Por: João Flores da Cunha | 11 Mai 2017
Uma aula sobre o Cerrado brasileiro e os desafios para a sua conservação, tais como os impactos ambientais e econômicos da agricultura em seu território. Foi o que o biólogo José Felipe Ribeiro, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa e professor da Universidade de Brasília – UnB, concedeu ao IHU no evento Os biomas brasileiros e a teia da vida. No dia 8-5, ele ministrou a palestra O Cerrado Brasileiro: berço das águas e celeiro do mundo.
Segundo o professor, “8 das 12 grandes regiões hidrogeográficas brasileiras recebem contribuição hídrica superficial do bioma cerrado”. Ele usou a metáfora de um guarda-chuva para explicar como funciona a distribuição: o Cerrado, que tem áreas de maior altitude, faz com que a água da chuva escorra para outras regiões. Portanto, as águas escorrem do grande guarda-chuva que é o Cerrado, no centro do Brasil.
Assim, a definição de “berço das águas” é até limitada, pois a água não só nasce no Cerrado, como também deixa-o. Ou seja, há uma contribuição do Cerrado para a formação de outros biomas. Rios como o São Francisco dependem do Cerrado, notou o professor.
Ribeiro assinalou que o Pantanal, de clima “muito seco”, também depende do Cerrado. A água escorre do cerrado e se dirige às terras que formam o Pantanal, uma área de inundação – e, depois, evapora. O Pantanal é “um grande ralo plano”, disse o pesquisador.
Há uma “grande limitação de água no planeta”, assinalou Ribeiro. “A gente acha que está sobrando”, pois 75% da superfície da Terra é formada por água, mas essa “está em um formato que a gente não consegue beber”, afirmou.
Só 2,5% do total de água no planeta está em um formato que podemos beber, disse ele. E há problemas como o do Brasil, em que a distribuição de água doce é inversamente proporcional à da população. Ou seja, a Amazônia, onde há a maior oferta de água, é a região menos povoada do país.
"Há uma grande limitação de água no planeta", afirmou o pesquisador (Foto: João Flores da Cunha)
Ribeiro notou que, hoje, além do clima, a agricultura também determina a ocorrência da vegetação no Cerrado. “Isso é o Antropoceno”, disse ele – ou seja, a ação da espécie humana provocando mudanças no planeta.
Sobre a noção do Cerrado como um grande celeiro, o pesquisador notou que isso é verdadeiro em relação às espécies exóticas, mas não à vegetação nativa. Ele destacou que, com a preferência e a competição da agricultura por um mesmo tipo de solo, mais rico para o cultivo, parte da vegetação que ocorria no Cerrado já desapareceu. “Isso é uma ação antrópica”, afirmou.
Em relação ao efeito de culturas como a soja e o milho, amplamente disseminadas na região, no Cerrado, o professor assinalou que “estamos exportando água”. O grão puxa água do solo, e a partir daí acumula nutrientes que o faz crescer, explicou.
Assim, em relação à agricultura, Ribeiro defendeu um manejo com menos perda de água. “Não temos muita água para beber”, enfatizou. No futuro, em um cenário de mudanças climáticas, um manejo ruim do ambiente e a limitação de água devem gerar dificuldades para a agricultura, assinalou o pesquisador.
Ele propôs pensar a equação em termos de um trade off, em que há o entendimento de que uma escolha acarreta ganhos e perdas. No caso, a agricultura é feita através da retirada de vegetação – mas a economia brasileira está em grande medida atrelada ao agronegócio.
Ribeiro afirmou que o conhecimento sobre a produção agrícola e a realização de zoneamento agrícola de risco climático e a integração de culturas são essenciais para a compreensão dos impactos ambientais e econômicos da agricultura. Para isso, é preciso entender conceitos como o de economia verde, e “entender a biologia de cada espécie”, disse.
No fim de sua conferência, o pesquisador defendeu o uso da ciência e da tecnologia para “tornar o trade off, essa troca com benefícios e limitações, a melhor possível, para que a gente possa entender como que o Cerrado é um berço das águas, como ele produz biodiversidade, e como a gente incorpora, dentro dessa biodiversidade das espécies, a nossa espécie – e entender como a gente convive, no consórcio de espécies. E aí a gente poderia falar em conservação do Cerrado – da biodiversidade, dos seus solos, do seu clima e da sua água”.
José Felipe Ribeiro possui graduação em Biologia pela Universidade Estadual de Campinas (1976), mestrado em Ecologia pela Universidade de Brasília (1983) e doutorado em Ecologia - University of California - DAVIS (1991). É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, e é professor credenciado no programa de Botânica da Universidade de Brasília – UnB. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Biodiversidade, atuando principalmente nos seguintes temas: biodiversidade, fitossociologia, biogeografia, propagação e recuperação e restauração de ambientes ripários e de Cerrado.
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Cerrado, berço das águas e celeiro do mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU