04 Abril 2017
Com uma ordem executiva presidencial, intitulada significativamente “Energy Independence”, no dia 28 de março, nos Estados Unidos, foram canceladas ou, pelo menos, fortemente enfraquecidas (o termo em inglês diz “vanificadas”) as inúmeras medidas de salvaguarda ambiental que tinham sido predispostas nos dois termos do governo Obama.
A reportagem é de Maria Teresa Pontara Pederiva, publicada por Settimana News, 01-04-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na prática, além de uma série de medidas menores, foi completamente desmantelado o Clean Power Plan (CPP), o programa nacional lançado às vésperas da Conferência da ONU sobre o Clima em Paris e projetado para reduzir até 2030 até 32% (em comparação com 2015) as emissões de carbono, com a obrigação de que todas as agências governamentais tomassem medidas para enfrentar o problema do aumento dos gases de efeito estufa e a eliminação gradual das centrais elétricas movidas a carvão.
Um tapa (embora se afirme se tratar de uma “revisão”) nas políticas ambientais com o objetivo anunciado de “potencializar a produção de energia e criar novos postos de trabalho”. Um procedimento que pretende reescrever as diretrizes que regulam as emissões de carbono, cuja limitação, de acordo com o presidente Donald J. Trump desde a sua campanha eleitoral, causou “uma verdadeira hemorragia de postos de trabalho”.
“Eu acho que o presidente foi muito claro ao dizer que nunca mais serão aplicadas políticas contra as mudanças climáticas que ponham em risco a economia da nossa nação”, comentou um funcionário da Casa Branca. “Colocamos os mineiros novamente no trabalho”, disse o presidente, que pretende implementar a promessa de dar um novo impulso ao setor de mineração: “Tenham certeza de que, comigo, encerra-se definitivamente a guerra contra o carvão”, acrescentou, cercado por mineradores e empresários da mineração.
Além disso, com aquela assinatura, foi quase zerada qualquer restrição às perfurações petrolíferas (implicitamente, agora, seria possível extrair o petróleo do parque nacional do Alasca, como pedia, há muitos anos, a governadora republicana, sempre impedida, Sarah Palin).
Com essa assinatura, a EPA (Environmental Protect Agency) – em cuja sede, depois da mudança do diretor desejada por Trump, ocorreu a assinatura – está autorizada a desmantelar totalmente o projeto de salvaguarda ambiental do governo anterior, de modo que os financiamentos para incentivar a energia verde (eólica, solar, geotérmica) e as pesquisas sobre as mudanças climáticas poderão ter um destino diferente (em grande parte, como já anunciado, para o setor militar e de armamentos).
É preciso lembrar que o CPP já estava sob revisão por parte da Corte de Apelação federal por causa de inúmeras queixas apresentadas por empresas ou por Estados inteiros contra a medida, que, na verdade, limitava muito a liberdade de empresa, dando a prioridade à saúde dos cidadãos.
Ainda em 2012, Trump, em um tuíte muito citado durante a campanha eleitoral, afirmava que as mudanças climáticas seriam “uma farsa inventada pelos chineses para atingir a economia estadunidense”.
Em nítida descontinuidade com as políticas ambientalistas do governo anterior – e com as escolhas das conferências das Nações Unidas de Paris e de Marrakech –, nos Estados Unidos, carvão e petróleo deveriam, portanto, voltar a ser as principais fontes de abastecimento energético, embora, na realidade, justamente por causa da tendência em curso há anos, em nível econômico, poderia não se revelar conveniente para empresas e cidadãos por causa da concorrência com a energia limpa com um custo cada vez menor. Assim como não é evidente que, nas minas, vão aumentar os postos de trabalho, por causa da automação cada vez mais impulsionada também nesse setor, no sentido de salvaguardar a saúde dos mineradores.
Não será indiferente a oposição interna daqueles que – dos políticos principalmente de fé democrática, mas não só, aos cidadãos, especialmente as famílias – não pretendem recuar na salvaguarda do ambiente, também por causa dos inúmeros postos de trabalho criados nos últimos anos, precisamente pela economia sustentável (pense-se apenas na Califórnia, o estado mais green, mas também o mais rico em termos de economia e de cérebros, cada vez mais atraídos em todo o mundo).
“Lamentamos que os Estados Unidos estão voltando atrás no principal pilar da sua política em relação ao clima e à produção de energia limpa. Agora, resta saber com que outros meios eles pretendem cumprir os seus compromissos no marco do Acordo de Paris”, disse Miguel Árias Cañete, comissário para o clima da União Europeia, dando a entender que um acordo internacional não é cancelado unilateralmente.
“Há um pouco de preocupação, mas, felizmente, também há vozes contrárias e em desacordo”, respondeu o cardeal Peter Kodwo Appiah Turkson, presidente do novo dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral, perguntado pelos jornalistas sobre os recentes posicionamentos do presidente estadunidense Donald Trump e sobre a sua atitude em relação aos países em desenvolvimento.
Falando em Roma, na apresentação de um congresso que será realizado nos dias 3 e 4 de abril sobre o tema “Perspectivas para o serviço do desenvolvimento humano integral a 50 anos da Populorum progressio”, Turkson expressou a sua esperança de que “Trump mesmo comece a repensar algumas das suas decisões”.
“Além disso – continuou – o presidente dos Estados Unidos está realizando as promessas feitas durante a campanha eleitoral, mas quero esperar que ele se dê conta da dissonância entre a realidade das coisas e as expressões da campanha eleitores, e que as coisas vão mudar.”
“A Conferência Episcopal dos Estados Unidos (USCCB), em comunhão de intenções com o Papa Francisco, apoia fortemente a salvaguarda do ambiente e pediu várias vezes ao longo dos anos que a nossa nação se mobilize pela redução das emissões de carbono”, declarou em resposta o bispo Frank J. Dewane, de Venice (Flórida), que também é presidente da Comissão Episcopal para a Justiça Interna e o Desenvolvimento.
“Essa ordem executiva anula uma série de proteções ambientais e, de fato, afasta os Estados Unidos dos padrões dos acordos internacionais voltados à redução das emissões de carbono. E isso sem a adoção de um plano alternativo suficientemente eficaz para garantir o cuidado adequado das pessoas e da criação. A ação que ocorreu com a assinatura de ontem significa, infelizmente, que, para os Estados Unidos, será improvável alcançar os objetivos de mitigação que haviam sido postos tanto em nível nacional quanto internacional.”
Os bispos também reconhecem que o Clean Power Plan não foi o único instrumento voltado a favorecer a redução dos gases de efeito estufa (“A Igreja não é capaz de privilegiar uma abordagem técnica, econômica ou política em relação a outros”), mas “a falta de uma alternativa viável é um problema sério”.
“O novo diretor do EPA, Scott Pruitt – continua a declaração –, afirmou repetidamente que as políticas devem ser, ao mesmo tempo, pró-crescimento e pró-ambiente. Portanto, apenas uma abordagem integral pode respeitar as preocupações em relação à população e ao ambiente, e, ao mesmo tempo, alcançar o objetivo do crescimento econômico, desde que trabalhe corretamente. Além disso, muitos Estados já fizeram grandes progressos para alcançar o objetivo de uma redução do carbono na atmosfera, e esse impulso deveria ser encorajado e não obstaculizado.”
A USCCB lembra as palavras do Papa Francisco na encíclica sobre o cuidado da criação, na qual o pontífice recorda que uma abordagem ecológica deve ser capaz de “escutar tanto o grito da terra quanto o grito dos pobres” (LS 49).
“Com essa ordem executiva, o governo corre o risco de deteriorar o ar que respiramos, as nossas águas e, acima de tudo, o nosso povo, especialmente os mais pobres e mais vulneráveis, sem propor, de fato, uma abordagem alternativa, adequada e concreta para enfrentar as obrigações de uma gestão responsável pelo ambiente.”
É preciso lembrar que, salvo um aplauso inicial do arcebispo de Nova York, Timothy Dolan, presidente da Comissão Episcopal para a Vida (o único presente na cerimônia de posse em Washington), depois da ordem executiva que, no dia 24 de janeiro, suspendeu o desembolso de fundos para as organizações não governamentais internacionais que praticam abortos ou fornecem informações a respeito, os bispos dos Estados Unidos não deram desconto para o presidente, ao contrário.
Ainda em fevereiro, a Comissão Episcopal para a Justiça e o Desenvolvimento Humano, junto com o presidente do Catholic Relief Services (CRS), pediram que o governo Trump mantivesse o compromisso dos Estados Unidos com a proteção e a salvaguarda da criação, tanto em nível nacional quanto global.
“Queremos reafirmar a importância da liderança dos Estados Unidos e o compromisso com o Acordo de Paris”, afirmava a carta endereçada ao secretário de Estado e assinada pelos bispos Frank Dewane, da diocese de Venice (Flórida), Oscar Cantu, de Las Cruces (Novo México), e Sean Callahan, presidente do Catholic Relief Services (CRS).
A missiva recordava que, ainda em 2015, a USCCB havia reiterado que o financiamento dos programas de adaptação e mitigação dos efeitos das mudanças climáticas incluídos no Acordo de Paris eram ainda mais urgentes, especialmente se se queria assumir a responsabilidade comum pelo fenômeno do aquecimento global e limitar as consequências sobre as populações mais vulneráveis do planeta.
“O Acordo de Paris é um passo fundamental para ambos os objetivos”, afirma o texto, e, nas entrelinhas, podia-se sentir a preocupação, porque, durante a campanha eleitoral, Trump tinha afirmado várias vezes que não respeitaria o acordo da COP 21.
A tudo isso, deve-se acrescentar uma longa lista de declarações e discursos que mostram toda a indignação dos bispos com a construção do muro na fronteira com o México, com toda a política anti-imigrantes, com o desmantelamento (por enquanto fracassado, graças a democratas e republicanos unidos) da cobertura de saúde pública, com as medidas protecionistas, com a nova corrida armamentista...
“Trump vai em direção oposta à doutrina social da Igreja”, intitulava-se o jornal New York Times no dia 28 de março.
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