30 Março 2017
Estudo mostra que pressão ao agronegócio sobre Matopiba, zona de expansão da agricultura, já compensa parte das emissões de carbono reduzidas pela queda na taxa de devastação amazônica
A reportagem foi publicada por Ipam, 28-03-2017.
Ma-to-pi-ba. Parece nome de fruta do cerrado, como gabiroba, bocaiúva e araticum. Mas trata-se da maior fronteira agrícola do país e a porção do cerrado mais ameaçada pelo desmatamento. De acordo com um novo estudo, que monitorou as emissões de carbono florestal em terras cultivadas na região, as emissões de gás carbônico no Matopiba já correspondem a quase metade do emitido por todo o bioma – e já anulam parte da aplaudida redução da taxa de desmatamento na Amazônia.
Estima-se que quase metade (45%) dos gases de efeito estufa liberados pelo cerrado tenham origem nas terras de Matopiba, uma área de mais de 400 mil km2 composta pelos Estados do Maranhão, do Tocantins, do Piauí e da Bahia (daí o nome, formado pelas iniciais dos quatro Estados). O novo estudo foi feito por pesquisadores do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), da Nasa, da Embrapa e da Universidade de Wisconsin, nos EUA. De acordo com a pesquisa, mais de 870 milhões de toneladas de dióxido de carbono foram lançadas na atmosfera pelo cerrado entre 2003 e 2013, o que equivale a cerca de 5% a 7% da redução de desmatamento na maior floresta tropical do planeta por ano no mesmo período.
O desmatamento em Matopiba vem sendo motivado pela força do agronegócio. A região vale mais desmatada, produzindo sacas de soja, de milho e de algodão, do que de pé. O Matopiba já perdeu parte considerável (27%) de sua cobertura vegetal, especialmente pelo clima uniforme e pelas áreas planas, classificadas como chapadões, que oferecem boas condições ao plantio de grãos. Prova disso é a safra recorde de 8,8 milhões de toneladas (2013/2014) e a previsão de quase triplicar esse valor (22,6 de toneladas) até 2023.
Mas ainda é tempo de salvar o cerrado no Matopiba e reduzir as emissões de carbono. Áreas degradadas dariam conta de suprir toda a demanda por novas terras agrícolas, segundo o pesquisador Arnaldo Carneiro Filho, do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). O método de tentativa e erro aplicado em grande medida na expansão da soja no Matopiba gerou um grande desperdício de áreas. “É possível manter a expansão da agricultura e aumentar a produtividade sem comprometer novas áreas de vegetação nativa, seja no cerrado, seja na Amazônia”, diz o pesquisador.
Ele é autor de um relatório recente publicado pelo Agroicone, segundo o qual a área plantada com soja no Matopiba cresceu 253% entre 2000 e 2014 (de 1 milhão para 3,5 milhões de hectares). Cerca de 68% dessa expansão ocorreu em áreas de vegetação nativa.
No entanto, segundo dados da Agrosatélite citados pelo relatório, há em todo o cerrado mais e 18 milhões de hectares de pastagens com alta e média aptidão agrícola, que poderiam ser usadas para o cultivo mecanizado de soja. Desse total, 10% estão no Matopiba, que possui ainda 6,4 milhões de hectares de pastagens que não prestam para a agricultura e que poderiam ser destinadas à intensificação da pecuária ou à recuperação florestal.
De acordo Márcia Macedo, pesquisadora do Ipam e uma das autoras do estudo sobre emissões, é comum imaginar que biomas como o cerrado não têm potencial para emitir grande quantidade de gases de efeito estufa. “Há muita vegetação no cerrado, inclusive florestas, e com elevado potencial de emissão de poluentes”, diz.
Apenas o Matopiba concentra 27,3 milhões de hectares de vegetação nativa. Traduzindo para potencial de poluição: são cerca de 2,5 bilhões de toneladas de dióxido de carbono estocadas, mais do que a emissão anual de todo o Brasil. Parte importante de sua biomassa está abaixo do solo, nas raízes. O cerrado é o que os pesquisadores costumam chamar de “floresta invertida”.
Sem proteção suficiente, toda a biodiversidade do bioma sofre grande ameaça. O cerrado tem 11.627 espécies de plantas catalogadas, uma grande variedade de aves (837 espécies), de peixes (1.200 espécies), de répteis (180 espécies) e de anfíbios (150 espécies). Sem contar as nascentes do cerrado que abastecem as três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: a do São Francisco, do Tocantins-Araguaia e do Paraná.
Do ponto de vista do agronegócio, desmatar o cerrado pode ter suas vantagens, se comparado à Amazônia. O cerrado é o bioma brasileiro que possui a menor porcentagem de áreas sobre proteção integral: apenas 8,21% de seu território está legalmente protegido por unidades de conservação, o que facilita a grilagem da terra e coloca o bioma em risco, afirma a pesquisadora Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília, especialista em cerrado. “Se as áreas protegidas do cerrado não forem aumentadas pelo governo, corre-se o sério risco de perdê-las”, diz Bustamante.
Por esta razão, é urgente a implantação de um mecanismo de controle da expansão da soja, que alie incentivos econômicos e financeiros para promover a reocupação de áreas já abertas e abandonadas ou áreas de pastagem, fazendo integração lavoura-pasto. “Já existe tecnologia suficiente para evitar o desperdício de áreas e promover a inteligência territorial no uso e ocupação do solo”, afirma Tiago Reis, pesquisador do Ipam.
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Desmate no cerrado anula ganhos na Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU