21 Fevereiro 2018
O Papa Francisco confessou que chorou ao ler a pergunta enviada por um jovem da Romênia, duas vezes “rejeitado” por sua mãe: a primeira vez, quando tinha dois meses de idade e foi abandonado em um orfanato; a segunda vez, aos 21 anos, quando, depois de tê-la encontrado, morou com ela durante duas semanas, “mas ela não se comportava bem comigo, motivo pelo qual saí”. “Meu pai morreu. Que culpa tenho eu se ela não me ama? Por que não me aceita?”, foram as perguntas do rapaz.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 19-02-2018. A tradução é de André Langer.
Francisco encontrou-se com ele no Vaticano e com um grupo de órfãos romenos que recebem a assistência da Ong FDP protagonisti nell’educazione e admitiu sua forte comoção: “Quero ser sincero com você. Quando li sua pergunta, antes de dar instruções para fazer o discurso, chorei. Estive perto de você com algumas lágrimas. Porque, não sei... você me deu muito; os outros também, mas você me pegou com as defesas desguarnecidas. Quando se fala da mãe, sempre há algo... e nesse momento você me fez chorar”, disse no encontro privado que aconteceu no dia 04 de janeiro (tanto que nem mesmo apareceu na agenda pública do Papa). A Sala de Imprensa do Vaticano divulgou a informação nesta segunda-feira.
No grupo que se reuniu com o Pontífice, havia meninos e meninas, alguns quase crianças, outros já jovens pais. Todos foram acompanhados por Simona Carobene, coordenadora da FDP. Eles prepararam algumas perguntas sobre a vida e a morte, sobre a doença e sobre os pecados, sobre a dor provocada pelo abandono dos pais, sobre as dificuldades para manter laços duradouros ou aceitar as respostas de uma Igreja que, às vezes, parece construir mais “muros” do que “pontes”.
“Muitos ‘porquês’, disse Bergoglio, que tentou responder a quase todas as perguntas que lhe faziam. Quase, porque “nunca se pode responder completamente a uma pergunta que vem do coração” e porque algumas perguntas só Deus pode responder. “Na vida, há muitos ‘por quês’ para os quais não temos resposta. Só podemos ver, ouvir, sofrer e chorar”, disse.
A pergunta do jovem abandonado por sua mãe, por exemplo, é um desses ‘porquês’ que não têm resposta. “Não é uma questão de culpa – explicou o Papa Francisco –, é uma questão de grandes fragilidades dos adultos, devidas, neste caso, a tanta miséria, a tantas injustiças sociais que esmagam os pequenos e os pobres, e também devido a tanta pobreza espiritual”. É fruto de “um sistema social equivocado, desumano, que endurece os corações, que leva a pessoa a cometer erros”, que não nos deixa “encontrar o caminho certo”. E esta “pobreza espiritual endurece os corações e provoca o que poderia ser impossível: uma mãe abandonar seu próprio filho”.
No entanto, o Papa está certo de uma coisa: “Sua mãe o ama, mas ela não sabe como fazê-lo, não sabe como expressá-lo. Não consegue porque a vida é dura, é injusta. E esse amor que está trancado nela, não sabe como dizê-lo, não sabe como acariciá-lo”. O Pontífice pediu para “rezar para que um dia possa ensinar-lhe esse amor”, e o animou: “Não seja cético, tenha esperança”.
Essa “fragilidade” dos adultos, de acordo com o Pontífice argentino, é a mesma que leva alguns pais a amar seus filhos quando são saudáveis, enquanto “aqueles que estão doentes ou que têm problemas, não”, como escreveu outro jovem que participou do encontro. “Diante das fragilidades dos outros, como as doenças, há alguns adultos que são mais fracos, não têm força suficiente para suportar as fragilidades. E isso porque eles mesmos são frágeis”, explicou o Papa usando uma metáfora: “Se eu tenho uma pedra grande, não posso colocá-la sobre uma caixa de papelão, porque a pedra vai esmagar a caixa...”.
“Há pais que são frágeis, porque são homens e mulheres com seus limites, com seus pecados, e as fragilidades que carregam, e talvez não tiveram a sorte de serem ajudados quando eram pequenos. E assim, com essas fragilidades, seguem em frente na vida porque não foram ajudados, não tiveram a oportunidade que nós tivemos para encontrar uma pessoa amiga que nos tomasse pela mão e nos ensinasse a crescer e a tornar-nos fortes para superar essa fragilidade”. “É difícil receber ajuda de pais frágeis, e, às vezes, somos nós que devemos ajudá-los”, observou o Papa. Mas, “em vez de repreender a vida porque me deu pais frágeis e não sou tão frágil, por que não mudar a coisa e dar graças a Deus, graças à vida porque posso ajudar a fragilidade do pai, para que a pedra não esmague a caixa de papelão?”
O Papa também dissipou as dúvidas de um menino que, no ano passado, na Quinta-Feira Santa, viu morrer um de seus amigos no orfanato. “Um padre ortodoxo nos disse que ele morreu como pecador, e é por isso que ele não vai ao Paraíso. Não acho que seja assim”, revelou o jovem. E o Papa Francisco respondeu sem hesitação: “Talvez esse padre não soubesse o que estava dizendo, talvez naquele dia esse padre não se sentisse bem, ele tinha algo em seu coração que o fez responder dessa maneira. Nenhum de nós pode dizer que uma pessoa não foi para o céu. Eu lhe digo uma coisa que pode surpreendê-lo: não podemos dizer isso nem sobre Judas. Você recordou seu amigo que morreu. E você se lembra que ele morreu na Quinta-Feira Santa. Parece-me muito estranho o que você ouviu esse padre dizer; teria que compreender melhor, talvez não fosse bem entendido... De qualquer forma, digo que Deus quer nos levar para o Paraíso, sem excluir ninguém”.
Ele é o Bom Pastor que “está sempre a caminho” para encontrar as ovelhas perdidas, e “não fica assustado quando nos encontra, embora nos encontremos em um estado de grande fragilidade, apesar de estarmos sujos de pecados; mesmo estando abandonados por tudo e pela vida, ele nos abraça e nos beija”. Por isso, não devemos nos escandalizar nem duvidar se é justo continuar indo à igreja, posto que “dessa maneira nos equivocamos outra vez, e continuamos sendo pecadores”. Além disso, trata-se precisamente do contrário: ir à igreja, disse Francisco respondendo a outra pergunta, “ajuda para nos colocarmos diante de Deus como somos, sem ‘maquiagem’”.
“Se eu for à igreja para fingir ser uma boa pessoa, isso não tem serventia alguma. Se eu for à igreja porque gosto de ouvir música ou porque me sinto bem, nisso não há nenhuma vantagem. Funciona se, no início, quando entro na igreja, posso dizer: ‘Eis-me aqui, Senhor. Você me ama e eu sou um pecador. Tem piedade de nós’”. E assim Deus “trabalha nossos corações”, como “argila nas mãos do artesão”, e seu amor “ocupa o lugar do nosso egoísmo”.
Por outro lado, é mais difícil responder ao “por que” há crianças que sofrem no mundo. “Quem pode responder a isso? Ninguém”, admitiu o Bispo de Roma. Estas são perguntas que “não têm uma resposta humana, mas somente divina”. Tudo o que sabemos é que o objetivo de Deus é “a cura (o Senhor sempre cura) e a vida”. Ou seja: “Deus, diante de tantas situações horríveis em que podemos nos encontrar desde pequenos, quer curá-las, quer levar vida para ali onde há morte”.
O Papa consolou, no final, uma mulher que confiou sua filha a um orfanato: “Algumas pessoas me julgam porque não sou uma boa mãe. Por outro lado, acredito que a minha filha está bem e que eu tomei a decisão certa, mesmo que não nos vejamos com frequência”, disse ela. “Concordo com você”, respondeu o Papa, porque, às vezes, “pode ser uma ajuda em determinadas situações difíceis”. “O importante é que tudo seja feito com amor, com cuidado pelas pessoas, com grande respeito. Compreendo que muitas vezes você se sente sozinha. Aconselho-a a não se fechar, que busque a companhia da comunidade cristã: Jesus veio para formar uma nova família, sua família, na qual ninguém está sozinho e na qual somos todos irmãos e irmãs”.
“Às vezes – acrescentou o Pontífice –, a comunidade dos irmãos e irmãs nos ajuda dessa maneira: confiar-se um ao outro. Não só as crianças. Quando sentir algo no coração, confie-se a uma amiga, a um amigo, e tire essa dor do coração”. E esse “confiar-se fraternalmente um ao outro” é “muito bonito” e é a herança que Jesus nos deixou.
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“Eu chorei por você”. As lágrimas de Francisco por um menino abandonado por sua mãe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU