12 Mai 2012
“A economia verde será, certamente, o tema que vai dominar a Conferência das Nações Unidas Rio +20. O termo "economia verde" é ambíguo e não há consenso entre os governos”, escreve o Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, teólogo, membro do SINFRAJUPE - Serviço Interfranciscano de Justiça Paz e Ecologia, coordenador da Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade, atua no Triangulo Mineiro junto aos movimentos de luta pela terra e membro da Comissão Pastoral da Terra. O artigo foi encaminhado por Hugo Rosa da Paixão do Serviço Franciscano de Solidariedade - Sefras, a quem agradecemos.
Eis o artigo.
Atribuir uma qualidade verde para a economia, à primeira vista pode parecer que, finalmente, a consciência ecológica foi assimilada por aqueles que defendem o mercado como a única realidade possível. Estaríamos nós, no início do século XXI, assistindo a uma mudança nos valores daqueles que em primeira mão são os responsáveis pela crise em que nos encontramos? A economia verde, como terminologia pode evocar todos os tipos de significância de acordo com as nossas perspectivas. No entanto, precisamos estar cientes do significado que a economia verde já tem, e como ela está sendo posta em prática.
Internacionalmente o termo economia verde foi lançado em março de 2007, na reunião do G8+5 principais países emergentes. O governo alemão propôs um estudo sobre "a importância econômica da perda global da diversidade biológica". O Programa Ambiental das Nações Unidas - PNUMA, com apoio financeiro da Comissão Europeia, Alemanha, Reino Unido, Holanda, Noruega, Suécia e Japão está coordenando os relatórios de estudos para implementar o que eles chamam de: A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade, cuja sigla em inglês é TEEB. O objetivo é criar um valor financeiro para a biodiversidade. Isso não é simplesmente colocar preços nos recursos naturais e meio ambiente, mas capturar os complexos processos ecológicos para a economia. De acordo com os estudos TEEB, as interações entre todos os seres vivos e o ambiente em que vivem, e todas as interações dos organismos com o ambiente e entre si são serviços "ou os fluxos de valor para as sociedades humanas como resultado do estado e da quantidade de capital natural" que devem ser quantificados economicamente. Os estudos TEEB afirmam que os serviços prestados pelos diferentes ecossistemas do planeta têm um alto valor econômico. A Mãe Natureza tornou-se um ativo transacionável para criar mercados para os ecossistemas.
Como uma resposta para a construção de uma economia verde, corporações, empresas e governos ao redor do mundo estão criando uma agenda de novos negócios. Em 2010, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, cuja sigla em inglês é WBCSD, publicou um relatório chamado "Visão 2050 - uma nova agenda para os negócios", que foi assinada por 29 grandes corporações que fazem parte deste organismo internacional. A Visão 2050 está proposta como uma ferramenta para a formulação de políticas públicas e tomada de decisões para os próximos 40 anos. Para sua implementação foram estabelecidas metas globais para o curto, médio e longo prazo em nove áreas, a saber: "valores e comportamentos, desenvolvimento humano, economia, agricultura, florestas, energia e poder, edificações, mobilidade e materiais". É importante notar que membros do WBCSD forneceram estudos de caso e ou revisaram seções dos relatórios de estudo TEEB.
Em 2011, o PNUMA lançou um relatório, "Rumo a uma Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza", que traça um caminho de crescimento econômico até 2050. Esse relatório "está entre as contribuições-chave do PNUMA ao processo Rio+20 e ao objetivo geral de luta contra a pobreza e promoção de um século XXI sustentável". Nesse relatório o PNUMA define a economia verde "como uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo em que reduz significativamente riscos ambientais e escassez ecológica". No entanto, algumas linhas adiante, a definição propõe as mesmas medidas dentro do mesmo paradigma de dominação e exploração da natureza, em que estamos vivendo: "O caminho do desenvolvimento deve manter, aprimorar e, quando possível, reconstruir capital natural como um bem econômico crítico e como uma fonte de benefícios públicos, principalmente para a população carente cujo sustento e segurança dependem da natureza". A natureza continua a ser vista como bem econômico.
Para uma transição para uma economia verde, até 2050, o PNUMA está defendendo um investimento anual de US $ 1,3 trilhões de dólares (cerca de 2% do PIB mundial) em dez setores estratégicos: “energia, agricultura, prédios, pesca, silvicultura, indústria, turismo, transportes, água e resíduos”. Este relatório do PNUMA está no mesmo espírito do documento Visão 2050, que afirma o seguinte, em relação à implementação da agenda de novos negócios: “A transformação que temos pela frente representa grandes oportunidades em uma gama imensa de setores de trabalho, à medida que os desafios globais de crescimento, urbanização, escassez e mudanças ambientais se tornarem indutores estratégicos das relações comerciais nas próximas décadas. Só em recursos naturais, saúde e educação, a magnitude desses negócios poderá chegar à ordem de 500 bilhões a 1,5 trilhão de dólares por ano em 2020, alcançando entre 3 trilhões e 10 trilhões de dólares por ano em 2050 – considerando-se os preços atuais –, o que deve significar algo em torno de 1,5% a 4,5% do PIB mundial em 2050”6.
Todo este processo apenas brevemente descrito nos mostra que a economia verde é uma oportunidade de negócios. Enquanto o mundo experimenta as crises, econômica, financeira, do meio ambiente, de energia, de alimentos e climática, que refletem a crise estrutural do capitalismo, aqueles que detêm o poder político, militar e econômico-financeiro estão buscando uma maneira de sair da crise. Para isso, eles preveem uma nova era para o capitalismo, redirecionando investimentos e inovação tecnológica através da apropriação dos sistemas físicos e biológicos que sustentam a vida.
Os governos das maiores economias do mundo, as corporações e as Nações Unidas decidiram qualificar a economia como verde. A vida em si é vista como potencial para manter as forças de mercado crescendo e regulando a sociedade. O que está sendo proposto é o desenvolvimento de uma economia, com base no fortalecimento e aperfeiçoamento do que eles chamam de capital natural do planeta, para maximizar os benefícios econômicos guiados pelo mercado, e, segundo eles, isso minimizaria as desigualdades sociais.
No entanto, a economia verde não é concebida e proposta como uma alternativa para o mercado global que é irrestrito para o capital em sua busca de lucros. Não existe intenção de mudar o sistema capitalista, que é baseado em uma minoria que superexplora a natureza e o trabalho dos trabalhadores para acumular lucros. Apenas 20% da humanidade consomem cerca de 80% dos recursos, enquanto produz cerca de 80% da poluição e da degradação ambiental que ameaçam a vida no planeta como um todo. Há mais de um bilhão de pessoas com fome, não porque não exista comida, mas porque o mercado não permite que eles tenham acesso aos alimentos. A economia verde também não quebra a lógica perversa de produção / consumo, mas busca a inclusão dos pobres nesta lógica como meio de erradicar a pobreza. Ela não busca erradicar a extrema riqueza e distribuir a sua concentração.
O governo brasileiro propõe uma economia verde inclusiva. Ele indica, ser necessário assegurar garantia de renda para superar a pobreza extrema no mundo e promover ações estruturantes que garantam qualidade ambiental, segurança alimentar, moradia adequada e acesso à água limpa para todos, com um programa de proteção socioambiental global. O governo brasileiro indica ainda, um conjunto de iniciativas para promover mudanças nos padrões de produção e consumo em diversos setores; sugere novos indicadores para mensuração do desenvolvimento; um “pacto pela economia verde inclusiva”; e uma “estrutura institucional do desenvolvimento sustentável” para o aperfeiçoamento da governança ambiental internacional.
Ao substantivar como inclusiva a economia verde, o governo brasileiro aponta para um desafio, que é aquele da exclusão / inclusão. Propõe dar aos pobres, portanto aos excluídos, um acesso às oportunidades oferecidas pela sociedade. Contudo, são fatores de ordem macro, de natureza estrutural, que os exclui da sociedade. Colocar para dentro quem está fora, seria a meta, sem, contudo, propor a mudança do funcionamento global das sociedades, como do tipo de sistema econômico, do sistema financeiro, do modelo de desenvolvimento, dos paradigmas culturais, etc. Isso somente nos confirma a ideia de que, no máximo, a economia verde, pretende incluir através de políticas compensatórias, os pobres no mesmo sistema que destrói e explora o ser humano e o planeta.
Portanto, não é suficiente para mudar a economia, lhe dar uma cor. Nem tão pouco, podemos acreditar que incluir os pobres no sistema que os matem pobres seja uma solução para erradicar a pobreza. O adjetivo verde pode nos levar a diferentes realidades, e nos fazer sonhar. No entanto, como acabamos de refletir, para entender a economia verde, é necessário saber quem são os atores reais e quem compõem e move esta economia. É necessário também entender a lógica dessa economia.
Certamente o valor da natureza não é aquele que propõe a economia verde, o capitalismo, ou seja, de um ativo econômico.
Em tempos como o nosso, quando o mercado tem como objetivo esverdear a economia, é necessário propor a justiça ambiental, como o caminho para um futuro, onde a dignidade do homem e da natureza seja respeitada e promovida. Está na hora de afirmar a natureza não como um ativo financeiro, mas de reafirmar o que está na Carta da Terra: "Reconhecer que todos os seres são interdependentes e cada forma de vida tem valor, independentemente de sua utilidade para os seres humanos. Afirmar a fé na dignidade inerente de todos os seres humanos e no potencial intelectual, artístico, ético e espiritual da humanidade.".
A Carta da Terra é uma declaração de princípios éticos fundamentais para a construção de uma sociedade global justa, sustentável e pacífica no século 21. Seu preâmbulo estabelece os valores éticos relativos a uma sociedade global sustentável, como “respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz”. Reflete um espírito de solidariedade, quando se fala em "uma família humana e uma comunidade terrestre". Os seres humanos também têm responsabilidades sociais e ecológicas. Exige um compromisso de proteger o bem-estar da comunidade de vida como um todo, do qual a humanidade é uma parte interdependente. O preâmbulo afirma: “Estamos diante de um momento crítico na história da Terra, numa época em que a humanidade deve escolher o seu futuro. À medida que o mundo torna-se cada vez mais interdependente e frágil, o futuro reserva, ao mesmo tempo, grande perigo e grande esperança. Para seguir adiante, devemos reconhecer que, no meio de uma magnífica diversidade de culturas e formas de vida, somos uma família humana e uma comunidade terrestre com um destino comum. Devemos nos juntar para gerar uma sociedade sustentável global fundada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz. Para chegar a este propósito, é imperativo que nós, os povos da Terra, declaremos nossa responsabilidade uns para com os outros, com a grande comunidade de vida e com as futuras gerações.”
A vida tem valor em si. A natureza, da qual fazemos parte e a dinâmica da vida, não são ativos econômicos. Como franciscanos, a partir de uma perspectiva cristã a criação é fruto do amor gratuito de Deus. Todas as criaturas são irmãs e irmãos. A natureza é gratuidade de Deus. Por isso falamos em criação, somos criaturas.
A diversidade é uma característica do nosso mundo, seja ela biológica ou sociocultural. A diversidade dos ecossistemas e a diversidade cultural das populações humanas formam uma enorme sócio biodiversidade, que deve ser consideradas e respeitadas. Esta diversidade não deve ser conduzida pelas forças do mercado. De uma perspectiva de justiça ambiental, os grupos sociais de baixa renda são aqueles mais expostos aos riscos e danos ambientais. As desigualdades econômicas e sociais, juntas com a concentração de poder na apropriação dos recursos naturais, estão na base da injustiça, e a economia verde não prevalecerá contra ela.
A justiça ambiental traz à luz a apropriação injusta do ambiente como a base dos problemas sociais, ecológicos e culturais do planeta, o que mantém milhares de milhões de pessoas na pobreza. A economia verde como uma oportunidade para novos negócios, sobrevivência e expansão dos mercados é um escândalo. Nossa felicidade não pode ser baseada no consumismo, mesmo que seja verde. A razão da nossa vida não pode ser reduzida a ir às compras.
No mundo de hoje, temos tantos exemplos concretos de economia solidária, onde a solidariedade diz respeito às pessoas, especialmente aos pobres e à natureza. São muitas as iniciativas solidárias nesse campo, que geram trabalho e renda. Sem explorar as pessoas, numa cultura de solidariedade e sem destruir o ambiente. São também inúmeras as alternativas de sistemas de produção vividos na agricultura familiar, estabelecendo novas formas de relação entre os seres humanos e o território. A luta pela justiça ambiental é essencial para erradicar a pobreza e promover o bem comum da humanidade e da natureza. Para vivermos o valor do bem comum, menos antropocêntrico ou não apenas baseado nas pessoas, podemos levar em consideração a Constituição do Equador. De acordo com esta Constituição a natureza não é apenas um objeto a ser apropriado e usado pelas pessoas, mas sim um sujeito detentora de direitos que deve ser tratada com paridade nos termos da lei. No artigo 71 encontramos: “A natureza ou Pachamama, onde se reproduz e realiza a vida, tem direito a que se respeite integralmente sua existência e a manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, estrutura, funções e processos evolutivos”. Este tem sido um conceito óbvio para os povos indígenas do Equador, por um longo tempo.
Neste sentido Leonardo Boff escreve: “A justiça ecológica significa: o ser humano tem uma dívida de justiça para com a terra. A terra possui sua dignidade, sua alteridade, seus direitos; ela existiu há milhões de anos antes que surgisse o ser humano. Ela tem direito a continuar a existir em sua complexidade, com o seu patrimônio genético, com seu bem comum, com o seu equilíbrio e com as possibilidades de continuar a evoluir”.
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Economia Verde – Qual o valor da natureza? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU