14 Novembro 2017
"A intolerância, de maneira geral, tem aumentado, seja contra LGBTs, lideranças de favelas e afro-religiosos, por exemplo. A criminalização do protesto, já evidenciada no período anterior, quando foi aprovada a Lei n°12.850/2013 – Lei de organizações criminosas, tende a aumentar em um momento de exaltação de figuras públicas com discursos militarizados", escreve Pedro Martins, assessor jurídico da Terra de Direitos, em artigo publicado por Heinrich Boell Foundation, 13-11-2017.
De acordo com o Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, só em 2017 já foram identificados 58 homicídios contra militantes de Direitos Humanos no Brasil. Cerca de 80% desses casos só na Amazônia legal, em conflitos relacionados à disputa por terra.
O aumento dos números de casos de violência a Defensores de Direitos Humanos está diretamente relacionado ao período de maior instabilidade política do país, quando as vantagens já concedidas ao agronegócio são alargadas. Este período pós-impeachment, ou melhor, período de governo golpista, tem fortalecido setores conservadores e ligados ao agronegócio em nível próximo ao da Ditadura militar.
A intolerância, de maneira geral, tem aumentado, seja contra LGBTs, lideranças de favelas e afro-religiosos, por exemplo. A criminalização do protesto, já evidenciada no período anterior, quando foi aprovada a Lei n°12.850/2013 – Lei de organizações criminosas, tende a aumentar em um momento de exaltação de figuras públicas com discursos militarizados.
A diminuição orçamentária e restrição de atuação dos órgãos ligados a políticas de Direitos Humanos e políticas públicas voltadas para a valorização da agricultura familiar, como a verba para obtenção de terras para a reforma agrária que se pretende reduzir em 90%, foram algumas das principais medidas tomadas após o impeachment da então Presidenta Dilma Roussef.
Enquanto isso, no Poder Legislativo, a velocidade da tramitação de projetos de lei garantindo privilégios ao setor do agronegócio, do hidronegócio e da mineração, aumentou em detrimento de Direitos a povos indígenas, povos e comunidades tradicionais, da legislação ambiental em si, como também as propostas de reforma trabalhista e previdenciária.
Assim, os projetos de estrangeirizição de terras e facilitação da legitimação da grilagem (agora até 2.500 hectares) alcançaram as prioridades do Congresso Nacional. Esta movimentação legislativa está de acordo com as diretrizes do Banco Mundial para o desenvolvimento do país que indicam, por exemplo, a flexibilização da legislação ambiental e fundiária, influenciando o legislativo, o executivo, e também, o poder judiciário.
Para o avanço das estratégias de desenvolvimento de dependência do país, de expropriação e espoliação dos territórios, ficam na mira os direitos constitucionais erguidos no período de abertura democrática. A Suprema Corte tem na pauta uma série de Ações Judiciais com temas de grande relevância e repercussão sobre direitos ambientais e territoriais, do direito ao território das comunidades quilombolas à possibilidade de redução de unidades de conservação.
O discurso desenvolvimentista se espraia nas votações de projetos de lei, na reorganização das diretrizes orçamentárias, e nas decisões judiciais, que possibilitam a atuação arbitrária e violenta para preparar o terreno e viabilizar a instalação e funcionamento de empreendimentos, sejam campos de soja, lavras de minérios ou barragens.
Os massacres e chacinas na Amazônia legal, contra trabalhadores rurais como em Colniza (MT) e Pau D’arco (PA), e vitimando indígenas, tal como em Viana (MA), ocorridos em 2017, se localizam em áreas de grande interesse para expansão de iniciativas do capital. A chamada fronteira do desenvolvimento para abertura da infraestrutura e logística da cadeia de comércio de commodities.
As investigações sobre esses casos, pressionadas e manipuladas, dificilmente alcançarão os mandantes, tampouco identificam os interesses das corporações, e por fim, restam por montar um cenário que dissocia os crimes do contexto político e econômico. Aparecem como peças do jogo, os trabalhadores, lideranças, povos indígenas, comunidades quilombolas, de um lado, e de outro lado do tabuleiro, as peças subornadas e subordinadas (de trabalhadores pobres a políticos a frente de departamentos públicos).
A leitura sobre a Amazônia brasileira é dominada pela visão colonizadora, que primeiro identificou a Amazônia como um problema e depois como a solução. Mas a solução para quem, afinal? Uma análise socioambiental pode permitir que percebamos as ações sobre a Amazônia na perspectiva ainda integracionista que pretende usá-la para expropriação de recursos naturais ou para a preservação integral que a desloca dos povos da Amazônia.
Contra as duas visões que Chico Mendes e Dorothy Stang lutaram, e ambos foram assassinados brutalmente no chão que ousaram defender. Os casos são emblemáticos. Os dois tinham visibilidade e notoriedade reconhecida nacional e internacionalmente ainda em vida. Com atuações de vivência e convivência com as comunidades da Amazônia em localidades na fronteira de expansão do capital. Tinham minimamente apoios de segurança. Os dois casos de assassinato foram relacionados à atuação de grupos locais de exploração ilegal de madeira. Chico Mendes foi assassinado em 1988, ano da Constituição Brasileira. Dorothy em 2005, dois anos após a chegada do Partido dos Trabalhadores (PT) à Presidência da República, quando as disputas pela terra se acirraram principalmente entre os grupos madeireiros no Pará.
O padrão se repete na história do Brasil. As condições estruturais são as mesmas. As engrenagens que geram violência continuam a rodar. O período de governo PT (2003-2016) foi marcado por contradições, a ver que a redução da pobreza se tornou um dos principais marcos deste governo, no entanto, os acordos políticos demandaram o avanço da economia extrativista.
No governo PT, a diretriz do Banco Mundial que apontava a disponibilização de terra para o mercado foi implementada pela Lei nº 11.952 de 2009, para facilitação da captura de terras, lei essa que veio a ser alterada pela Lei nº 13.465 de 2017 no período da presidência ilegítima de Michel Temer.
Este novo período não só constrói novos cenários de violência, como também inaugura o aprofundamento dos conflitos sociais. O contrato entre o fazendeiro e o pistoleiro, presente no roteiro das crônicas reais do Brasil século XX, ainda é adaptado nos conflitos por terra no século XXI. No entanto, as narrativas sobre cada caso de violência podem e devem estar associadas aos contextos econômicos de expansão que no Brasil tendem a atingir especialmente a Amazônia legal.
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Violência é elemento inerente ao modelo de desenvolvimento do Brasil - Instituto Humanitas Unisinos - IHU