05 Julho 2018
"Não vi senão o caminho", escreveu Pablo Neruda. A América Latina é desde sempre um continente "móvel". Não é de estranhar, portanto, que, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), trinta milhões de cidadãos da região vivam fora do próprio país de origem. Quase cinco por cento dos cerca de 650 milhões de habitantes. Só para fazer uma comparação, os africanos "fora de país" são 33 milhões, de um total, no entanto, de mais de um bilhão de pessoas. Se até uma década atrás, quem atraia os fluxos era principalmente o El Dorado EUA e seu equivalente europeu, agora o 'sonho americano' é realizado ao sul do Rio Bravo.
A reportagem é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 04-07-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
A partir de 2009, a migração no interior da região começou a crescer, aumentando em 39% em um período de três anos. E, desde então, o aumento continua a uma taxa de crescimento de 3% ao ano. Vários fatores pesaram na inversão da tendência. A causa desencadeadora foi a grande recessão que desarticulou, sucessivamente, as economias dos Estados Unidos e do Velho Continente. A isso se somou a disparada nos preços internacionais das matérias-primas, o motor do milagre de vários países da América Latina. O Brasil, a Argentina e, cada vez mais, o Chile tornaram-se polos de atração muito mais atraentes do que a Espanha ou a Flórida. Recentemente, o que determina os deslocamentos internos em relação aos extrarregionais são as barreiras cada vez mais estreitas impostas pelo Norte.
Em especial, o muro – por enquanto de tipo jurídico - construído por Donald Trump ao longo da Linha, a fronteira de 3.200 quilômetros que separa o Norte e o Sul da América e do mundo. "Na verdade não existe uma única migração latino-americana, mas três fluxos, com diferentes motivações, direções e destinos", explica Jorge Martínez Pizarro, especialista da seção da população da Cepal. A mobilidade circular – ou seja, dentro do espaço compreendido entre o México e a Terra do Fogo – diz respeito especialmente ao sul da região, tanto em relação aos países de partida, como de destinos. Trata-se em parte de uma migração histórica, como a dos paraguaios para a Argentina. Em parte de novos fluxos, como os haitianos para o Chile e o Brasil. Em ambos os casos, aqueles que se deslocam são movidos por razões econômicas.
"O dado interessante é que, ao contrário da Europa e dos EUA, estão tentando administrar esses deslocamentos e não bloqueá-los. Isso não significa que não existam tensões ou preconceitos raciais. Os países latino-americanos, no entanto, estão acostumados a receber e integrar os estrangeiros", afirma José Moya, do Barnard College de Nova York.
O Chile é o grande catalisador das novas diretrizes. Entre 2007 e 2015, a imigração no país cresceu 143%, a mais alta taxa do continente. Nos últimos anos, o ritmo aumentou ainda mais com a chegada dos venezuelanos e, acima de tudo, dos haitianos, para os quais se fechou o caminho para o Norte, com uma redução sobre as licenças humanitárias nos EUA, já na época da Administração de Barack Obama. Cem mil deles se mudaram para o país do sul em 2017. Fala-se agora de um milhão de estrangeiros, dos quais um terço irregulares, que correspondem a 6 por cento da população. "O outro fluxo latino-americano diz respeito ao México, e especialmente o chamado ‘Triângulo Norte’, ou seja, El Salvador, Honduras e Guatemala. Nesse caso, trata-se de pessoas que fogem de situações de violência extrema e se dirigem, em sua maioria, para os Estados Unidos.
As políticas de Donald Trump não podem detê-las porque não são migrantes econômicos, mas sim seres humanos que fogem dos narcotraficantes. Mesmo que as restrições obriguem muitas pessoas a buscar os países vizinhos, principalmente a Costa Rica”, acrescenta Pizarro Martínez. Nesta última nação, em quatro anos, os pedidos de asilo por parte dos centro-americanos quintuplicaram, chegando a 2.079.
Em 2018, se a repressão de Trump continuar, eles poderão chegar a 14 mil, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Outros 3.000 entregaram pedidos no Belize e vinte mil - do meio milhões que anualmente cruza a fronteira para chegar à Linha - poderia parar no México. Um paradoxo, considerando que este país é dilacerado pela guerra do narcotráfico. Foi esse o motivo que provocou a retomada da emigração mexicana para "El Norte". O fator violência - e medo de recrutamento forçado pelas gangues dos narcotraficantes - também explica porque quase um terço dos migrantes mexicanos e centro-americanos seja de menores de idade, adolescentes e jovens com menos de vinte anos. O terceiro êxodo é o dos venezuelanos. É um fenômeno ambíguo, tanto pelas razões - conjuntamente econômicas e políticas - como pela direção, em parte para dentro e em parte para fora da região - conclui Martínez Pizarro. E inclusive é novo. Desde 2015, a rota foi sendo invertida. E a Venezuela, até recentemente entre os destinos favoritos dos latino-americanos em busca de trabalho, tornou-se agora terra de emigração.
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O sonho dos imigrantes latinos agora tem como meta a América do Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU