13 Novembro 2018
Cinco anos depois de seu desaparecimento, ainda envolto em mistério, um encontro em Beirute relembra a figura do missionário jesuíta na Síria. O desafio ao regime de Damasco e o desejo de lidar com os jihadistas. O apelo dos pais: "Que sejam feitos todos os esforços ainda possíveis para obter notícias dele".
A reportagem é de Fady Noun, publicada por AsiaNews, 09-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Lançar as bases para um “caminho de esperança", na esteira do diálogo entre cristãos e muçulmanos. E sacrificar-se em um "gesto extremo de amor" para tratar da libertação de prisioneiros nas mãos dos milicianos do Estado Islâmico. Esses são alguns dos traços registrados de padre Paolo Dall'Oglio, jesuíta italiano na Síria, de quem não se tem mais notícias há mais de cinco anos. Um encontro organizado em Beirute recentemente analisou a sua figura e o testemunho que ele deixa para o mundo cristão e muçulmano.
A St. Joseph University de Beirute recentemente promoveu uma cerimônia em homenagem ao padre Paolo Dall'Oglio, padre jesuíta que desapareceu na Síria em 29 de julho de 2013 e que desde então não se tem mais notícias. Figura carismática do diálogo islâmico-cristão inter-religioso, padre Dall'Oglio desapareceu depois de ter se dirigido naquele dia à sede do Estado Islâmico em Raqqa, na época a sede do Califado na Síria, para defender a causa e exigir a libertação de vários reféns mantidos pelo grupo jihadista. O evento, no entanto, foi uma oportunidade para falar não tanto do mistério de seu desaparecimento, mas sim de sua tentativa de penetrar no mistério do abismo entre a religião cristã e a muçulmana.
A mais bela e, também, mais correta frase dessa série de testemunhos, foi a de Dany Younès, padre provincial dos jesuítas, que afirmou: "Ele servia em um mosteiro em ruínas para revelar a grandeza de um bom construtor, e é por cima dos abismos que se constroem pontes". Na primeira parte de sua frase, padre Younès fez alusão à empreitada de renovação do mosteiro sírio de Mar Musa al-Habachi (Moisés, o Etíope), iniciada pelo pe. Dall'Oglio.
Ele transformou a estrutura em um centro de diálogo inter-religioso e de trocas diárias com os numerosos muçulmanos que vinham visitar o mosteiro. Na segunda parte, ele evocou a profunda divisão teológica entre o cristianismo e o islamismo.
Para colmatar essa lacuna, o padre provincial dos Jesuítas quis comparar a aventura espiritual de Paolo Dall'Oglio com aquela de Abraão, considerado pelas Sagradas Escrituras como "o amigo de Deus." Eis o que disse o padre Younès: "A fé não é a doutrina. A fé é a salvação, a fé instrui [...] Pai dos fiéis, Abraão foi testemunha de uma amizade que foi muito além das doutrinas [...] É na amizade que só Deus pode doar, que Paolo encontrava a sua vocação e a partir da qual concebia a vocação da Companhia de Jesus, assim como de todas as famílias religiosas. O sincretismo provocativo contido em seu pensamento não se coloca no nível da doutrina, mas no plano da amizade".
Seria talvez possível, a partir disso, estabelecer uma teologia do encontro inter-religioso? Para o reitor da Universidade de Saint Joseph de Beirute, pe. Salim Daccache, "a grande questão de Paolo Dall'Oglio, que nunca deixou de repetir, foi a seguinte: o que o Islã quer dizer aos cristãos? E mais: ao que está levando o cristianismo? Como ensinam Charles de Foucauld e Louis Massignon, seus dois grandes mestres espirituais, Paolo pensava que a religião muçulmana, pelo mistério da qual é portadora para os cristãos, empurrasse a Igreja para uma imitação ainda mais radical de Cristo, para uma maior humildade, um melhor espírito de acolhimento e serviço".
"Queridos amigos - acrescentou Pe. Daccache - ainda arisco algumas palavras para dizer a vocês que a força de Paolo e a sua atualidade residem justamente no fato de nos deixar com algumas questões não resolvidas [...]. Confrontado com essas perguntas e essas interrogações, o ponto de vista a longo prazo de Paolo era justamente de lançar as bases de um caminho que ele rebatizava 'o caminho da esperança''.
Paolo Dall'Oglio era, por assim dizer, um homem em risco e, para ele, os riscos espirituais e físicos eram uma coisa só. Ele já havia assumido o primeiro risco ao decidir ir para a Síria. Então ele correu o risco de retornar ilegalmente, depois de receber uma ordem de deportação. Hostil à ditadura, ele havia se tornado porta-voz daqueles que se opunham ao regime de Damasco. Ele costumava dizer: "Muitos sírios me disseram que quando você consegue vencer o medo e se abrir para os outros, você passa de um estado de escravidão para o de um cidadão. Quando você coloca em dúvida o fato de que o presidente seja um Deus, embora tenham te ensinado isso desde a infância, quando você consegue separar a verdade da autoridade, distinguir a objetividade do poder e quando, pelo caminho, você reclama por dignidade, eis que então você sente um momento de verdade, de liberdade e de autenticidade. E o mais incrível é que eles te prendem por isso, e te torturam, mas na manhã seguinte você volta para as ruas".
Seu terceiro maior risco, aquele físico - que forma um único com aquele espiritual - foi sua aproximação ao Estado Islâmico (EI, ex-Isis). Um desejo de aproximar-se a eles em que a fé, no contexto de um diálogo possível, era o ponto central, apesar de todas as barbáries que já se contavam sobre essa organização.
"Minha impressão, como 'pessoa prudente', sobre a decisão de Paolo Dall'Oglio de ir para a cova do leão [...] é que possa ter sido uma aventura imprudente, demasiado carregada de riscos, especialmente para um homem sozinho" ressaltou durante a cerimónia Mons. Khaled Akasheh, chefe do Departamento para o Islã do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. "Mas eu gostaria de relatar - acrescentou - o testemunho do pe. Jacques Mourad, membro de sua comunidade, com quem me encontrei no mês passado em Bolonha, na Itália. Sobre aquela decisão, padre Mourad me disse que o pe. Dall'Oglio estava bem ciente dos riscos que estava assumindo, mas que ele sentia em seu coração um chamado para ir para Raqqa, para tentar negociar a libertação de alguns prisioneiros. Então certamente não foi uma decisão impensada, mas um gesto extremo de amor".
Sob o impulso do Papa Francisco, a Igreja transformou-se em "uma galáxia mundial agora, muito menos uma instituição e bem mais um motor para a evangelização", ressaltou Giorgio Benvenuto, presidente da Fondazione Bruno Bozzi, durante a cerimônia. E nesse modelo, acrescentou, o diálogo se tornou, por sua vez, "um importante precursor de um valor que hoje, mais do que nunca, parece faltar: a solidariedade".
Realizada em 1 de novembro de 2018 no auditório do Campus para esporte e inovação, a cerimônia de homenagem a pe. Paolo Dall'Oglio foi organizada pela Universidade de Saint Joseph, em Beirute, e pela Fundação Bruno Bozzi, representada pelo seu Presidente Giorgio Benvenuto. Entre as muitas intervenções e contribuições, queremos destacar a carta enviada aos participantes pelos pais do padre Paolo Dall'Oglio. Na carta, eles contam que "continuam a pensar em Paolo" e "vamos relançar o apelo para que sejam feitos todos os esforços ainda possíveis para obter notícias sobre ele". Uma lembrança final vai "para as outras pessoas desaparecidas, sequestradas ou mantido em cativeiro por este conflito" e insistem para que a verdade e a justiça sobre esses crimes "sejam prioridades para a comunidade internacional."
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Padre Dall'Oglio, o sacrifício 'extremo' de uma testemunha 'radical' de Cristo, ponte para o Islã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU