05 Mai 2018
Considerada uma vitória para ativistas de movimentos sociais no Pará, a recente desistência de um financiador do projeto Belo Sun para a extração de ouro no interior do estado é também motivo de preocupação.
A reportagem é de Gabriela Fujita, publicada pelo UOL e reproduzida por Amazônia.org, 04-05-2018.
A empresa canadense Agnico Eagle Mines Ltd., uma das acionistas do empreendimento que pode vir a ser a maior mina de ouro do Brasil, anunciou no dia 20 de abril que iria vender sua parte, que representa 19,14% do negócio.
Conforme noticiado pela “Folha de S.Paulo”, a companhia recebeu uma petição online da Avaaz, com mais de 700 mil assinaturas, contra a exploração de ouro no local. No comunicado, porém, não foi informado o motivo da desistência.
“A gente não sabe qual vai ser a repercussão disso, estamos aqui já apreensivas”, diz Raquel (nome fictício), integrante do Movimento Xingu Vivo para Sempre, que refuta a atividade da Belo Sun na região. “Para nós, é uma grande vitória, mas, para o nosso trabalho com as comunidades ameaçadas contrárias ao projeto, pode acabar sendo negativo”, afirma, se referindo a um possível aumento das pressões contra os ativistas.
A entidade da qual Raquel faz parte é um conjunto de organizações civis, sociais e ambientalistas.
Ela prefere não ter a identidade revelada na reportagem por medo de possíveis retaliações. Afirma que já foi ameaçada de morte por pessoas que apoiam a instalação do projeto de mineração nas proximidades da Vila Ressaca, no município de Senador José Porfírio (830 km de Belém), onde ela trabalha com a população local.
“Nós fomos convidadas [ela e sua equipe] para informar alguns moradores sobre o que é Belo Sun. Eles não tinham nenhuma informação, e a empresa já estava agindo de forma drástica na vida dessas pessoas, comprando terras ilegais, entrando nos seus lotes agrários sem pedir licença”, ela diz.
Em março de 2017, a equipe começou uma campanha de orientação a ribeirinhos e produtores rurais na área onde a canadense Belo Sun tenta se estabelecer, com investimentos estimados em R$ 5 bilhões. A vila fica longe da sede do município e o acesso é bem difícil até lá.
Atualmente, a licença de instalação da mineradora está suspensa pela Justiça Federal.
Nessa região do Brasil, onde vivem comunidades de agricultores, pescadores e indígenas, o clima de disputa por terras existe pelo menos desde a instalação da hidrelétrica de Belo Monte (distante 13 km da Vila Ressaca), no rio Xingu. A situação piorou com a chegada de Belo Sun, segundo afirmam Raquel e a Vara Agrária da Defensoria Pública de Altamira (que fica a duas horas de carro).
De um lado, apostando nas promessas de “progresso” e melhorias de infraestrutura, está o grupo que defende a instalação da mina; do outro, os que temem um desastre social e ambiental, por conta do deslocamento de famílias e do refugo resultante da exploração mineral.
A Defensoria Pública em Altamira, cidade com acesso mais fácil até a Vila Ressaca, recebeu ao menos duas denúncias de pessoas que vivem na comunidade sobre agressões verbais e físicas e ameaças de morte por terem feito críticas à instalação do projeto.
“O grupo de interesse favorável ao empreendimento tem agido com certa violência contra aqueles que estão buscando mais informações ou estão contestando as informações sobre o que será gerado pelo empreendimento”, explica a defensora pública Andreia Macedo Barreto. “Virou uma situação de confronto. As pessoas empurram, ameaçam matar, são ameaças expressas, com vídeos gravados. Isso é crime.”
Por conta dessa violência, a defensora tem requisitado escolta policial quando vai trabalhar na região.
“As denúncias chegaram assim para nós: ‘um morador X me ameaçou e ele é um servidor do município’. Os autores [das ameaças] foram identificados”, ela afirma sobre os depoimentos que tomou.
De acordo com a defensora, nas situações que envolvem conflito por terras, o medo de sofrer consequências impede as vítimas de ameaça de denunciar. Por isso, o número de casos registrados na estatística formal pode ficar bem abaixo do que ocorre na realidade.
Funcionários da Prefeitura de Senador José Porfírio também são apontados por Raquel como incitadores e perpetradores das ameaças sofridas por ela e sua equipe. A ativista e outras três pessoas organizavam uma audiência pública, a pedido de moradores da Vila Ressaca, quando foram detidas no carro onde estavam e levadas a um galpão para uma “reunião”.
“Ficamos praticamente privadas [de liberdade] por mais de uma hora para dar explicações sobre o nosso trabalho e ouvimos que não deveríamos estar ali sem que a comunidade nos autorizasse a ficar lá”, ela conta. “Fomos intimidadas, as pessoas que estavam fazendo essa movimentação contra nós são funcionárias da Prefeitura de Senador José Porfírio.”
Segundo seu relato, um grupo de 20 pessoas “enraivadas” partiu para a agressão verbal contra a equipe.
“Ouvimos que ali estavam pistoleiros acostumados a matar e para a gente ter muito cuidado. ‘Vocês não devem ficar aqui.’ Isso foi dito em tom de ameaça. Na verdade, não foi uma reunião, foi uma intimidação. E, se a gente ousasse falar qualquer coisa, com certeza a gente seria linchada e talvez até jogada no rio, como eles estavam prometendo.”
O caso foi registrado em um boletim de ocorrência, mas não foi adiante. A defensora Barreto ressalta que o processo de denúncia fica muito prejudicado por não haver um posto de polícia na vila: é preciso pegar ao menos duas horas de estrada para chegar às autoridades mais próximas.
“Os poderes que deveriam estar aqui defendendo os direitos dos pobres e das populações estão muito ligados aos grupos econômicos fortes da região, latifundiários, fazendeiros. Esse grupo do agronegócio, da mineração, das hidrelétricas. A gente vive numa situação muito vulnerável”, Raquel critica.
Na última segunda-feira (24), a ONG Conectas, ligada à defesa de direitos humanos, denunciou à ONU (Organização das Nações Unidas) a ocorrência de agressões e ameaças cometidas contra dez integrantes de movimentos sociais que contestam a atuação de Belo Sun.
“A empresa tem adquirido terras no local e estabeleceu restrições nas atividades que os moradores costumavam exercer, como a caça, a pesca e o garimpo. Além disso, há denúncias de ameaças de despejo forçado e de compra irregular de terrenos que estariam destinados a reforma agrária”, diz o documento enviado para as Nações Unidas.
A entidade, a partir de testemunhos coletados na comunidade, declara que “as ameaças e agressões têm sido incitadas e/ou cometidas diretamente por servidores da Prefeitura de Senador José Porfírio e seus aliados”.
“O prefeito organiza e se faz presente em momentos de hostilização. Em pelo menos uma ocasião, as ameaças incluíram referência a ‘ordens do prefeito”, afirma a Conectas.
Em nota, a Prefeitura de Senador José Porfírio afirma que “desconhece qualquer tipo de agressão ou ameaça desferida por funcionários públicos na região da Ilha da Fazenda e Ressaca, no que se refere à instalação de Belo Sun”. Também diz que vai abrir um processo administrativo “para apurar as denúncias e tomar as devidas providências”. “A prefeitura não pactua com atitudes dessa natureza e repudia qualquer ação nesse sentido”, disse.
Questionado sobre a investigação das denúncias apresentadas pela Defensoria Pública e o movimento Xingu Vivo para Sempre, o Ministério Público Estadual informou que “as duas pessoas que procuraram a Promotoria de Justiça de Altamira foram orientadas a fazer a denúncia em Senador José Porfírio, onde o fato se originou. Porém, até o momento, não houve registro de tais fatos”.
“O MP possui atualmente um procedimento sobre Belo Sun onde acompanha questões fundiárias e compensações sociais, pelo desenvolvimento das atividades da mineradora na região além dos efeitos colaterais do projeto para o município.”
Mais informações não foram fornecidas à reportagem porque a promotora responsável está em licença médica.
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Mineração de ouro agrava disputa por terras e ameaças de morte: "Fomos intimidados" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU