Uruguai. Entrave na lei para transexuais demonstra crescimento de grupo evangélico na política

Marcha da Diversidade Sexual no Uruguai, 28-09-2018. Foto: Agencia Presentes

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Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 04 Outubro 2018

O partido governista Frente Amplio transita um projeto de lei no parlamento a mais de um ano para a construção de ações afirmativas à população transexual do país. Embora a bancada governista seja maioria no legislativo, as pressões contrárias dos partidos de oposição emperram a sua aprovação. Lideranças do movimento trans acusam influência de grupos evangélicos sobre o processo legislativo.

O Projeto de Lei Integral para Pessoas Trans foi apresentado ao Parlamento Nacional pelo Poder Executivo em maio de 2017 depois da elaboração do Conselho Nacional de Diversidade Sexual. O projeto prevê a construção de políticas de ação afirmativas para a população trans do Uruguai. Segundo Censo de 2016 são 933 pessoas declaradas transexuais no país.

O projeto de lei é considerado uma política discriminatória positiva, isso é, de reconhecimento da diferença e afirmação de políticas para o grupo em questão. Entre as ações previstas no projeto de lei estão o acesso público e gratuito à cirurgia de mudança de sexo, bolsas de estudo, prioridade em políticas habitacionais e a reserva de 1% das vagas em postos de trabalhos e cursos de formação técnica do Estado. Além disso, o projeto prevê pagamento de indenização às pessoas trans nascidas antes de 1976 que tenham sido vítimas de violência institucional.

Entretanto, o ponto de maior polêmica está em relação à faixa etária. O projeto em trânsito garante o registro e, portanto, o acesso às ações afirmativas para qualquer pessoa que se declarar transexual. No caso de menores de 18 anos, faz-se necessário o aval dos pais. Porém, caso não haja, o projeto garante o acesso ao Código de Infância e Adolescência, que em seu artigo 8º assegura a qualquer criança ou adolescente o direito de ser escutado e obter respostas na justiça quando tomarem decisões a respeito de suas vidas.

Assim, a oposição questiona que crianças e adolescentes teriam acesso à cirurgia de mudança de sexo e hormonização sem a autorização dos seus pais. A oposição formada pelo Partido Nacional e Partido Colorado tem em sua composição três deputados evangélicos, entretanto, Gerardo Amarilla, da Igreja Evangélica Batista, chegou a presidência da Câmara dos Deputados no ano de 2016. Amarilla afirmou publicamente na posse que a “lei de Deus é maior que a Constituição”.

A representatividade de uma bancada evangélica ainda é baixa na política uruguaia, mas tem tido crescimento. Além dos 3 deputados, outros 13 políticos ligados a setores fundamentalistas de igrejas pentecostais e neopentecostais tem cargos ou suplência.

A crítica em relação ao entrave no processo é apresentada pelas associações que apoiam a comunidade trans no Uruguai. A líder da oposição, senadora Veronica Alonso, é acusada de receber apoio financeiro da Igreja Misión Vida. A senadora se lançou pré-candidata à presidência da República pelo Partido Nacional. Em sua equipe de coordenação de pré-campanha, conforme reportagem do jornal El País do Uruguai, quatro pessoas fazem parte da Misión Vida, com exceção dela mesmo. Entre os coordenadores está o deputado e pastor Álvaro Dastugue, genro de Jorge Márquez, o fundador da Igreja.

O Uruguai ainda é considerado o país mais secular do continente e com o menor número de crentes. Porém, mesmo com a baixa expressão comparado aos outros países, a pressão evangélica trava o projeto de lei para transexuais a mais de um ano. Um abaixo assinado com mais de 40 mil assinaturas foi apresentado ao Parlamento rechaçando a lei.

Na semana passada, parlamentares do Frente Amplio reuniram-se para discutir alterações no projeto. Entre as mudanças sugeridas estão o impedimento de hormonização e cirurgia para crianças e o estabelecimento de uma idade mínima entre adolescentes para acessar ao serviço público com autorização dos pais.

As estatísticas oficiais apresentam que 933 pessoas são transexuais, destas 88% são mulheres e 12% homens. A expectativa de vida de uma pessoa trans no Uruguai é de 35 anos, enquanto a da população geral está em 77 anos. Um estudo da Universidad de la Republica aponta que 25% abandonam o seio familiar antes dos 18 anos, 87% largam os estudos no secundário e sofrem discriminação na escola e 67% precisam se prostituir para ter renda.

A previsão do Frente Amplio é que com as alterações seja possível aprovar o projeto até o dia 27 de outubro. A oposição afirmou que se posicionará sobre o novo texto somente quando estiver concluído e apresentado oficialmente.

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