16 Abril 2018
Brasil pode estar na dianteira para aposentar 'maquininhas de cartão', mas precisa vencer a inércia da opção de manter essa tecnologia.
O artigo é de José Eli da Veiga, professor sênior do IEE/USP (Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo), publicado por Folha de S. Paulo, 15-04-2018.
Em termos estritamente tecnológicos, pagar com cartão "já era". Pode estar com seus dias contados a leitura de chips incrustados em plásticos pelas ditas "maquininhas de cartão", esquema que só no Brasil é usado em mais de 7 bilhões de transações anuais (6,4 bilhões em 2016, segundo o Banco Central).
Tal obsolescência se deve à onipresença dos smartphones e seu imenso potencial para novas funcionalidades. É o que indica a recente invenção de outro modo de pagamento, por reconhecimento facial, mais simples e vantajoso que a biometria de digitais, por exemplo.
Pode não demorar, então, para que os consumidores prefiram só exibir seu sorriso ao fazerem pagamentos. À medida que vendedores e compradores forem se cadastrando nesse novo lance, bastará um novo tipo de selfie para realizá-los. Processo já bem avançado na China, como revelou nesta Folha o colunista Rodrigo Zeidan (24/3).
Além das vantagens práticas da nova tecnologia, ela trará ganhos de sustentabilidade ao contribuir para a desmaterialização da economia. Smartphones já em uso podem tornar absurda a avalanche de resíduos resultantes da produção e do descarte de dispositivos eletrônicos de leitura de chips envolvidos em plástico. Com isso, a mudança atenderá a vários dos 17 "ODS" (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030), a começar pelo 12º: "assegurar padrões de produção e consumo sustentáveis".
É preciso que se saiba que o Brasil tem chance de estar na dianteira desse processo se vencer inevitáveis resistências. Pois é óbvio que os pesadíssimos investimentos já realizados na montagem da infraestrutura atual induzem a uma opção preferencial pela inércia que ajudará a rentabilizá-los. Pode-se até decidir não adotar tecnologia que reduzirá radicalmente o prazo de validade das "maquininhas".
Esse é o drama vivido neste momento pelo doutor em ciências da computação pela Unicamp Giovani Chiachia e sua fintech Saffe, detentora de invenção cujo patenteamento tramita desde 2013 no Brasil e nos EUA. E que começa a ser bem aceita no exterior, mas nem tanto por aqui. O primeiro investimento "seed" foi alemão, o primeiro piloto foi em Barcelona, e novas experiências estão pipocando em países tão diferentes quanto o Reino Unido e a Colômbia. A bem da verdade, há apenas uma exceção que confirma a regra, pois a Shell experimenta a Saffe em uma de suas lojas de conveniência no Brasil.
Se mais empresas brasileiras engajadas na promoção da sustentabilidade fizerem o mesmo, a obsolescência, hoje só tecnológica, em breve se tornará também econômico-financeira. Mas também é possível que essa excelente invenção nem se torne uma inovação —um fenômeno muito mais frequente do que se pensa, chamado em economês de "dependência da trajetória" (path dependence).
Seu ícone empírico é o modo peculiar em que até hoje continuam dispostas as letras em todos os teclados em uso (Qwerty). Outros casos são a persistência dos trilhos de bitola estreita, o êxito da corrente alternada, e a sobrevivência do motor de combustão interna.
Não há melhor fonte sobre essa "anomalia" do que a imensa obra histórica e teórica deixada por Douglass C. North (1920-2015), Nobel de economia em 1993. Só merece aplausos, portanto, a edição brasileira de um de seus trabalhos, mesmo que com 28 anos de atraso. A publicação de "Instituições, Mudança Institucional e Desempenho Econômico" (Três Estrelas, 2018) certamente ajudará muito no ensino da disciplina "economia institucional".
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Da invenção à inovação . Artigo de José Eli da Veiga - Instituto Humanitas Unisinos - IHU