório mostra grande variação do consumo do medicamento entre os países. O índice variou de 4 no Burundi (África) a 64 DD na Mongólia (Ásia).
OMS e especialistas ressaltam, porém, que índices muito baixos de consumo também não são positivos. A grande diferença no uso de antibióticos indica que alguns países provavelmente abusam no consumo enquanto outros não têm acesso suficiente aos remédios.
Diretora médica do Serviço de Microbiologia do Laboratório Central do Hospital das Clínicas, Flávia Rossi concorda. “Tanto o uso excessivo quanto o pouco uso são preocupantes”, diz ela, que defende, no caso do Brasil, medidas para reduzir o consumo inadequado.
“Uma das principais ações seria investir em melhorias nos métodos diagnósticos para que a prescrição do medicamento seja mais certeira. Precisamos, principalmente no sistema público, de mais investimentos nos laboratórios de microbiologia para que o médico e o doente saibam de forma mais rápida qual é o micro-organismo causador da doença”, declarou Flávia, que faz parte de um grupo de especialistas convocados pela OMS para discutir protocolos para o uso racional de antibióticos entre humanos e animais (mais informações abaixo).
Suzanne Hill, chefe da Unidade de Medicamentos Essenciais da OMS, afirma que é esse uso inadequado que tem levado a uma resistência cada vez maior das bactérias aos produtos. Isso acontece quando pacientes usam antibióticos em situações em que não precisam ou quando não terminam o tratamento, dando a chance para que parte das bactérias resista e crie “imunidade” ao remédio.
Diante disso, a Associação Panamericana de Infectologia, em parceria com a farmacêutica Pfizer, lançou esta semana campanha nas redes sociais para conscientizar pacientes sobre o uso racional dos remédios. “A ideia é mostrar que pequenas ações, como o uso conforme prescrito pelo médico e o descarte correto, podem salvar milhões de vidas”, diz Eurico Correia, diretor médico da Pfizer.
A resistência bacteriana têm preocupado autoridades brasileiras. Em 2010, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) endureceu a regra para prescrever antibióticos. Quase todos os remédios do tipo passaram a ser vendidos só com a retenção da receita. Questionada nesta terça-feira, 13, sobre os efeitos da medida, a Anvisa disse não conseguiria responder no prazo.
Apenas a resistência aos antibióticos que tratam de tuberculose causa 250 mil mortes por ano. Além desse, a OMS já identificou 12 casos em que a resistência a produtos no mercado já é uma ameaça.
No total, 51 novos antibióticos estão em diversas etapas de avaliação e teste. Mas desses, só oito são classificados pela OMS como “tratamento inovadores”. Mas não há garantia de que cheguem ao mercado porque ainda precisam passar por todas as fases de pesquisa clínica.
O uso indevido de antibióticos não deve ser combatido somente entre os humanos, mas também no setor da agropecuária. Hoje, 70% dos medicamentos do tipo consumidos no mundo são utilizados no setor de alimentos e animais, o que fez a Organização Mundial da Saúde (OMS) iniciar discussões de medidas que levem à redução desse uso nos animais.
“No setor de agropecuária, os antibióticos têm sido usados tanto para tratar doenças nos animais quanto para aumentar o peso deles. Isso tem de ser reduzido ao mínimo possível”, destaca Flávia Rossi, diretora médica do Serviço de Microbiologia do Laboratório Central do Hospital das Clínicas.
A brasileira integra um grupo internacional formado por especialistas convocados pela OMS para discutir formas de reduzir o uso indevido desses remédios. No ano passado, o grupo fez uma classificação de quais antibióticos devem ser usados em cada grupo (humanos ou animais).
“A partir dessas classificações e estudos, estamos criando protocolos e recomendações. Acredito que tanto o Brasil quanto outros países vão seguir essa tendência de redução porque é uma demanda mundial”, afirma Flávia. “Nos Estados Unidos, por exemplo, grandes empresas de produção de carne já colocam em seus produtos selos mostrando se o produto teve ou não utilização de antibiótico”, relata a médica.
A especialista destaca que a meta da OMS é alcançar níveis de uso adequado de antibiótico em humanos e animais até 2050. Se nada for feito até lá, a agência estima que o número de mortes em função da resistência bacteriana chegue a 10 milhões por ano, superando, por exemplo, o número de vítimas do câncer (8,2 milhões). Hoje, a estimativa é que 700 mil pessoas morram no mundo por infecções causadas por bactérias resistentes a cada ano.
De acordo com Flávia, a bactéria mais presente em infecções resistentes é a Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase (KPC), conhecida por causar surtos em vários hospitais brasileiros. As pessoas mais vulneráveis às infecções resistentes são crianças, idosos e os pacientes com condições que tornam o sistema imunológico mais frágil, como doenças autoimunes, câncer ou HIV.
- Duração
Não suspenda o uso de antibióticos prescritos por seu médico antes de período determinado ainda que os sintomas já tenham desaparecido.
- Doenças
A automedicação é perigosa. O paciente não deve tomar antibióticos que sobraram de tratamentos anteriores.
- Descarte
Não jogue antibióticos na pia, lixo ou vaso sanitário porque, em contato com bactérias do solo ou da água, isso pode levar ao desenvolvimento de cepas (tipos) resistentes.
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Antibióticos. Brasil supera Europa em média de consumo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU