01 Setembro 2018
“Eu estarei em Roma nos próximos dias e gostaria muito de me encontrar com Francisco para entender melhor as respostas a algumas perguntas”, afirma Marie Collins, ex-membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores e sobrevivente irlandesa dos abusos sexuais por parte do clero.
O artigo foi publicado em National Catholic Reporter, 31-08-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Junto com outros sete sobreviventes, eu me encontrei com o Papa Francisco no dia 25 de agosto, ocasião em que perguntei por que o Tribunal Central de Responsabilização vaticano, anunciado em 2015, não estava sendo implementado.
Em resposta, ele me falou da sua crença de que, por razões culturais, tal tribunal “não era viável”. Ele fez referência ao seu motu proprio “Como uma mãe amorosa”, de 2016, nesse momento e mais tarde em sua coletiva de imprensa do dia 26 de agosto no avião de volta para Roma, em vez do tribunal.
No avião, ele expressou a crença de que eu estava “um pouco obcecada” e não “entendia” o processo que estava sendo usado agora. Eu não tenho nenhum problema em admitir que estou determinada a ver que aqueles que protegem os perpetradores estão sendo responsabilizados (embora “obcecada” não seja o modo como eu me descreveria!).
O padre que abusou de mim foi exposto como um perpetrador ao seu bispo logo depois, mas o bispo não fez nada, e o padre passou a agredir sexualmente meninas em suas paróquias pelos próximos 30 anos – daí a minha determinação de que os perpetradores não sejam protegidos.
Eu entendo a opção alternativa escolhida por Francisco em comparação com uma opção centralizada. A declaração em relação à minha falta de compreensão é remanescente para mim do cardeal Gerhard Müller, que, após a minha renúncia da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores em 2017, também disse que eu não “entendia”. Também nesse caso eu entendi.
Francisco claramente favorece agora tribunais separados ou locais para responsabilizar os bispos, mas eu me pergunto: o que fez com que ele mudasse de ideia desde 2015? Naquela época, um Tribunal Central de Responsabilização vaticano foi recomendado a ele pela sua Comissão para a Proteção dos Menores. Essa recomendação para um tribunal central foi aprovada por todos os membros da Comissão, especialistas que ele havia escolhido de diferentes panos de fundo culturais para assessorá-lo.
Em 10 de junho de 2015, o Conselho dos Cardeais anunciou que o papa estava de acordo com essa recomendação e que ele forneceria todo financiamento ou pessoal necessário para implementá-lo. Mais tarde, um membro próximo da Congregação para a Doutrina da Fé relatou à Comissão que o tribunal havia sido bloqueado por eles e, como sabemos, nunca foi implementado.
O Papa Francisco não explicou por que ele aceitou um tribunal central em 2015, mas agora sente que ele “não é possível”. Quem ou o que fez com que ele mudasse de ideia?
A principal razão do papa para diferentes juízes para diferentes bispos, como expressado durante a coletiva de imprensa, é por causa das “diferentes culturas dos bispos que devem ser julgados”. Eu admito livremente que não entendo isso. A Igreja Católica deveria ter um padrão universal para todas as lideranças.
Se em algumas culturas são aceitas práticas que não são aprovadas no direito internacional ou no próprio direito canônico da Igreja, em vez de abaixar seus padrões para se adequar à cultura, na verdade, a Igreja deveria garantir que eles façam o oposto e se tornem precursores na mudança dessa cultura, a fim de proteger os vulneráveis. Todas as crianças devem ser igualmente valorizadas.
Ao falar na coletiva de imprensa no contexto de uma questão sobre responsabilização, Francisco se referiu às descobertas contra o arcebispo de Guam, Anthony Apuron, como a última vez em que este sistema foi usado. Eu acredito que esse caso dizia respeito a um perpetrador de abusos e, portanto, não se trata de uma questão de responsabilização. Por que a confusão?
O papa fala que a razão de não ter um tribunal central é que, para alguns bispos, “deixar suas dioceses (...) não é possível”. Se essa for uma impossibilidade verdadeira, então será que uma exceção não poderia ser feita por algum tribunal vaticano para se ter uma audiência local naquele caso particular?
Ao falar sobre o seu processo de usar o motu proprio “Como uma mãe amorosa”, o papa disse que “muitos bispos foram julgados dessa maneira”. Todos eles foram considerados inocentes? Ou, se houve descobertas de culpabilidade, por que elas não foram tornadas públicas?
Se tudo está em ordem e os bispos estão sendo responsabilizados nos bastidores, então por que, em sua recente carta ao Povo de Deus, Francisco se refere aos esforços para “garantir” e à demora em “aplicar essas medidas e ações tão necessárias”?
Em sua coletiva de imprensa, o papa expressou a intenção de se encontrar comigo quando eu estiver em Roma e explicar como o novo processo de responsabilização de acordo com seu motu proprio está funcionando. Devido à pressão do tempo no dia 25 de agosto, não pudemos discutir as questões profundamente, então eu apreciaria essa oportunidade.
Eu acredito que seria importante fazer algumas das perguntas acima e que depois elas sejam explicadas, a fim de esclarecer a questão da responsabilização.
Eu estarei em Roma de 9 a 14 de setembro em uma visita privada e gostaria muito de me encontrar com Francisco para entender melhor as respostas a essas perguntas. Se isso não for possível, eu realmente espero que ele faça uma declaração aos fiéis abordando essas questões e afirmando claramente o que está sendo feito, pois muitos estão sofrendo com o que está acontecendo na sua Igreja hoje.
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Marie Collins responde a Francisco, buscando transparência no processo de responsabilização dos bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU