28 Abril 2018
Documentário preserva distância dos filmados e não cede à tentação de entrevistas.
A reportagem é de Lúcia Monteiro, publicada por Folha de S. Paulo, 27-04-2018.
Na primeira sequência de "Ex-Pajé", o protagonista recebe do jovem Ubiratan uma tese de doutorado que chegou pelo correio.
Ao percorrê-la, Perpera lembra-se das conversas com o autor, antropólogo francês interessado no povo paiter suruí.
Perpera era pajé. Acusado por um pastor de ter parte com o Coisa-Ruim, renunciou a seus poderes, tornando-se porteiro de uma igreja.
O documentário de Luiz Bolognesi, ao mesmo tempo em que descreve a aniquilação dos paiter suruí parece ter contribuído para que Perpera retomasse sua história e sua identidade.
O filme acompanha cenas do cotidiano do ex-pajé e de alguns dos poucos integrantes do grupo que sobrevivem à precariedade de recursos e às pressões do convívio com os brancos, crescente desde o primeiro contato, em 1969.
Vemos Perpera pescar e fazer compras no supermercado; observamos quando é visitado por espíritos e quando coloca a roupa para lavar em um tanquinho elétrico. Numa postura que lembra "Serras da Desordem" (2005), de Andrea Tonacci, "Ex-Pajé" preserva uma distância respeitosa dos filmados, sem ceder à tentação das entrevistas nem embarcar em julgamentos precipitados. A tecnologia não é condenada, pelo contrário. Vídeos e postagens são usados para manter contato, denunciar abusos, acessar tradições esquecidas.
Durante as filmagens de "Ex-Pajé" — e provavelmente também por causa delas — algo de precioso acontece. Perpera reapropria-se de seus poderes de pajé e atende a uma solicitação da comunidade para curar uma doente.
O filme de Bolognesi contribui para a valorização da figura de Perpera e, por consequência, para o respeito e o reconhecimento das tradições do grupo. Corroteirista de sucessos recentes o cineasta terá testemunhado um fenômeno raro: o renascimento de um pajé.
Ex-Pajé
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'Ex-Pajé' testemunha retomada da identidade do povo paiter suruí - Instituto Humanitas Unisinos - IHU