09 Junho 2018
"A conversão eleva o ser humano para uma vida repleta de amor em tudo – tudo é Amor. Mas é o amor que sempre se destaca na conduta de alguns supostos convertidos?", questiona Orlando Polidoro Junior, teólogo, pastoralista e bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR.
“Isto vos mando: amai-vos uns aos outros” (Jo 15,17). “A caridade é paciente, a caridade é prestativa, não é invejosa, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,4-7).
Não existe um padrão, um jeito correto ou um planejamento ideal para a conversão, entretanto, este artigo reflete sobre um modelo de conversão embasado nessas duas citações bíblicas.
Dialogar sobre conversão é tratar sobre Deus, é falar da misericórdia e do Amor professado pelo Seu Filho Jesus, sem deixar de reconhecer e suscitar as revelações do Espírito Santo. Deus manifesta a plenitude do Seu Amor em Cristo Jesus, que veio para nos servir – e não para ser servido (cf. Mt 20,28). Seu Evangelho é pura lição de amor ao próximo. Então, ir à missa diariamente ou toda semana, rezar copiosamente, participar de obras de ações sociais [dentro e fora da igreja], doar o dízimo, etc., não podem ser consideradas como “atitudes finais que configuram uma ‘verdadeira’ conversão”, desde que, no dia a dia não seja impulsionada por olhares respeitosos e fraternos para com o próximo.
Herdeiros da Nova e Eterna Aliança, o Santuário Onipresente na alma do cristão ama ao próximo com a si mesmo (cf. Gl 5,14), e adora a Santíssima Trindade (cf. Jo 4,23). Jesus é O Modelo que o fiel busca se aproximar e seguir. É fácil? Não! Mas da parte humana este é o critério da conversão.
Convivendo entre cristãos, católicos e protestantes, é comum ouvir declarações convictas de irmãos que, de alguma forma ou por algum (s) motivo (s) se julgam e até se declaram convertidos (as). Diante de tal circunstância, glória a Deus passa a ser uma mensagem de retorno cabível e digna para o cristão “merecedor dessa graça”. Porém, o conceito de graça merecida é mais um entre alguns fundamentos mal interpretados, tanto por determinados fiéis, como também por certas denominações religiosas que pregam a ideia de que a conversão não é para qualquer um, e sim, é recebida quase como um prêmio concedido por Deus, mas somente para os puros e justos. Será?
Para o catolicismo, o protestantismo tradicional e alguns pentecostais, os entendimentos de uma conversão virtuosa contêm princípios equivalentes, entre eles, o de maior relevância é o afastamento do pecado. Partindo desta gênese, pela via da graça santificante o cristão segue O Novo Caminho, e durante o processo de conversão que é contínuo [...], surge uma mudança de conduta – cheia de luz – semelhante à vida e ao amor de Jesus proclamado em Seu Evangelho. Para seguir Jesus é preciso estar preparado (a) para novos desafios e esforços, mas sempre consciente de que serão alcançados e superados pela moção da Santíssima Trindade [Evangelii Gaudium]. Pela fé, a graça da conversão promove transmutações no interior/alma do fiel, gerando sentimentos mais puros e justos – dignos do amor de Jesus, O Cristo (cf. 2 Cor 5,17).
Mesmo partindo deste entendimento, a capacidade humana para compreender e explicar, com certeza, sobre a conversão em sua totalidade, está limitada até mesmo aos maiores teólogos do mundo em todas as épocas, pois não é possível profetizar o que Deus pensa e nem como e quando sua graça será manifestada. Contudo, os resultados de pesquisas desenvolvidas durante séculos, pelo menos nos dão algumas pistas lógicas para o reconhecimento de conversões analisadas e concebidas como “verdadeiras”, devido ao modelo de vida construído pelo fiel convertido (a), ou seja, modelo exemplar de caridade [amor pleno ao próximo]. Mas certas atitudes de alguns convertidos (as) de nosso relacionamento servem como bons exemplos de caridade?
Quando pela graça, A Santíssima Trindade coloca um filho (a) no caminho inicial da conversão [Ad Gentes], ela é incontestável, por isso, as mudanças de pensamentos e de atitudes refletem intensamente à luz do Senhor – refletem paz, harmonia, respeito e muito amor em tudo. A Trindade transfigura a alma do ser humano.
Em verdade, a questão da conversão é complexa e exige discernimento para que possa ser bem interpretada, visto que, como humanos apegados às doutrinas religiosas, algumas vezes mal compreendidas, defendidas e praticadas sem o uso correto da razão, “bate-se no peito com orgulho” autoafirmando-se convertido (a), até mesmo em relação a alguns tipos de mudanças mais ‘comuns’ como: trocar de igreja ou de religião, parar com algum tipo de vício, parar de praticar alguns atos considerados pecaminosos, etc.
Nem cabe comentários quanto ao modelo de conversão visto como mudança de religião ou de igreja. Mas, com certeza, as referências de libertação de vícios e o afastamento de ações destruidoras da paz, independente de uma vida de fé ou não, é pura graça divina. Mas em amplo juízo teológico, estas ações/manifestações também não podem ser consideradas como uma conversão virtuosa/gloriosa, pois um cristão verdadeiramente convertido pelo amor e pela misericórdia da Santíssima Trindade, recebe muito mais do que uma graça/milagre temporal. Recebe gratuitamente, carismas, virtudes, serenidade e dons semelhantes aos de Jesus. A conversão eleva o ser humano para uma vida repleta de amor em tudo – tudo é Amor. Mas é o amor que sempre se destaca na conduta de alguns supostos convertidos? Sem julgar e condenar, vale contemplar para poder perscrutar sobre o Evangelho de Jesus; e como aceitamos e convivemos com as supostas conversões de alguns semelhantes.
Vamos refletir um pouco sobre dois exemplos considerados como conversões: o primeiro refere-se ao cristão ardente na fé, que caminha em intensa sintonia com os sinais da Trindade Santa – e com isso, aos poucos, seu coração vai se transformado para o Bem Maior de Deus. O segundo exemplo é aquele que, caminhando ou não na fé, “do nada”, o filho (a) passa a conviver com a Verdade. O primeiro exemplo segue o raciocínio cristão que compreende a conversão como um processo de evolução na caminhada de fé, já o segundo parece ser um passe de mágica, mas não é, é pura manifestação da Graça Trinitária [obras do Divino].
É uma ousadia humana querer adivinhar o que Deus pensa e/ou o seu modo de agir, todavia, a Teologia interpreta a conversão como sendo um processo diário na vida do fiel, visto que não pode ser concebida como uma simples chave liga-desliga e tudo resolvido. Contudo, o agir do Deus Trinitário surpreende sempre, da mesma forma que também podemos surpreendê-lO com nosso livre-arbítrio, porém, na vertical há muitas bênçãos e graças recebidas, e uma delas é a caridade, que dignamente o fiel a compartilha com os semelhantes na horizontal – no chão da vida (cf. Tg 2,8).
Comparando os dois exemplos com duas referências de conversões bem tradicionais na história do catolicismo, citamos, Agostinho de Hipona e Saulo de Tarso, pois têm semelhanças racionais. Segundo as confissões de Agostinho, mesmo com uma vida turbulenta diante do ser cristão em sua época, de perseguidor consciente de Deus por longos anos, só O encontra quando em um determinado momento, ao ouvir a voz de uma criança (Confissões, p. 226), relata que sua conversão [graça] ocorreu ali. Mas como todo processo de conversão, este foi apenas o início de sua virtuosa caminhada de fé que culminou no Doutor da Igreja Católica – Santo Agostinho. Pelas narrativas das Escrituras Sagradas, Saulo, de perseguidor maldoso dos cristãos, diante da narrativa de ter “caído do cavalo” [caiu por terra - cf. At 9,4], aquele foi o ápice de sua conversão [graça], que mais tarde o tornou no iluminado Paulo apóstolo.
Nos dois contextos temos fatos históricos e teológicos, com isso, é preciso discernir sobre os dois acontecimentos, pois têm circunstâncias em comum, e uma grande evidência: Agostinho perseguia um encontro interior com Deus, e Saulo perseguia os cristãos. Mas a Boa-Nova mesmo é que Deus perseguia os dois –, e em Seu momento [kairós], manifestou a graça.
Não existem parâmetros para medição, mas se houvessem, a conversão em seu estado de graça não poderia ser mensurada somente por uma vitória, pois ela superabunda a vida do cristão com valores místicos-divinos-absolutos, suficientes para encher a alma e o coração com O Amor Verdadeiro e transformador, mensurável sim, pelo próprio (a) fiel que recebe os sete dons do Espírito Santo – e os partilha com o próximo – é o agir divino presente entre os homens.
Teologicamente, o entendimento mais ponderado para os dois episódios é o de que aqueles momentos não tenham sido exatamente os das completudes das conversões. Para cada um, aquele foi o momento do encontro; da revelação. Mesmo declarados como tais, tanto Agostinho como Saulo passaram pelo processo evolutivo da conversão, isto é, foram crescendo em graça; foram descobrindo o Amor; foram transformando suas almas para o bem. Saulo, após abrir os olhos para o Senhor, se preparou durante um período aproximado três anos, para daí sim, como Paulo, sair evangelizando os gentios. Nenhum deles estava pronto/convertido naquele momento.
Infelizmente, presenciamos em alguns irmãos que se autoafirmam convertidos, certas atitudes nada condizentes com os ensinamentos de Jesus. Isto é comum no dia a dia de quem vive em comunidades cristãs. Então fica a reflexão: autoafirmar-se é o suficiente para o Reino, ou somente um coração repleto de caridade representa a plenitude da graça – e é sempre louvável em todas as atitudes para com os semelhantes.
O Pai, O Filho e O Espírito Santo não precisam de nada que se possa oferecer como forma de reconhecimento pessoal. Inspirado em Mateus 7,21, mas sem questionar a entrada no Reino futuro, até mesmo para os que proclamam, na falsidade ou com o coração ardente, Senhor, Senhor, fazer a maior vontade do Pai que está nos céus é respeitar, amar e servir aos irmãos. Adorá-lO em Sua Trindade não é a exigência [livre-arbítrio], mas as benevolências do amor ao próximo são muitas bênçãos, graças e dons recebidos do céu, às vezes não reconhecidos.
Não pela lógica utilizada por alguns, mas com senso teológico é possível relacionar a conversão com a salvação, pois as duas dependem da graça e não de méritos pessoais criados pela mentalidade pelagiana ou semipelagiana, que só confia nas suas próprias forças e sente-se superior aos outros [Gaudete et exultate].
Para desmistificar qualquer tipo de compreensão que resuma a conversão como um acontecimento único; momento mágico, vamos acompanhar a vida do Maior Homem da história, Jesus, O Cristo. Nascido do ventre de Maria que recebeu o anúncio do anjo, Ele cresceu com esta verdade – e certamente ciente de como foi gerado. Aos doze anos, no templo, mostrou que crescia em graça e sabedoria, porém, somente aos trinta anos iniciou sua vida pública. Com isso, temos um período conhecido como o da vida oculta de Jesus. Não teria sido o tempo necessário para o processo de sua gloriosa e redentora conversão? Mas será que como Divino Ele precisou ser convertido como humano? É necessária muita circunspecção para compreender a comparação dessa indagação.
Gerado, se tornou humano, igual a nós em tudo, menos no pecado. Mesmo sendo o Filho do Homem, não nasceu pronto, passou por um processo como os cristãos também passam. Ao final de Sua Dolorosa Paixão, Cristo Jesus questionou: Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? Será que estamos absolutamente convictos de nossas conversões?
Por Cristo, com Cristo, e em Cristo.
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Muitos cristãos julgam-se convertidos, mas qual o fundamento para justificar tal convicção? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU