Por: Lara Ely | 28 Setembro 2017
Os estudantes que há um mês ocupavam as escolas de Buenos Aires em protesto à reforma na educação proposta pelo presidente Maurício Macri foram para casa após entender que dialogar com o governo é a melhor saída para resistir às mudanças. Em sua proposta de transformar a educação argentina aos moldes do sistema alemão, em que as aulas ocorrem por módulos de conteúdos, e os professores são espécies de tutores, Macri encontrou resistência junto aos secundaristas. Os estudantes temem os impactos que a mudança trará e pedem o fim da reforma.
A reforma, que começaria a ser implementada já no próximo ano, prevê que cada escola tenha um projeto específico e que os alunos cumpram objetivos por matéria e não por ano. "Queremos expressar o nosso pedido e manifestar o que queremos: uma suspensão desta reforma. Mas decidimos que permanecer nas escolas não é a forma mais adequada hoje", disse Victoria Camino, secretária-geral do centro de estudantes Carlos Pellegrini.
As ocupações iniciaram em 29 de agosto no colégio de Belas Artes Manuel Belgrano e se espalharam por quase 20 escolas da capital argentina. Os estudantes questionam, principalmente, a possível degradação que a mudança no cargo de professor ao de facilitador poderá trazer aos educadores e também o fato de que os alunos terão que trabalhar no último ano.
Chamada "Escola Secundária do Futuro", a reforma estudantil promovida por Macri continua gerando rejeições também entre os pais dos estudantes e uma parte dos educadores. Apesar do fim das ocupações, os centros de estudantes capacitados pelas assembleias reiteraram seu pedido para que as emendas curriculares sejam adiadas por pelo menos um ano.
Fala-se que a mudança trará um caráter performático ao professor e renderá ao novo sistema educativo um estilo alinhado aos interesses da atualidade, com mais objetividade em relação às competências de aprendizagem.
Ao publicar artigo sobre o tema da educação em perspectiva de uma nova proposta pedagógica alinhada aos interesses do mercado, o jornalista e doutor em comunicação Juremir Machado da Silva fala em uberização do ensino. Ele diz: “Pensar só nos interesses dos professores é errado. Enfatizar apenas o aluno é um equívoco. Uma espécie de uberização da Educação pela qual só se pensa no ‘cliente’ sem considerar como dignos do mesmo respeito os demais polos da rede. Que importa se o motorista ganha pouco e arca com tudo se o passageiro economiza”.
Em entrevista publicada no site IHU On-Line, a cientista social Ludmila Costhek Abílio fala que a uberização do trabalho se refere a uma série de transformações, que em realidade estão em curso há décadas. Segundo ela, a empresa Uber deu visibilidade a uma nova forma de organização, controle e gerenciamento do trabalho, que está assentada nestes processos.
"É preciso compreender a economia digital como um campo poderoso de reorganização do trabalho, mas não perder de vista que ela realiza uma atualização de elementos que estão em curso no mundo do trabalho, e que, sim, estão fortemente ligados com o desenvolvimento tecnológico, mas não só isso. Trata-se da relação das reconfigurações do papel do Estado – seja na eliminação de direitos do trabalho, seja na eliminação das barreiras ao fluxo do capital, trata-se do desemprego e de uma perda de formas do trabalho, além de mudanças na subjetividade do trabalhador".
Licenciada em Letras pela Universidade de Buenos Aires e professora de educação primária na Argentina, Laura Velasco afirma que o debate é “se a escola secundária do futuro deve ser responsabilidade indelegável do Estado com a participação da comunidade educativa ou se deve ser guiada conforme interesses do mercado”.
Em artigo publicado no site Infobae, Laura explica que é difícil prever, diante da mudança, o que irá acontecer com matérias de quinto ano, como história ou geografia argentina, por exemplo, uma vez que as matérias se agruparão em quatro áreas principais.
A avaliação é outro ponto questionável na mudança, porque 30% será de competência dos professores, 30% dos tutores e 20% da tecnologia. Propõe-se ainda uma novidade didática em que 30% das aulas seriam ministrados e 70% feitos por tarefas individuais ou colaborativas com participação ativa dos alunos. Nesse horizonte, busca-se novos perfis de educadores, como orientadores, facilitadores e tutores. Laura diz que “só não fica claro se estes papéis seriam cumpridos por docentes ou pessoas menos capacitadas com mão de obra mais barata”.
Em 2018, as mudanças seria adotadas por 17 escolas para chegar a 132, com 84 mil estudantes, em 2021. Planeja-se um ciclo básico de dois anos, com aulas em escolas técnicas e o tempo dividido entre conteúdos de empreendedorismo e estágios em instituições e empresas para desenvolver talentos e interesses. O foco é no desenvolvimento de capacidades, habilidades operativas e competências. Não fica claro quem faria o seguimento dessas práticas profissionalizantes aos 12 mil estudantes – poderiam ser gestores de empresas.
Disciplinas
Em vez de assuntos tradicionais, existem sete áreas curriculares: Matemática, Linguagem, Ciências Sociais, Ciência e Tecnologia, Segunda Língua, Educação Artística e Educação Física. Para o restante dos assuntos, cada escola pode escolher seu formato, de acordo com seu projeto institucional.
Professores
Nova organização de professores. Eles são nomeados por cargos em uma escola, e não mais por professores em diferentes instituições.
Avaliação
Os alunos são aprovados no semestre com o grau sete ou superior. Aqueles que não alcançaram a aprovação, não podem seguir adiante nessa área curricular, mas podem continuar em outras.
Comitê acadêmico
Cada escola tem um, composto por cada área curricular, um representante do ministério, pais e alunos.
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Argentina. Secundaristas desocupam escolas, mas mantêm posição contrária à reforma - Instituto Humanitas Unisinos - IHU