26 Junho 2017
O Papa Francisco é conhecido na Cúria Romana por ser, entre outras coisas, um grande caça-talentos. Isso pode ser percebido pelo grupo que ele elevou a cardeais em novembro do ano passado na Basílica de São Pedro. Entre os escolhidos estava Joseph Tobin, então arcebispo de Indianápolis. A escolha causou surpresa entre seus colaboradores mais próximos. Mas sete meses depois, a decisão faz todo o sentido.
A reportagem é publicada por El País, 24-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
Tobin agora lidera a Arquidiocese de Newark em Nova Jersey. Seu estilo pastoral se encaixa perfeitamente com o do humilde papa argentino. Sua eleição foi uma mensagem estrondosa à hierarquia conservadora da Igreja Católica nos EUA dos novos valores que seriam priorizados. Também fez Donald Trump e sua oposição frontal acolherem refugiados fugindo do conflito na Síria.
Natural de Detroit, aos 65 anos, ele já liderou por quatro anos o sul de Indiana, estado cujo governador era o atual Vice-Presidente, Michael Pence, que bateu de frente com sua política em relação aos refugiados. Quando o presidente assinou o decreto proibindo a entrada de cidadãos de vários países muçulmanos, o Cardeal não hesitou em organizar um grupo de refugiados em protesto.
O prelado é o mais velho de 13 irmãos. Quando criança, ele foi responsável por ajudar sua mãe no que podia, como engomar as camisas dos uniformes escolares de suas oito irmãs. A família do primeiro cardeal que lidera Newark agora é uma das mais diversas e importantes, composta pelo 1,2 milhão de católicos. Sua missão é curar uma arquidiocese envolvida em escândalos de abuso sexual de menores.
As palavras de condenação contra a ameaça de retirada de fundos para as cidades santuário ressoou com força na Trump Tower. "É o oposto do que significa ser estadunidense", denunciou, "prender e deportar as pessoas em massa não beneficia ninguém, é uma política desumana que destrói famílias e comunidades." Assim, ele questiona a "racionalidade" dos atos do presidente.
Jorge Mario Bergoglio esteve no centro das atenções desde que se conheceram, no Vaticano, em 2005. Eles costumavam sentar juntos nas reuniões. O fato de ele falar espanhol fluentemente o ajudou a estabelecer a relação. Ele domina outros três idiomas. Durante uma pausa para o café, Joseph Tobin comentou com Bergoglio que estava contente com a escolha de Bento XVI, mas confessou que o candidato preferido de sua mãe era ele.
Francisco foi um dos candidatos do conclave. "O que a sua mãe sabe sobre mim?", perguntou Bergoglio. "Você cozinha sua própria comida e dirige um carro modesto. E, francamente, ela está farta de ver príncipes na Igreja", disse Tobin. Francisco nunca se esqueceu dessa conversa, nem do "bom gosto" de sua mãe, como ele escreveu depois, quando Bento propôs que ele assumisse um gabinete no Vaticano.
O tráfego em Hoboken lembra Roma. Ele levanta às cinco horas da manhã, ora por uma hora, se exercita antes do café da manhã e, em seguida, começa a trabalhar. Reserva as noites para visitar alguma das vinte igrejas que compõem a arquidiocese. Segundo ele, é como um arquipélago. Seus assistentes não dão conta da quantidade de correspondências que recebe. Se pode, tenta descansar por um dia inteiro.
O cardeal ficou exilado por quase três anos. Em 2012 ele retornou aos Estados Unidos com destino a Indianápolis. Era como uma espécie de castigo por ter tentado aliviar as tensões com as religiosas dos EUA. Bento renunciou depois de alguns meses e Francisco assumiu. "Às vezes penso que o Papa vê mais em mim do que eu mesmo", comentou recentemente o Arcebispo de Newark.
Tobin soube que receberia o chapéu vermelho ao ligar seu iPad no dia 9 de outubro para ler as notícias. Sabe-se que o Santo Padre valoriza muito os encontros pessoais, a fidelidade e a humildade. Mas a diocese de Indianápolis tinha um perfil baixo, com apenas 230.000 fiéis. Na lógica de Francisco, no entanto, as igrejas periféricas são mais importantes do que o centro do poder.
O cardeal não só abre as portas para aqueles que fogem do horror da guerra, mas protege imigrantes com ordem de deportação. No final de maio do ano passado, ele acolheu na Basílica do Sagrado Coração, em Newark, um grupo de cerca de cinquenta pessoas da comunidade gay. Foi uma experiência única, um gesto sem precedentes nos Estados Unidos.
"Quem sou eu para julgar?", disse o Papa Francisco ao iniciar a abordagem da Igreja à comunidade gay. Uma pergunta retórica que agora padres, bispos e até cardeais estão se fazendo. A bondade, diz Tobin, brincando com o slogan da campanha de Trump, "é o que faz e continuará fazendo a América grande". Aplica-se a refugiados, imigrantes ilegais e homossexuais.
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O Cardeal que representa os novos tempos de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU